Bom, vocês vão ver.
" Pego um casaco e saio
sorrateiramente pelo pequeno portão inútil de madeira. É um fim de tarde e está
prestes a cair uma tempestade, mas isso não me impede nem me faz hesitar.
Continuo andando, subindo até chegar ao topo da rua, em uma encruzilhada. Vou direto,
atravesso a rua, me encolho dentro do casaco porque o vento é forte e gelado.
Quero apenas deixar pra trás as conversas inúteis e situações ridículas nas
quais sou inserida. Queria que tivesse alguém do meu lado, não para conversar
comigo, apenas para estar ali. Só para que eu não estivesse sozinha, como
sempre.
Chego
até a orla, e continuo andando. Agora está caindo uma chuva fina, hesitante,
mas muito fria. E está bem mais escuro do que quando saí. Aperto os olhos,
porque estou sem óculos, e foco três pessoas sentadas em um banco. Ou continuo
andando, passo por elas, ou volto pra casa. Balanço a cabeça para a segunda
opção e forço meus pés a se mexerem. Abaixo a cabeça quando passo pelas pessoas
- dois garotos e uma menina, talvez da minha idade - levantando o rosto somente
quando estou bem longe deles.
A orla
está deserta hoje. Ando pela calçada em mosaico, tropeçando de vez em quando em
alguma pedrinha fora do lugar, e ando até minha cabeça esvaziar, até minhas
pernas implorarem para que eu pare. Paro um segundo, apenas para tomar fôlego.
Constato que a chuva está engrossando. Densa demais para que eu permaneça de
baixo dela. Estou olhando ao redor agora, procurando abrigo, quando sinto uma
mão em meu ombro e me viro, com um grito.
-Calma!
- o garoto levanta as mãos inocentemente. Era um dos três que estavam no banco.
- Só queria avisar que seu celular tá quase pra cair.
Levo a
mão até o bolso de trás do short, onde meu celular está metade dentro, metade
fora. Empurro mais fundo até ele ficar completamente escondido.
-Obrigada
- respondo sem muita emoção. O garoto fica parado lá, olhando pra mim como se
eu fosse dizer mais alguma coisa. Levanto as sobrancelhas. O que ele queria? Um
abraço de agradecimento? Dinheiro?
-Está
chovendo - ele diz.
-Mentira!
- reviro os olhos, não conseguindo evitar ser sarcástica. O cabelo preto dele
está pingando. - Não tinha percebido.
-Acho...
- ele faz uma pausa, me observando com cuidado, como se eu fosse louca. - Que
devíamos entrar. - Então aponta para uma sorveteria perto de onde estamos
parados.
Olho
feio pra ele, querendo que ele saia de perto de mim, que me deixe em paz no meu
momento dramático debaixo da chuva. Mas estou começando a tremer de frio, e
quando ele pega no meu braço e diz "Vamos", me afasto apenas um pouco
para preservar minha dignidade e o sigo até a sorveteria coberta.
Tem
mais gente lá dentro, se protegendo da chuva, eu acho, e me acomodo em uma
cadeira vermelha de plástico. O garoto, para minha surpresa, pega uma cadeira
igual e a coloca do meu lado, e se senta.
-Cadê
os seus amigos? - pergunto pra ele.
-Foram
embora... Eles namoram, aqueles dois que estavam comigo. O pai da garota veio
buscar ela de carro e ele foi junto. Me deixaram sozinho pra pegar chuva. - Um
sorriso hesitante faz as bochechas dele ganharem covinhas.
Meu
coração acelera só um pouquinho. Olho pra ele com atenção pela primeira vez, e
descubro que ele é bonito, até. Tem um rosto bem perfeitinho, um nariz fino,
lábios bem desenhados, olhos castanhos e profundos. A pele é mais clara que a
minha, e o cabelo é liso e está ensopado de chuva. Por baixo de uma camisa azul
marinho simples, vejo que sua forma física também não é das piores.
-Desculpa
ter sido chata... É que... Não estou muito bem. - Faço uma careta arrependida.
Ele continua sorrindo.
-Não
tem problema. Meu nome é Alex. - Ele estende uma mão na minha direção. Seus
dedos são longos e finos.
-O meu
é Luna. - Aperto sua mão, estranhando que continuasse tão quente mesmo naquele
tempo, mas gostando da sensação.
-Tem
quantos anos?
-Faço
dezesseis semana que vem.
-Sério?
Parabéns adiantado então.
Eu rio.
Lá fora a chuva continua a aumentar, até podermos considerá-la uma verdadeira
tempestade.
-E
você? - pergunto.
-Fiz
dezessete esse ano. Mas e aí, Luna... Nome bonito. Significa lua, certo?
-Certo...
- olho para baixo, odiando ter saído de casa tão desarrumada. Minha blusa
estava até rasgada, por favor!
-Está
de férias? - Faço que sim com a cabeça e ele continua falando, me perguntando
coisas. - Está com a sua família?
-É uma
casa perto daqui - digo a ele. - Estamos todos lá, minha mãe, minha tia, meus
irmãos, meus primos...
-Que...
Legal. - Ele para um segundo e fica com a expressão meio vazia. - Não tenho
irmãos nem primos. Minha mãe...
-O que
aconteceu com ela? - pergunto em voz baixa, reconhecendo aquele tom que ele
usou como um sinal de que não estava tudo bem.
-É uma
ótima pergunta. - Ele dá um riso seco. - Ela e meu pai se mandaram pra algum
lugar quando eu era pequeno... Moro com meus avós na cidade, e eles são bem
liberais. Me deixam viajar com meus amigos, sair pra qualquer lugar, andar a
noite na rua. É sorte eu ter feito boas amizades, se não estaria bem perdido
uma hora dessas...
Fiquei
olhando pra ele, sem acreditar que estávamos falando de coisas tão pessoais
depois de 2 minutos de conversa.
-Você
parece feliz assim - afirmei.
-Eu
sou. Mas gostaria de saber como seria... Sabe? Viajar com os pais, brigar com
irmãos, ir no cinema com primos e essas coisas.
-Às
vezes é... Complicado. - Olho pra baixo de novo, desejando esquecer meus
próprios problemas em casa. - Às vezes tem umas coisas que... A gente
simplesmente tem vontade de mudar. Brigas internas sem sentido... Às vezes é
demais pra aguentar.
Levanto
o rosto e vejo que ele tá me olhando, meio sorrindo, meio concentrado no que
estou dizendo.
-Mas
você parece feliz - ele arrisca.
Eu rio.
-É, eu
sou - concordo. - Só queria... Que algumas coisas se resolvessem, e assim não
precisaríamos mais de tantas discussões intermináveis... - suspiro com pesar.
-Vai
dar tudo certo - ele afirma com convicção. - Você é nova ainda, tem muito tempo
pra isso. Muito tempo pra tudo.
-É o
que dizem.
-Porque
é verdade. - Ele tá totalmente virado na minha direção agora. Meu cabelo
começou a secar, e tá ficando todo enrolado. Fixo bem os meus olhos nos dele e
percebo que tem um pouco de verde no meio daquele castanho profundo.
Percebo
que não estou mais ouvindo o som da chuva batendo no teto da sorveteria.
-Parou
de chover? - pergunto como uma idiota, cortando o clima.
Ele
olha lá pra fora, e balança a cabeça.
-Parece
que sim. Você precisa ir pra casa agora?
-Acho...
que sim. - Penso na minha mãe preocupada pensando onde eu me meti uma hora
dessas na chuva. Me levanto, e Alex se levanta ao mesmo tempo, e de repente ele
tá muito perto de mim mesmo. Levanto os olhos só um pouquinho,
percebendo a proximidade dos lábios dele, e abaixo o rosto de novo, sentindo
minha pele queimar.
-Foi...
Bom te conhecer - digo baixinho, torcendo pra que ele tenha conseguido me
ouvir, e vou caminhando pra sair da sorveteria. Um pouco rápido demais, tenho
certeza. Então, quando chego na calçada, certa de que Alex não estava me
seguindo, tropeço de novo numa daquelas malditas pedrinhas e quase caio de cara
no asfalto.
É
quando sinto um par de braços fortes me segurando e me puxando de volta, até
que meus pés estivessem firmes na calçada. Levanto os olhos e vejo ele. Percebo
que estou completamente colada em Alex, e meu rosto esquenta de novo, queimando
de vergonha.
-Obrigada
- consigo dizer. - De novo.
Ele ri
e me solta. Mas meu coração tá batendo descontrolado.
-Te
segui pra perguntar se queria que eu te acompanhasse até em casa - ele diz. - E
pelo visto você não consegue dar dois passos sem cair, não é?
Abro a
boca pra falar alguma coisa sarcástica e que vai afugentar ele, mas não
consigo. Não sei se é pelo sorriso dele, ou pelo modo como ele me segurou, ou
se é só porque eu não quero caminhar sozinha de novo. Dou de ombros e encaixo
meu braço no dele, sorrindo, agradecida. "
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adorando estes contos tão cutes *_*
ResponderExcluirparabens para a Amanda, fiquei aqui com um sorriso bobo no rosto ao ler o final.
bjos
Oie,
ResponderExcluiradorei mto fofo!! me lembrou meus próprios contos rsrsrs
Parabéns a autora!!!
bjos
http://blog.vanessasueroz.com.br
Aii, que fofo!
ResponderExcluirAmei, estava com saudade de ler contos assim!
Uma continuação seria incrível!
Beijos
Mel Geve