Os focos da minissérie de contos que começa agora são dois irmãos. Rodrigo, quem também pode ser chamado de 'Drigo', que gosta de fotografias. E Diullia, uma garota que não se diferencia muito do perfil de muitas das jovens que podemos conhecer no Brasil. Por conta da amada mãe de ambos, deveriam apenas sair e trazer algumas bijus para algum número de dança doido da mulher.
Isto é, se Drigo não tivesse levado sua irmã consigo e também sua câmera para juntos investigarem algumas respostas...
LEMBRANÇAS - PRIMEIRA PARTE
Ao longe, escutava-se o som de um gavião. O
sol se escondia, disfarçando-se de branco, entre as nuvens de volumes diversos
espalhados pelo plano de fundo de intenso anil. As luzes entravam entre as
folhas, fazendo-as parecerem tão mais verdes do que são como amarelas.
— Não deveríamos ter vindo
pra esta trilha. — uma garota sussurrou após engolir em seco.
Seu irmão se virou, boné na cabeça e uma
câmera analógica em mãos.
— Não se preocupe, Diullia.
— ele assegurou com calma. — Afinal, você está comigo.
— Nem estou mais preocupada
em estar sozinha. — a jovem estreitou os olhos, replicando meio irritada ao
espiar os lados de relance e sentindo a água, na garrafa que carregava, ficar
mais quente com o calor. — É só que, Rodrigo, esse caminho me dá um mal
pressentimento. — revelou, mexendo em algumas mechas que o ar deixava
escorregar para frente das orelhas.
— Mas você sempre diz isso.
— apontou o garoto, virando-se para poder olhar o diafragma de sua câmera e dar
uma pausa aos seus tênis brancos. — Há nada do que se ter medo.
— E é isso o que as pessoas
dizem antes que ocorram coisas estranhas. — ela rolou os olhos.
— Ao menos, isso é nos
filmes. — ele contrapôs, então prosseguindo a andar.
“Esse garoto é tão cabeça dura!”, a menina
pensou em frustração ao franzir a testa em uma expressão mimosa enquanto tirava
a tampa da garrafa para dar um gole d’água. Para começar, ponderava, nem
deveriam estar ali. A mãe deles pedira para que trouxessem algumas bijuterias
com penas para que fizessem algum estranho número de dança. Tinham cerca de
quinze anos e faziam caretas quando a mulher anunciava as ideias em voz alta no
apartamento, mas mães são mães e não se poderia contestar se, pelo acaso da
vida, fossem loucas.
Tudo bem. Poderiam reclamar. Como ‘pessoas
crescidas’ – ou assim a menina imaginava que ela e o irmão fossem –, sentiriam
vergonha de certos julgamentos depois de um tempo como crianças. Por exemplo,
Rodrigo (mais chamado de ‘Drigo’ pelos íntimos) era cercado de amizades com
pessoas que não gostavam de ficar paradas e se moviam para capturar as fotos
que tinham oportunidade. Enquanto isso, Diullia tinha seu grupo de amigos com
quem se sentia bem a vontade – com os quais se divertia em cinemas, rodízios,
conversas pelo celular e pelo facebook. Porém, os dois irmãos não gostariam de
imaginar se algum de seus aproximados os vissem em alguma das elaborações da
querida mãe deles.
E perderam outra partida de convencimento,
logo se renderam e se ofereceram para conseguir as linhas que a mulher precisava
para a costura das fantasias deles. E era esse ponto que preocupava a moça.
Tinham que já estar em casa, pois o relógio em seu pulso marcava o horário do
almoço e encheram seus estômagos apenas com um lanche que o garoto comprou no
meio do caminho. Ela não sabia por qual razão, ao ver uma trilha no mato, o
rapaz quis adentrar sozinho – e como poderia deixá-lo sozinho?! – para tirar
fotos de ‘coisas’.
Coisas? Ele não quis especificar. Mas a
menina sentia calafrios ao se ver emergida naquele verde gritante. Tinha
algumas lembranças vagas – as quais que não se recordaria sobre o que
exatamente ocorrera, nem que se esforçasse – de alguma coisa que os trouxera
para aquele lugar. Antes, eram bem crianças. As ocorrências foram no número de
sete e, depois que Rodrigo fizera nove anos, essas vindas pararam. Ou, ao
menos, era o que seu cérebro confuso transparecia.
Seja lá o que estivesse o atraindo (pois
bem sabia que nem seu irmão tinha alguma informação sobre o que era aquele
fenômeno), Diullia tinha certeza que não tinham que segui-la pela simples
sensação de: Não deveriam mesmo estar ali.
— Hum... — o adolescente
franziu os beiços ao encontrar as árvores mais juntas desde determinado ponto,
além do solo íngreme. — Tenho certeza que já estive por aqui antes.
— Sua cara não diz a mesma
coisa. — após segundos de analise da expressão dele, ela constatou antes de se
virar para a gigantesca árvore de ramos retorcidos que se encontrava a metros
depois de outras mais finas. — Só sei que estamos perdidos. — e se achou
incrédula quando o irmão ergueu sua máquina antiga, mirou o olhar, ajeitou o
diafragma, arrumou a posição dos braços, respirou fundo e clicou em um botão. —
O que você está fazendo?!
— Tirando uma foto. —
respondeu com uma inocência séria, inclinando suas costas para verificar a
proporção e o efeito da luz. — Achei que devêssemos ter uma memória disso.
— Disso o quê? — ela
questionou indignada. — Pelo amor, Drigo, não é hora de fotografias!
Ele não pareceu ouvir. Houve uma
determinação em mexer com a máquina, como se os dedos dele procurassem o zoom
ideal para investigar algo. Ela, já não se vendo com escolha de atenção, pôs a
mão livre na cintura e se aproximou dele. Ao fazer isso, notou um leve
desespero nos olhos castanhos do irmão que dizia:
— Não tô conseguindo ver
isso direito. — e um ‘clack’ da sua língua se disparou em frustração.
Diullia estranhou. Posicionou-se próximo
dele e esticou o pescoço para ver a foto.
— O que você está
procurando? — quis saber, surpreendendo-se quando ele a mostrou.
— Você não está vendo esse
borrão? — o dedo indicava um canto do plano, longe do foco.
— Deve ser apenas a lente
suja. — tentou sugerir, despreocupada, ao notar o detalhe.
Seu irmão a olhou por um breve momento,
como se decidisse em não contar ou em contar alguma informação, até suspirar e
dar a câmera nas mãos da irmã ao levá-la para um local menos iluminado perto
dali. Os olhos da menina, expressivos, fitaram a tela e continuavam a tentar
decodificar os traços que não conseguira ver anteriormente por conta do Sol.
Era um rosto. Ou melhor, uma forma que se
assemelhava muito a de algum homem. Nem uma criança, nem um idoso. A garota
teve que piscar umas quatro vezes para acreditar que não era alguma maluca
ilusão de ótica. Havia um espaço que se correspondia a alguma boca e parecia
que a face se inclinara a eles.
Era alguém quase translúcido em uma foto em
cores. Conhecia a máquina alheia o bastante para saber que não tinha como
Rodrigo ter editado a foto em poucos minutos. O vulto não parecia querer fazer
nenhuma espécie de movimento pela imagem... Ela tinha a impressão dele estar
apenas os observando. Espiando ela? Espiando seu irmão? O quê...
— Drigo. — após ficar minutos sem reação,
virou-se devagar para o menino. — Como?
— O que você viu na foto? —
ela estranhou que ele não estivesse pirando, pois, bem...
A garota não sabia se gritava ou não
naquele exato momento.
— Eu notei isso há alguns
meses. — essa foi a resposta dele ao vê-la sem palavras para confirmar a
pergunta. — Mamãe tirou uma foto nossa no carnaval quando a comunidade da
igreja resolveu fazer um evento aqui perto e... — lançou um rápido olhar à
máquina. — Isso.
Ela voltou a mirar a foto e então espiou o
lugar onde Rodrigo a tirara. Seus olhos continuaram arregalados e a garota teve
medo que suas mãos, naquele instante trêmulas, deixassem o frágil material cair
no chão. Mas ao mesmo tempo, tinha aquele impulso de provocar fogo com algo de
seus bolsos e pôr uma chama em cima daquilo.
— Vamos para casa... — suplicou
ao irmão, pondo a câmera nas mãos cheias de calos dele e fez um grande esforço
para manter a firmeza em sua voz. — Eu não disse que tenho uma má impressão
sobre tudo isso? — por cima do ombro, observou as árvores finas que ficavam ao
redor da maior e estas pareciam... se aproximar? Era tão escuro assim como
antes? — Mamãe vai ficar preocupada conosco se nos atrasarmos demais. E não é
bom ficarmos aqui. — segurou-se nas mangas do rapaz, quem também mandou uma
face surpreendida com aquela mudança de ambiente, com um olho nele e outro no
vento que fazia as folhas se curvarem.
O sol parecia ser um observador distante
agora. As plantas, eles sentiam, estavam mais próximas do que antes e a luz que
se apoderava das áreas livres se tornara cada vez mais condensada e
esbranquiçada. Reflexões laranjas e vermelhas começavam a se pronunciar sob o
pigmento esverdeado de boa parte da mata que os forçava a seguir uma única
possibilidade. O que mais os assustava, mais até do que a sombra, era o
silêncio de toda aquela atividade.
— O que é tudo isso? — ela
arremessou a questão assim que se experimentou encolhida.
— Parece que querem que nós
possamos seguir aquele rastro. — Rodrigo presumiu.
— Mas como vamos fazer isso?
— Diullia indagou entorpecida pelo receio, ainda próxima do irmão. — Precisaríamos
cortar o caminho... Como vamos fazer se
pegarem a gente?!
— Eles ainda não vieram, se
é que existem. — após uma pausa de divagações, com a visão se movendo para
diferentes direções (para a névoa, para o caminho, para as árvores e então para
a irmã) até encarar o nada e molhar os lábios. — O jeito vai ser nós dois indo
por lá e... — novamente, olhou ao redor, exatamente o chão, e avistou um galho caído.
– arranjar um jeito para cortar uns galhos. – e, dos bolsos da calça, retirou
uma bainha de couro de faca.
— Talvez eles possam estar
nos esperando sair... — a menina tentou raciocinar com o irmão.
— Nunca vamos saber se a
gente não tentar. — Rodrigo tomou a decisão após um longo tempo, empunhando o
objeto para trás e retirando o tecido que cobria a lâmina.
Ao se aproximarem, o menino na frente e a
menina atrás, viram o emaranhado de galhos que se encaixavam para não dar
espaço aos dois irmãos. Então, ele sulcou, com a faca, partes que os impediam
de impor seus pés ali dentro. Deu algumas pancadinhas, sinalizando para que
Diullia o acompanhasse: tiveram que se espremer, observando alguns feixes de
luz azul se dispersarem na relva.
Ouviam, algumas vezes, o cri-cri de grilos
e também o ruído de outros insetos espiando entre as folhas. Uma mãe pássaro
alimentava seus filhotes em um dos ninhos feitos ali em cima. Os jovens
jurariam ter ouvido o escorregar de água, de algum riacho por ser um barulho
morno e calmo, próxima dali.
O mais estranho de tudo, ao menos para
Rodrigo – quem posicionava a querida câmera perto do peito –, era o fato da
árvore, a de tronco mais largo e parecendo majestosa em comparação às quais a
cercavam, parecer se distanciar cada vez mais. Por mais que achassem, em algum
momento, que conseguiriam. Os ramos das árvores – diluindo-se com arbustos e
outras plantas, como também rochas no meio do caminho – se distanciavam e davam
mais espaço para que os dois alcançassem o que parecia ser o fim.
Uma enorme planta, metros e metros maior do
que qualquer altura que tivessem na vida, erguia seus braços tortos para o
brilhante céu. Ao chegarem ali, viram muitas folhas verdes, em forma de
estrela, no chão. E uma abertura no meio, escura, por onde escapavam vozes.
Continua...
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