Segunda parte do ultimo de uma série de "partes de conto" para o Dia dos Namorados, começando por "Sorvete de Menta" como introdução da história, "Contando de um até dez" como o começo do fim e este conto aqui ("Deixe-me voltar à você", primeira parte e esta segunda parte) sendo o fim em si :) Os contos falavam sobre uma adolescente peculiar chamada Estela, a qual vive tanto no mundo real como no mundo da Lua, também amiga de duas meninas com características únicas. Estela, por ainda não sentir necessidade, não chegara a se ver apaixonada por ninguém. Não que ela não conhecia o significado de romance, através da imaginação. Porém, eventualmente em um shopping e provando um sorvete (um forte hábito seu), a garota e suas amigas encontraram alguém que faria um sutil impacto.
NUNCA TERMINA
Deixe-me voltar à você - Parte II
— Você está bem? — é o que Leonardo me
questiona com preocupação. — Tá pálida...
Ele
tinha virado meu corpo de frente para o dele – braços nos distanciando, é claro
– e pôs as mãos nos lados do meu rosto só para me afagar no cabelo e olhar
desconfortavelmente meus olhos como se fosse um médico com aqueles aparelhinhos
de vistoria. Então, minha sensação é de “ah, estou beleza”, contudo tive uma
impressão muito forte de ter, por um ímpeto, passado por um cenário de alta
qualidade em terceira dimensão e... Não acho que seja verdade, mas alguma coisa
me conta que não estou vendo... Bem, coisas.
—
Estou pálida? — faço uma cara confusa, tombando levemente minha cabeça de lado
para poder franzir os lábios ao fitar para baixo e logo o olho de volta. —
Virei vampira?
— Não sei. — ele só me encara estoico. — Você
tem vontade de beber sangue ou tem sede?
— Hum, vejamos... — levanto meu rosto para
cima. — Talvez um sorvete de uva vá cair bem.
— Vampiros não tomam sorvetes. — Leo me diz
com um sorriso. — Se é isso, você é humana.
— Mas você também nem parece um humano. —
espio-o pelo canto dos olhos, vendo-o me encarar sem entender: não posso
culpá-lo se, algumas vezes, meu cérebro sai da realidade e minha boca acaba
falando coisas que pessoas sob a ilusão do que é comum ou normal não
compreenderiam. — E nem tem cara de ser um vampiro também, a menos que brilhe.
— Se você está falando do vampiro que vi
naquele filme, — as mãos dele vão para os bolsos da calça. — não sou também
aquele tipo de vampiro. — e suspira, apoiando-se nos vãos onde a gente pode ver
o andar de baixo. — Fora isso, na minha casa, é proibido beber sangue.
— Proibido beber sangue? — engulo em seco ao
ouvir a naturalidade. — Como assim?
— O sangue dos animais é sagrado para minhas
amigas. — olha-me, ainda se apoiando ali.
— Então, você é vegetariano? — pergunto ao
vê-lo encarar a samambaia próxima.
— Vegetariano é quem come plantas? —
questiona ele, ao que confirmo. — Sou.
— E você mora por aqui? — vejo-o se aproximar
de mim e então caminhamos.
— Moro aqui no shopping mesmo. — andamos pela
rota até o cinema.
— Não seria o bairro? — tento fazê-lo
lembrar, vendo o sorriso dele sumir.
— Ei! — ele me dá uma leve cotovelada sem
avisar, quase me matando de susto. — O que é um bairro? — e seus olhos verdes
brilham em urgência na minha direção.
— É... — acaricio meu queixo ao pendular meu
peso de um lado para o outro. — É onde está o shopping. — ergo meu olhar para
fitá-lo de modo assegurou, recebendo uma curva em troca.
— Então é onde eu fico. — estranho a forma
como ele diz, mas tudo bem.
Encaminhamo-nos por este piso de pedras vermelhas e entre vidros com
amostras de doces, joias, roupas, sapatos e um monte de coisas imagináveis. Escadas
rolantes podemos ver, andando meio quilometro, de relance. É comum vermos
pessoas nos bancos com embalagens de presentes, outras sozinhas com seus amigos
e umas beijando outras. Para mim, são visões legais, embora não sinta uma
vontade de estar com outra pessoa só para me sentir bem. Consigo ainda ouvir um
barulho peculiar dentro da minha cabeça – e algumas faíscas também – como se
discordasse disso. Respiro fundo, fecho os olhos e conto até dez para tentar me
acalmar. Talvez eu esteja comprando doce demais.
E,
como se a palavra “doce” fosse mágica, sinto minha barriga um pouco trêmula.
Acho que posso estar corando, pois há uma cócega próxima do meu peito que
indica que estou nervosa. Não acredito que o sorvete de menta não foi o
suficiente para saciar minha fome. Estamos a poucos metros de encontrar o
cinema, então mordo meu lábio inferior. O que eu faço, o que eu faço? Em
resposta, meu estômago ronca, minhas mãos o escondem e viro meu olhar para Leo.
— Fome? — ao menos, ele me compreende agora.
— Sinto cheiro de algo salgado ali.
— Pipoca não vai adiantar. — digo, também
sentindo o cheiro. — Preciso de sorvete.
— Por quê sorvete? — após piscar os olhos
várias vezes, ele me pergunta.
— Sorvete faz tudo ficar melhor. — dou-me de
ombros, gesticulando para cima. — E vi alguns sabores legais naquela sorveteria
em que fui. — concentro-me em um plano,
bato o pé no chão pela agitação que se instala em meus neurônios e uma ideia surge.
— Olha, me escuta.
Não
desejo vê-lo perdido ao tentar encontrar meus amigos, então sinalizo o caminho
de volta com detalhes. Digo que vou achá-los em breve, assim que resolver o
caso ‘sorvete de uva’, e em pouco tempo. Se fosse correndo de um lugar para o
outro, não demoraria mais do que dez minutos. Observo-o ficar parado enquanto
conto o que ele poderia falar, logo aceno um “até logo, vou ali e volto” e
ponho meus tênis para ir o mais rápido que posso.
Nunca fui muito boa nisto. Em comparação a muitas pessoas – incluindo
Melissa e Stephanie –, sou considerada meio lerda. Meus joelhos cansam, paro
muitas vezes e tenho que esperar um ou dois minutos para prosseguir. No
entanto, assim que faço a segunda parada próxima de um dos corredores que
levavam à praça de alimentação, tenho a impressão de que meus sentidos estão
extremamente apurados. Os ruídos da minha mente e os ocasionais lampejos verdes
param, mas consigo ouvir várias vozes (próximas e distantes ao mesmo tempo).
Quando ponho a mão na testa, tentando me sossegar, e volto a correr... Parece
que posso sentir o vento percorrer mais rápido e os pés tomarem um impulso não
meu para saltarem mais alto.
Ao
chegar na entrada da sorveteria, pareço ter perdido um pouco do meu fôlego.
Ergo minha cabeça para enxergar dois jovens conversando, entre si, bem
animados. Um é Adriano, quem noto sorrir de uma maneira que não aparenta ser um
procurado de polícia, e a outra é uma garota de cabelos róseos berrantes e
dentes com aparelho azulado. Não enxergo bem a placa do nome dela – uma parte
dele tá todo sujo –, mas a letra inicial vejo ser um ‘E’.
— Aah! — a moça sorri, virando seu corpo para
mim, enquanto o outro apenas me encara meio... Assustado? Não está usando seu
boné de funcionário, somente seu uniforme, então posso bem notar que algo nas
feições do rosto é familiar e há uma coloração clara (azulada ou esverdeada?)
em seus olhos. — Sejam bem-vindos, vocês dois, o que desejam?
Mudo minha atenção para ela, confusa sobre a primeira pessoa no
plural... Como assim?
— Eu não quero nada não. — ouço uma voz negar
gentil. — Mas ela quer um sorvete de uva.
— De onde você brotou... — quase falo sem
pensar ao ver Leonardo bem ao meu lado, andando tranquilamente pela cerâmica da
sorveteria como estivéssemos entre quatro aquários e não paredes. — Não havia
te dito para ir atrás delas para não ficar sozinho? — bufo.
— Eu sei. — o olhar dele quase diz “me
desculpe?”. — Mas eu achei melhor te seguir.
Encaro-o por um minuto. É sério que ele diz isso como não fosse uma
coisa meio... estranha? Acho que talvez, apenas
talvez, eu tenha ganho um stalker... E fico paralisada.
— Tudo bem... — suspiro, tentando esquecer e
logo alerto: — Você. Não. Saia. De. Perto.
O
garoto apenas me fita – nem dizendo sim, tampouco não – com complacência. Ao me
aproximar da bancada onde há os sorvetes, pego umas quatro colheres (além de um
pouco de balinhas de limão que comprarei) e as ponho em um pote azul de
plástico. Aproximo-me da bancada, com a moça de cabelos rosados, e peso o doce
para a máquina calcular o preço. “Dezesseis reais”, diz ela após teclar um
pouco. Dou o dinheiro, antes de espiar Leo passeando pela área ao enxergar os
quadros expostos nas paredes, e me viro para poder ir.
— Falando nisso, — um brilho surge na minha,
fazendo-me voltar. — onde está Adriano?
— Adriano? — há um tom de dúvida mais do que
simplesmente querer confirmar. — Ah, você está falando do garoto que estava
comigo a um tempo atrás? — ela sorri em compreensão.
— Esse mesmo. — falo curiosa, várias ideias
de identidades na minha mente. — Ele é alguma espécie de criminoso
internacional? Se for, pode dizer, conto pra ninguém! E pra onde ele foi?
— Aquele rapaz? — a moça dá uma risada
aberta, antes de se encostar-se a um canto, tampar a boca e fechar os olhos
para segurar o riso: após tudo isso, ela me vê e sorri divertida. — Olha, não
posso te contar que ele é alguém que machucaria uma formiga... Mas eu posso
contar que ele foi lá para a cozinha e... — seu rosto se contorce em uma
careta. — Meio que não pode sair de lá. — neste momento, Leonardo aparece ao
meu lado.
— Engraçado. — ele fala. — Eu acho que senti
a presença engraçada de alguém.
— Vocês dois... — tenho que me virar de
voltar para ela, pois eu o estava encarando sem compreender quem era engraçado
ou sobre o que Leo estava falando, e a vejo com uma mão apoiada no queixo e o
corpo indicado na mesa. — Me lembram de quando eu era uma menina.
— Ué. — estranha Leo. — Mas você não é uma
menina? Que nem ela. — e aponta pra mim.
— Ah, não sou mais. — ela dá risada. — Terminarei
meu curso de Engenharia.
“Engenharia?”, questiono-me mentalmente ao me recordar de cálculos de
Matemática e alguns que estou aprendendo sobre Física. Não que alguma profissão
não seja importante, mas possuo um sonho de, desde criança, me tornar parte da
Marinha. É difícil explicar porquê, contudo, posso dizer que seria um encanto.
Eu bem poderia trabalhar bastante fora da minha cidade. E provavelmente não
passar por este shopping, apenas visitar minha casa distante.
— Além disso, meio que estou noiva. — ela
continua a falar, pensativa ao se endireitar e fitar o nada. — Se bem que está
sendo difícil ver se casaremos. Mas vocês me lembram quando o conheci quando
criança. — ao notar nossos olhares, um sorriso dela se alarga. — Aqui mesmo... Tão
doce antes, mas hoje anda meio rabugento... — seu sorriso se entortou em
ironia. — Mas, considerando o meu tempo, não o culpo.
— Você fala de Adriano? — pego uma
colherzinha para cravá-la no sorvete e saborea-lo.
— Adriano? — não ouço surpresa, apenas uma
leve indignação. — Não. Na verdade, ele já me contou tantos nomes, mas nenhum
deles é o real. Me pergunto se até ele sabe o verdadeiro.
— Por quê você é “meio noiva” dele, então? —
retruco, antes de ver a cara confusa de Leo.
— Amor é uma loucura. — a moça assobia, olhando de mim para
ele. — Um dia, vocês vão experimentar isso, estou certa. Mas tomem cuidado se
vocês se apaixonarem: pode surgir uma fada que roubará seus nomes para forçar
vocês a ficarem presos em um mundo de ilusões. — um sorriso aparece no seu
rosto e sinto um aperto de Leo na manga da minha roupa, como quisesse ir
embora. — Não que todas as fadas tentarão isso. — viro-me, preocupada, para
avistar Leonardo a encarando com o que acho ser medo. — Não que eu fale a
verdade.
— As suas amigas devem estar nos esperando. —
ele me diz como me implorasse para sair.
— Tudo bem. — falo, estranhando os dois,
antes de me despedir dela e me virar de costas.
No
entanto, assim que volto a tentar olhar no exato lugar onde se encontrava a loja...
Não vejo nenhuma. É um espaço fechado com o aviso, no lado de fora, dizendo “em
construção”. Questiono a Leo sobre isso, mas ele só me dá um olhar confuso e
diz que visitamos nada ali. Aponto o sorvete, querendo falar que estávamos mesmo
e naquele lugar. Há um ar trêmulo de medo nele ao me comunicar que formos a uma
sorveteria no cinema e que, por acaso, Leonardo me vira perambulando até a
praça de alimentação.
O
que eu procurava? Jurava que vimos a tal loja! Sinto como hoje tem sido real!
Para
começar, onde Adriano foi? E o que é tudo isso? ...Que coisas mais...
bizarras...
FIM
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