Hoje eu vim contar pra vocês a história de um autor de novelas que decidiu matar uma personagem querida por todos.
Mas todos mesmo.
Agora o Brasil inteiro quer a sofredora de volta.
Será que nosso autor se safa?
Testemunha: A Nação
— Foi uma missão impossível
chegar aqui hoje — disse o homem de uns quarenta anos, largando a mochila sobre
uma mesa e jogando-se no sofá.
Cada pessoa que passava por ele
fazia a mesma pergunta. Ninguém acreditava que ele fizera aquilo. Mas já estava
certo, desde o ano anterior, que aquilo aconteceria.
Seu assistente Horácio, a
faxineira, o porteiro, e mais umas dez pessoas invadiram a sala onde ele se
enfiara. Não conseguiu trancar a porta antes que a pequena comitiva entrasse.
As mesmas perguntas. A mesma
confusão da rua. Ninguém acreditava, queriam que revertesse.
Passou a mão pelos cabelos
castanhos, ainda não notara que a cabeça já começava a ser salpicada de neve
precocemente.
— Calados! Eu faço o que bem
entender e ninguém pode mudar! — exclamou, irritado.
— Como teve coragem de fazer
isso com a pobre coitada?! — a faxineira perguntou, exasperada, na opinião dela
fora o maior pecado da terra. — Logo agora que a pobrezinha tinha encontrado o
verdadeiro amor.
— Lucrécio, eu te disse que não
era uma boa ideia — Horácio lhe falou, por entre dentes, perto do ouvido. — Os
diretores querem falar contigo. A imprensa e o povo querem o teu fígado e a tua
cabeça numa bandeja!
Ninguém notou, mas no meio da
confusão, Fidalgo Duarte entrara na sala.
— Por que a matou?— perguntou,
com seu timbre inconfundível de chefe poderoso. Caiu o silêncio. — “Vida
Sofrida” vinha crescendo na audiência por causa da história sofrida de Cassilda
Freire. Mulher pobre, vence na vida, mas continua humilde e boa, é enganada
pelo ex-namorado do colégio. Porém! — ergueu o indicador, todos pularam com a
exclamação desnecessária e teatral. Os olhos brilhavam, como se sofresse. —
Encontra o Gurgel, o homem que toda mulher pediu a Deus. Por que a matou, senhor
Lucrécio Pimentel?
— Doutor Fidalgo, estava na
sinopse que o senhor mesmo aprovou — pela primeira vez desde o capítulo fora ao
ar, na noite passada, Pimentel estava assustado. — Eu não conseguia ver futuro
para ela. Ora, a cabeça dos autores é assim: quando se cisma de matar uma
personagem, a vida daquela personagem só é visível até o momento final. Não se
pode agradar toda a audiência.
— Mas quando a maioria da audiência só assiste por
conta daquela personagem, senhor autor, mantém-se! — esbravejou. Logo um
sorriso canalha surgiu no rosto do diretor de programação. — Tenha consciência
de que a história foi comprada por este canal. E Cassilda Freire estará de
volta semana que vem. Com o senhor Lucrécio Pimentel, autor-titular, empregado
e escrevendo a sua novela. Ou não.
Saiu desejando “bom dia” a
todos.
Não havia remédio para
Lucrécio. Cassilda iria voltar para se vingar da grande vilã e ajudar a mocinha
a ter um final feliz.
Fim.
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