O conto é rodado por um ponto de vista distorcido (será?) de uma jovem (é uma jovem mesmo ou...?) sobre definições (são mesmo?). Pontos de vista à parte sobre o que pode ser referido como incompreensão ou distorção, vamos dar uma lida? :)
Definições
A definição de ser eu mesma poderia ser algo
bem complexo. Não uma descrição de qual é o meu nome, quais são meus pais, no
que trabalho ou até mesmo o que eu gosto. Se assim fosse, poderia muito bem
apertar a mão de alguma senhora que quisesse ser amiga de minha mãe e dizer:
“Sou um pássaro chamado Leão, meus pais são
dois pássaros que morreram na guerra, trabalho em disfarces e gosto de flores!”
Claro que minha mãe poderia fazer um olhar
‘oooh!’ e meu pai lançar um ‘repete o que você disse!’, porquê a senhora não
saberia se eu estava brincando ou falando sério. Minha irmã – a menor, de dez
anos, traços tão semelhantes aos meus – levantaria seus olhos para alertar que
sai dos ‘limites’ de novo, embora já estivesse mais acostumada com meus escapes
ao absurdo do que muitas pessoas. Então, no meio de um jantar formalmente
preparado com uma família considerada ilustre pelos meus pais, tenho que forçar
um sorriso, uma gargalhada e parecer normal.
Como se normal fosse uma verdade. Afinal, o
que é ser normal? Não é uma convenção criada pelos humanos que se acham os
astros da Terra, achando que uma coisa é certa enquanto outra é errada? Ainda
que meu coração possa se apertar ao ver os diferentes contrastes no mundo,
vagando aleatoriamente por essas bandas com moços e moças, encontrando vários
tipos de brilho nos olhares, vendo vermelho e branco andar lado-a-lado... É
possível que a raiva possa ser derivada do amor ou que o mal possa ser o
parceiro do bem?
Não possuo respostas para qualquer uma das perguntas
que surgem em minha cabeça. Concluo, a este ponto, que há perguntas sem
respostas. Algumas questões são feitas para poder mover as pessoas, porquê
seres humanos são alguns dos animais mais curiosos que a Terra conhece. As
respostas que muitos homens encontram são apenas para fazê-los cravar seus pés
em um espaço de terra firme, sem saber que poderá vir uma onda ou uma
tempestade que poderá os derrubar se ficarem parados por muito tempo.
Por exemplo, na decisão que uma pessoa de
corpo voluptuoso e de roupas atraentes possa ser de caráter fútil, podemos não
considerar a possibilidade dela ser uma pessoa como nós. Ou, até, o termo “mais
inteligente” ou “menos inteligente” não se aplica a ninguém. Talvez o termo de
“mais” ou “menos” não seja real. Assim é bem provável que, se achando mais
inteligente do que uma aranhazinha tecendo uma teia ou até mesmo do que alguém
que nunca aprendeu a desenhar letras, não haja diferença em inteligência entre
os quais consideramos humanos e também os quais consideramos animais.
Posso usar a mesma lógica – o que é ser
lógico? – para consideração de perfil de gênero. Se é que ser homem e ser
mulher possuem a definição estabelecida no dicionário. Afinal, somos seres ou
somos uma definição? É certo que definições surgem para guiar pessoas, mas será
mesmo que sempre somos uma definição? Por quê usamos sapatos e roupas? Por quê,
quando alguém que nasce homem usa um vestido, ele não pode? O que é lei, o que
é ordem e o que é caos? Porquê, quando cada individuo é diferente, há pessoas
que querem outras pessoas iguais à seu gosto de aparência?
Diante desta questão que encontro várias
respostas em quadradinhos de bate-papo, balanço meu lápis nos dedos e franzo
minha testa para cima. Tento pensar em alguma coisa. Pense, pense, pense e
repense, criaturinha. O que eu devo fazer? Não. O que vou fazer? Apesar disso
não ter solução, minha cabeça quer refletir sobre o que trago para mim, então
aqui estou existindo.
Só que algo é inquestionável no universo...
Tenho fome. Suspiro, erguendo-me da cadeira
para pegar algo na geladeira.
E eis que faço uma incrível descoberta.
Hoje tem pizza. Não sei o que afetou o humor de meus pais dieta-cabeça-dura
para comprar algo com queijo, presunto e um cheirinho de... Inspiro, respiro,
inspiro e... ROOONC. Talvez três fatias sejam o suficiente. Pego um prato,
ponho três pedaços, guardo o resto, pego catchup e maionese e vou ver algum
filme legal no computador. Demora um pouco para poder carregar todo o ‘Como
Treinar Seu Dragão’. Após terminar, deixar passar vinte minutos enquanto
roubando refrigerante da cozinha...
Finalmente vem uma luz e... Decido ser um
‘alien’. É algo totalmente fora do filme, mas eu já fui um ‘dragão’ ano
passado. E ser a mesma coisa duas vezes na vida não é bacana.
― Revany... ― meu melhor
amigo respira fundo, ao me ver toda de verde no dia seguinte. ― Qual é a ideia
que você pôs na sua cabeça para poder vir com essas anteninhas?
― Não me chame de ‘Revany’,
verme humano. ― pronuncio com o sotaque que inventei na noite passada. ― Eu sou
o Imperador Mago Galáctico e vim aqui para uma missão.
― Caramba. ― sentado ao meu lado, Ticer me
lança um olhar arregalado de preocupação. ― Você está em uma daquelas suas
crises de identidade de novo? ― ele me questiona enquanto observo outro canto.
― Não fale comigo. ― digo,
concentrada. ― Estou tentando mover este objeto estranho.
― Hã... Revany... ― Ticer
tenta me alertar. ― Isso é um lápis. ― e ainda é objeto estranho.
― Eu estou movendo este
lápis com minha mente. ― tento esclarecer monotonamente.
― Ele não está movendo nem um centímetro. ― Ticer praticamente
canta a frase.
― Ah, ele se moveu. Você é
só um mero humano pra enxergar a magnificência. ― gesticulo com uma das mãos na
direção dele, sem encarar o rosto dele ou o boné que está usando.
― Tá. ― Ticer suspira,
cansado. ― Me avisa quando você voltar ao normal.
― Não é ‘você’ ou ‘Revany’.
― repreendo-o com o mesmo sotaque que acho que, como alienígena, devo usar. ― É
‘o Imperador Mago Galáctico’ ou não nos falamos.
― Como assim? ― viro minha
cabeça para ver Ticer quase dar um pulo sentado, a expressão indignada em seu
rosto ao fitar meus olhos e então outra direção. ― Mas você tem peitos!
― Ah, isso? ― encaro para
baixo. ― Eles não são de verdade, são parte do disfarce.
― Parte do disfarce? ―
interroga ele, cético. ― Revany, eu te conheço desde moleque!
― Então, ― na conclusão,
fito o céu azul, cruzo meus braços e digo: ― parte de sua vida foi uma mentira
criada por um órgão de inteligência do meu planeta de origem para meu disfarce.
― Como você explica que sua
carteira de identidade registra você como uma mulher?
― Eu sei lá se sou uma
mulher. ― só respondo. ― Só sou dono de tudo isso daqui.
― Tudo isso daqui? Mas do
quê? ― ele arqueia uma sobrancelha.
― Da galáxia, humano tolo,
da galáxia. ― levanto minhas mãos ao alto.
― Tá, tá, entendi. ― após
uns momentos de silêncio, ele conclui. ― Mas quando você vai sair desse estado
mesmo? ― e coça um pouco a cabeça.
― Quando o disfarce acabar? ―
quero saber sobre que recorte de ‘estado’ ele diz.
― Não. ― ele me corta, do
nada. ― Quando você vai voltar a ser Revany?
― Não esclareci sobre isso
ser um disfarce, humano? ― falo. ― Revany não existe.
Demora um pouco para Ticar engolir essa e se
calar por um tempo, embora, uma hora e meia depois, questionasse-me como eu não
fosse o imperador da Galáxia e sim só mais uma garota humana com fases de
personalidade que fosse de memórias reais. Há uma intenção por detrás da ação
dele, disso bem sei, para que meu ser ‘volte’ ao normal. Contudo, se assim
fizesse, apenas estaria comprovando meu faz-de-conta como uma verdade ao fingir
ser uma menina quando ele implorasse. Minha existência estaria se submetendo
aos desejos de outra, provavelmente alguma que, em valores, possa ser inferior
não por existir, mas pelo controle do querer.
Algumas vezes, o que queremos não é um
romance que esteja nos padrões que as cabecinhas de formiga humana
considerariam comuns. É bem possível que o amor, o que conhecemos desde, então
possa ser uma síndrome e essa possibilidade não passar pela nossa cabeça por
conta de estarmos tão acostumados com uma definição de relacionamento que, se
alguém falasse “o amor não existe”, pessoas iriam o condenar como o mentiroso.
Mas a questão, a qual talvez ultrapasse
nossas próprias existências, é se somos uma mentira ou não.
Talvez tudo o que conhecemos não passe de
uma ilusão de sabores infinitos.
FIM
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SABE NA PRÓXIMA SEMANA NÃO É VOCÊ RECEBENDO OS COMENTÁRIOS!
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