Na primeira parte desta minissérie de contos que começa hoje, o foco não é em um ponto de ônibus, mas sim na força sobrenatural que o possui a ponto de influenciar o jovem universitário Renan desde sua infância.
Este deseja que os eventos relacionados ao local possam parar, mas o que pode acontecer quando ele fecha seus olhos e não ter certeza se irá acordar outra vez do que parece ser um sonho sem fim?
Ainda não sei por qual razão meus pais não me deixam logo ter um carro: estou honestamente em uma universidade, tenho dezoito anos e possuo umas noções de direção. O motivo pelo qual preciso ter um não é para aparecer bonito ou facilitar, de certa forma, o meu tempo – vejo muitos de meus colegas conseguindo os seus e andando por aí, seja nos shoppings, ou para suas casas ou para festas. Preocupo-me por causa disso: pontos de ônibus.
Este deseja que os eventos relacionados ao local possam parar, mas o que pode acontecer quando ele fecha seus olhos e não ter certeza se irá acordar outra vez do que parece ser um sonho sem fim?
Pontes de Ironias (I)
Ainda não sei por qual razão meus pais não me deixam logo ter um carro: estou honestamente em uma universidade, tenho dezoito anos e possuo umas noções de direção. O motivo pelo qual preciso ter um não é para aparecer bonito ou facilitar, de certa forma, o meu tempo – vejo muitos de meus colegas conseguindo os seus e andando por aí, seja nos shoppings, ou para suas casas ou para festas. Preocupo-me por causa disso: pontos de ônibus.
Ou
melhor, não são os pontos de ônibus em si. Não acho problema
nenhum com eles ou até os veículos. Mas sim o que acontece desde o momento em
que meu pé pisa no chão deste aqui – o único próximo da minha casa –,
fazendo-me sentir meus olhos cansados e experimentar uma sensação de dormência
por todo meu corpo.
Poderia achar que é uma
doença do sono se não acontecesse apenas no mesmo local. E justamente próximo
das seis horas da manhã, quando o sol bate aqui por perto. Estas ocorrências
vêm sido desde que tinha meus sete ou oito anos. Não sei por que elas ocorrem
ou a razão de serem comigo. Ninguém me dá uma explicação que me ajude a
resolver.
Por isso, continuo a adormecer
só para me encontrar no inicio de uma ponte que cruza um imenso oceano. Algumas
vezes, acho que me lembro de alguma pessoa me chamando pelo nome e dizendo ‘Que
bom que você voltou, eu estava te esperando esse tempo todo’.
Não tenho tempo o suficiente
de ficar nesse mundo dos sonhos tortos, pois sempre ouço uma segunda voz me
acordando para poder me deparar com o número do meu ônibus no mundo real. E
isso acontece toda vez, em um intervalo de três a sete minutos. Sendo assim,
apenas encaro o ponto há três metros de meus tênis e penso em alguma
alternativa.
Por mais que isso seja absurdamente
inútil: todas as vezes em que dou meia volta para pegar carona ou para ir de
táxi, sempre algum empecilho acontece no meio dão caminho ou algo sai errado (e
acabo não indo), só para me forçar a escolher somente aquele ponto. Digo isto
por tudo acontecer entre segunda e sexta, durante quase toda a minha vida, o
bastante para se tornar oficial.
É
quase como se alguma força desse local quisesse me monopolizar. Tal
pensamento faz um frio passar da minha nuca até meus pés. Já li, em uma notícia
de uma edição de um jornal que meu avô mantém em sua coleção, sobre a morte de
um adolescente neste mesmo local que piso. Não há foto e tampouco lembro qual é
o nome do rapaz, mesmo se eu me esforçar a lembrar. Além disso, aquela matéria
se perdeu no sótão e não consegui mais achar.
Só me recordo que foi um
incidente que ocorreu no dia do aniversário de vinte e dois anos dele. Parece
que o que causou foi uma faísca de fogo que passou a incendiar a casa e o
matando junto com algumas pessoas. Pelo que indica, talvez estejam enterrados
aqui (ou provavelmente se mudaram pra outro lugar, eles sendo podres de rico).
Pergunto-me se o cara poderia ter sido mais azarado que sou. Vai ver morreu sem querer? Tropeçou em algo
pra acender?
— Eu não acredito nessas
baboseiras. — falo firme, antes de o celular tocar.
Apanho-o e vejo quem está me
ligando. É uma garota, de quem eu gosto muito, que é minha vizinha. Ela tem
aqueles olhos bonitos e aquele sorriso de menina no rosto. Consigo ver uma foto
dela no celular enquanto o telefone toca, antes que eu possa apertar um botão
para atender a chamada.
— Luana? — pergunto,
concentrado nos ruídos da outra linha mais do que os daqui. — Oi, oi...! Tudo
bom contigo aí? — tem um silêncio me desconfortando.
— Ah, eu vou bem. — ela diz
com sua voz suave, mas cansada. — E você?
— Hum... Vou legal. —
respondo, passando confuso a mão pelos cabelos.
— Desculpa ligar do nada, —
então, ouço ela rir. — é que estava preocupada.
— Pre... Preocupada? — eu me
sinto nervoso. — Por quê? Que houve, Luana?
Posso a ouvir tentar dizer
algumas sílabas e, então, tentar refazer sua fala.
— Só queria ver se você
estava bem, Renan... — ela diz após uma pausa em um quase sussurro. — Tive um
mal pressentimento de que algo acontecesse.
Pisco meus olhos umas três
vezes e acho que vou ter que perfurar minha cabeça para ter alguma noção do que
Luana está tentando me dizer. Não consigo entender. Pra que esse tom meio aflito?, eu penso, dando alguns passos e
encarando meus próprios sapatos.
Também consigo me ouvir me
espreguiçando um pouco e tenho a impressão do calor do Sol querer me descascar
vivo. Tenho uma segunda sensação, a de correntes elétricas pelo meu corpo me
dando impressões de que existem espinhas por baixo da minha pele. Isso aparenta
ir se intensificando até, em um momento, parar e... céus, não sei o que está causando isto. Só que, próximo de meus
pés, há uma espécie de sombra e... Meus olhos querem fechar.
Tento massagear os cantos do
pescoço do nariz com a ponta dos dedos, quando meu corpo começa a agir
estranho. Minha mente parecia estar imersa de ânsia, como me ordenasse a fazer
algo. Quase caio ao não sentir mais força nos meus joelhos e, com dificuldade –
e um pouco de concentração, a qual não sei de onde –, apoio-me pelas coxas e me
ergo para me ver no ponto de ônibus e...
Abro minha boca e tento me
apoiar na parede da parada. Espera!
— Mas você vai voltar bem para
casa, — Luana fala despreocupada. — né?
Faço força. Muita força com
o queixo, sentindo meus dentes rangerem enquanto concentro uma grande parte da
minha vontade nas minhas pernas. É quase como se uma enorme pedra tivesse caído
nas minhas costas e a minha única chance de sobreviver seja a de aguentar.
Quase não consigo identificar as vozes, tanto a dela quanto das outras (as das
pessoas que me olham com certa preocupação). Tento ignorar elas, fechando uma
das pálpebras e me esforçando para sair de onde me encontro. Mal consigo
respirar direito.
Vou até onde estão os
barulhos altos. Provavelmente são carros. É possível que eu possa me meter no
meio de um acidente, mas também não é impossível que meus pés só estejam
voltando. Há luzes, diversas pequenas luzes nebulosas que piscam na minha
frente. E, ao mesmo tempo, ouço o que parece ser o barulho do meu corpo
transpassando um grande corpo de água. Só que não sinto meu corpo se molhar.
Meu ouvido dói. As pessoas
devem estar gritando. Ouço o ruído de carros tocando forte a buzina. E também o
disparar de algum... tiro. Mas não consigo ver nada, só sinto lágrimas saindo
dos olhos antes mesmo da dor vir. E logo o mundo parece estar dançando,
carregando meu corpo e me estremecendo. Assim que o sono finalmente me vence,
meus olhos se fecham e vejo o escuro por muito, muito tempo.
Tudo é insensível para mim.
Sinto o vazio por um tempo que parece ser a eternidade. E então, debaixo de
minhas costas, tenho a impressão de que estou no meio de uma piscina com
quantidades incontáveis de gelo. Pouco a pouco, sinto meu juízo se recuperar...
Onde estou, afinal? O que aconteceu comigo? Tento abrir meus olhos, embora,
quando os entreabro depois do que parece minutos, não vejo nada para ser visto.
Mas há goteiras, consigo
escutar a uma certa distância. Viro ao meu redor e não encontro luz nenhuma. No
entanto, parece que esse barulho está me fazendo doer cada vez mais e... Ugh.
Cravo minhas mãos no tecido da blusa e sinto meus olhos arderem de dor. Meu peito, penso assim que tenho a
impressão de meu coração estar sendo esmagado por uma mão. Minha pele parece
querer pinicar no meio desse frio e minha garganta parece estar forçada, como
eu acabasse de ter gemido ou gritado e eu não soubesse.
Fico assim (antes de uma
convulsão violenta) por algum tempo, até não ter mais fôlego e tudo dar vazio
em uma segunda vez. Exceto que, agora, sentindo minha cara caída em alguma superfície
que faz cócegas no meu corpo, há uma atmosfera convidativa. E consigo ouvir o
som de pássaros, junto com sons do que parecem ser maresias de ondas do mar. Há
frio, mas há um vento que parece querer me abraçar. Ao notar a luz e esta se
tornar nítida, distingo duas figuras agachadas comigo.
CONTINUA...
Quer ter seus contos publicados aqui na NRA?
Envie seu material pra gente no contatonra@gmail.com!
Nenhum comentário:
Postar um comentário