[FEITO A MÃO] "Barata" ou "Brilho nos Olhos"

"Eu prefiro baratas a sapos", ele assumiu, depois de uma longa pausa reflexiva "porque as baratas eu consigo matar".

Olhei para frente sem focar em lugar algum, absorvendo a informação, "então você gosta mais de baratas do que de pessoas? Porque gente não se mata... Barata sim..."

"Nossa! Deus me livre! Eu consigo matá-las porque o olho não brilha. Bicho sem brilho não ta vivo, então não morre, só acaba" explicou, sem perceber a profundidade da reflexão que ele trazia a tona naquele instante, com um comentário inocente.




Foi quando comecei a pensar: e se a barata tiver olhos brilhantes, mas o homem, dada sua proporção, for incapaz de ver? Sim... Imagine só, ninguém nunca se interessou pelo sentido da vida desse tipo de inseto, em estudar sua essência, suas intenções e desejos. Por quê? Por que é irracional? Mas irracional é o homem, que mata, destrói e persegue seus iguais, cego por objetivos vazios.

E se cada barata que surge em nossa cozinha na verdade não está buscando alguma forma de contato com a nossa espécie? E se ela não quer apenas carinho, abrigo e compreensão? Ela é uma corajosa que se expôs a este mundo real para conseguir sobreviver:  deu as caras, veio lutar, buscando nada além da preservação de sua espécie... E até ai, tem razões de ser muito mais dignas que várias pessoas, em altos cargos, ou com altas ambições, ou apenas erroneamente motivadas.

A barata não tem chance nesse mundo de pessoas grandes, lixos grandes, chinelos grandes. Não pode se justificar: sempre que reconhecida, acaba morta. Causa asco nas pessoas por puro preconceito. É socialmente excluída e, portanto, não é bem vinda em lugar algum. 

Ela é um problema para as pessoas "de bem", só enfeia os lugares e não merece ouvidos, ou olhos, ou tolerância.

Talvez a ausência de brilho esteja naquele que vê, não naquele que olha.

Talvez precisemos de um mundo mais aberto, tolerante e paciente. Talvez só assim possamos evoluir de verdade.

"Ô, tio, compra uma balinha?"

Não ignore.