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domingo, 30 de junho de 2013

[FEITO A MÃO] Definições



 O conto é rodado por um ponto de vista distorcido (será?) de uma jovem (é uma jovem mesmo ou...?) sobre definições (são mesmo?). Pontos de vista à parte sobre o que pode ser referido como incompreensão ou distorção, vamos dar uma lida? :)







 Definições
   A definição de ser eu mesma poderia ser algo bem complexo. Não uma descrição de qual é o meu nome, quais são meus pais, no que trabalho ou até mesmo o que eu gosto. Se assim fosse, poderia muito bem apertar a mão de alguma senhora que quisesse ser amiga de minha mãe e dizer:

   “Sou um pássaro chamado Leão, meus pais são dois pássaros que morreram na guerra, trabalho em disfarces e gosto de flores!”

   Claro que minha mãe poderia fazer um olhar ‘oooh!’ e meu pai lançar um ‘repete o que você disse!’, porquê a senhora não saberia se eu estava brincando ou falando sério. Minha irmã – a menor, de dez anos, traços tão semelhantes aos meus – levantaria seus olhos para alertar que sai dos ‘limites’ de novo, embora já estivesse mais acostumada com meus escapes ao absurdo do que muitas pessoas. Então, no meio de um jantar formalmente preparado com uma família considerada ilustre pelos meus pais, tenho que forçar um sorriso, uma gargalhada e parecer normal.

   Como se normal fosse uma verdade. Afinal, o que é ser normal? Não é uma convenção criada pelos humanos que se acham os astros da Terra, achando que uma coisa é certa enquanto outra é errada? Ainda que meu coração possa se apertar ao ver os diferentes contrastes no mundo, vagando aleatoriamente por essas bandas com moços e moças, encontrando vários tipos de brilho nos olhares, vendo vermelho e branco andar lado-a-lado... É possível que a raiva possa ser derivada do amor ou que o mal possa ser o parceiro do bem?

   Não possuo respostas para qualquer uma das perguntas que surgem em minha cabeça. Concluo, a este ponto, que há perguntas sem respostas. Algumas questões são feitas para poder mover as pessoas, porquê seres humanos são alguns dos animais mais curiosos que a Terra conhece. As respostas que muitos homens encontram são apenas para fazê-los cravar seus pés em um espaço de terra firme, sem saber que poderá vir uma onda ou uma tempestade que poderá os derrubar se ficarem parados por muito tempo.

    Por exemplo, na decisão que uma pessoa de corpo voluptuoso e de roupas atraentes possa ser de caráter fútil, podemos não considerar a possibilidade dela ser uma pessoa como nós. Ou, até, o termo “mais inteligente” ou “menos inteligente” não se aplica a ninguém. Talvez o termo de “mais” ou “menos” não seja real. Assim é bem provável que, se achando mais inteligente do que uma aranhazinha tecendo uma teia ou até mesmo do que alguém que nunca aprendeu a desenhar letras, não haja diferença em inteligência entre os quais consideramos humanos e também os quais consideramos animais.

     Posso usar a mesma lógica – o que é ser lógico? – para consideração de perfil de gênero. Se é que ser homem e ser mulher possuem a definição estabelecida no dicionário. Afinal, somos seres ou somos uma definição? É certo que definições surgem para guiar pessoas, mas será mesmo que sempre somos uma definição? Por quê usamos sapatos e roupas? Por quê, quando alguém que nasce homem usa um vestido, ele não pode? O que é lei, o que é ordem e o que é caos? Porquê, quando cada individuo é diferente, há pessoas que querem outras pessoas iguais à seu gosto de aparência?

    Diante desta questão que encontro várias respostas em quadradinhos de bate-papo, balanço meu lápis nos dedos e franzo minha testa para cima. Tento pensar em alguma coisa. Pense, pense, pense e repense, criaturinha. O que eu devo fazer? Não. O que vou fazer? Apesar disso não ter solução, minha cabeça quer refletir sobre o que trago para mim, então aqui estou existindo.

    Só que algo é inquestionável no universo...

    Tenho fome. Suspiro, erguendo-me da cadeira para pegar algo na geladeira.

    E eis que faço uma incrível descoberta. Hoje tem pizza. Não sei o que afetou o humor de meus pais dieta-cabeça-dura para comprar algo com queijo, presunto e um cheirinho de... Inspiro, respiro, inspiro e... ROOONC. Talvez três fatias sejam o suficiente. Pego um prato, ponho três pedaços, guardo o resto, pego catchup e maionese e vou ver algum filme legal no computador. Demora um pouco para poder carregar todo o ‘Como Treinar Seu Dragão’. Após terminar, deixar passar vinte minutos enquanto roubando refrigerante da cozinha...

    Finalmente vem uma luz e... Decido ser um ‘alien’. É algo totalmente fora do filme, mas eu já fui um ‘dragão’ ano passado. E ser a mesma coisa duas vezes na vida não é bacana.

― Revany... ― meu melhor amigo respira fundo, ao me ver toda de verde no dia seguinte. ― Qual é a ideia que você pôs na sua cabeça para poder vir com essas anteninhas?

― Não me chame de ‘Revany’, verme humano. ― pronuncio com o sotaque que inventei na noite passada. ― Eu sou o Imperador Mago Galáctico e vim aqui para uma missão.

 ― Caramba. ― sentado ao meu lado, Ticer me lança um olhar arregalado de preocupação. ― Você está em uma daquelas suas crises de identidade de novo? ― ele me questiona enquanto observo outro canto.

― Não fale comigo. ― digo, concentrada. ― Estou tentando mover este objeto estranho.

― Hã... Revany... ― Ticer tenta me alertar. ― Isso é um lápis. ― e ainda é objeto estranho.

― Eu estou movendo este lápis com minha mente. ― tento esclarecer monotonamente.

― Ele não está movendo nem um centímetro. ― Ticer praticamente canta a frase.

― Ah, ele se moveu. Você é só um mero humano pra enxergar a magnificência. ― gesticulo com uma das mãos na direção dele, sem encarar o rosto dele ou o boné que está usando.

― Tá. ― Ticer suspira, cansado. ― Me avisa quando você voltar ao normal.

― Não é ‘você’ ou ‘Revany’. ― repreendo-o com o mesmo sotaque que acho que, como alienígena, devo usar. ― É ‘o Imperador Mago Galáctico’ ou não nos falamos.

― Como assim? ― viro minha cabeça para ver Ticer quase dar um pulo sentado, a expressão indignada em seu rosto ao fitar meus olhos e então outra direção. ― Mas você tem peitos!

― Ah, isso? ― encaro para baixo. ― Eles não são de verdade, são parte do disfarce.

― Parte do disfarce? ― interroga ele, cético. ― Revany, eu te conheço desde moleque!

― Então, ― na conclusão, fito o céu azul, cruzo meus braços e digo: ― parte de sua vida foi uma mentira criada por um órgão de inteligência do meu planeta de origem para meu disfarce.

― Como você explica que sua carteira de identidade registra você como uma mulher?

― Eu sei lá se sou uma mulher. ― só respondo. ― Só sou dono de tudo isso daqui.

― Tudo isso daqui? Mas do quê? ― ele arqueia uma sobrancelha.

― Da galáxia, humano tolo, da galáxia. ― levanto minhas mãos ao alto.

― Tá, tá, entendi. ― após uns momentos de silêncio, ele conclui. ― Mas quando você vai sair desse estado mesmo? ― e coça um pouco a cabeça.

― Quando o disfarce acabar? ― quero saber sobre que recorte de ‘estado’ ele diz.

― Não. ― ele me corta, do nada. ― Quando você vai voltar a ser Revany?

― Não esclareci sobre isso ser um disfarce, humano? ― falo. ― Revany não existe.

   Demora um pouco para Ticar engolir essa e se calar por um tempo, embora, uma hora e meia depois, questionasse-me como eu não fosse o imperador da Galáxia e sim só mais uma garota humana com fases de personalidade que fosse de memórias reais. Há uma intenção por detrás da ação dele, disso bem sei, para que meu ser ‘volte’ ao normal. Contudo, se assim fizesse, apenas estaria comprovando meu faz-de-conta como uma verdade ao fingir ser uma menina quando ele implorasse. Minha existência estaria se submetendo aos desejos de outra, provavelmente alguma que, em valores, possa ser inferior não por existir, mas pelo controle do querer.

   Algumas vezes, o que queremos não é um romance que esteja nos padrões que as cabecinhas de formiga humana considerariam comuns. É bem possível que o amor, o que conhecemos desde, então possa ser uma síndrome e essa possibilidade não passar pela nossa cabeça por conta de estarmos tão acostumados com uma definição de relacionamento que, se alguém falasse “o amor não existe”, pessoas iriam o condenar como o mentiroso.

    Mas a questão, a qual talvez ultrapasse nossas próprias existências, é se somos uma mentira ou não.

    Talvez tudo o que conhecemos não passe de uma ilusão de sabores infinitos.

FIM

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