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terça-feira, 6 de agosto de 2013

[FEITO A MÃO] Escalando aquela colina, Parte II


Primeira Parte aqui.
Este é o segundo de uma série de contos (a esse ponto, acho que vão ser uns quatro contos da minissérie) que envolvem uma menina com um desejo de ter um amigo e um gato com um segredo incomum :D

No primeiro conto (ou primeira parte, como desejar chamar), tivemos uma introdução da história onde os dois personagens se conhecem e se tem em evidência o desejo de Agatha em ter um amigo. Agora, neste aqui, conhecemos um pouco mais sobre a menina e também temos um prosseguimento das interações entre ela e o gatinho :)



Escalando aquela colina (II)

Depois de girar a maçaneta da porta da frente, devagarzinho inclino minha cabeça para dentro a fim de ver se a barra está limpa. Meus pais podem ter chegado a esse horário e estarem me esperando pela minha ausência no almoço. Só sei que seria bom se eles não percebessem o volume extra do meu casaco. Tento disfarçar isso, andando com pouca pressa e fechando a porta com calma.

Eu tinha tido umas dificuldades pra chegar até aqui de ônibus. Primeiro foi que, assim que entrei graças a minha carteirinha estudantil (como estudo no sétimo ano) ter alguns créditos de meia passagem, uma mulher de coque e vestidinho começou a espirrar direto. Tinha algumas pessoas na minha frente, as quais se seguravam pelos apoios amarelos, então ela não pôde ter certeza quem tinha pelo ou algum gato escondido.

O que se encontrava entre minha blusa e meu casaco quase miava quando o ônibus balançou um pouco, fazendo-me ir logo para uma cadeira vazia que ficava perto da catraca. A moça, a do caixa, espiava estranho na minha direção algumas vezes, até que o veiculo fosse pra perto da minha casa e eu saísse em uma mistura de calafrio com alivio.

Mas é agora que a tensão realmente começa. Posso sentir meu ‘tum-tum-tum’ se acelerar, talvez pela adrenalina, ao passar pelo corredor da cozinha e perceber uma fina sinueta próxima da janela. Quase caio ao ver que é minha mãe que está lá, com as rajadas de vento frio perto de seu cabelo cacheado esvoaçante e com um olhar sóbrio ao soprar uma fumaça de seu cigarro.

Tento virar meu rosto e ir mais rápido para meu quarto. Não sei como mamãe ainda tem esse hábito, um que possui entre suas duas gravidezes, mas me preocupo no quanto isso prejudica seus órgãos.

— Agatha, — antes que eu fuja, ouço-a me chamar. — onde esteve esse tempo todo?

Paraliso. Respiro fundo. E sinto meu rosto fazer um sorriso estranho.

— Ah... É que meu ônibus demorou muito pra vir, mamãe... — tento me justificar.

Ela não me olha diretamente, mas fecha os olhos após um segundo sopro.

— Na próxima vez, tenha cuidado, minha filha. — mamãe me diz com elegância. — A cidade é uma sanguessuga terrível quando consegue ser, querida. Devemos ser bons uns com os outros, mas nem sempre temos força para não nos corrompemos pelos outros.

Fico algum tempo parada, pensando se ela falava sobre o cigarro que segurava entre os dedos ou algo que conseguia enxergar com aquele olhar vago pra o horizonte. Só consigo responder um “Tá bom, mãe”, antes de me recolher para atravessar a escada. Ainda fico pensativa, sobre o que minha mamãe acabou de me dizer, quando vejo de escanteio uma parte de uma moldura dourada. Sabendo de quem o retrato se tratava, viro minha face para deparar com o sorriso de minha irmã.

É engraçado que acho que tenho todas as razões do mundo para ter muita raiva dela.

Maria Catarina é a mais velha das duas filhas que minha mãe criou e a que primeiro se foi dessa para melhor. Tem os cachos de minha mãe até as costas e os olhos verdes de meu pai, os quais pareciam encantar meninos da vizinhança. No entanto, nunca entendi por quê ela fazia aquelas coisas que acabaram a matando.

O último caso foi um sequestro da filha do antigo prefeito da cidade, acabando no envolvimento de capangas e uma troca violenta de tiros. Meus pais nunca a conseguiram controlar – segundo o que meu pai me disse uma vez, quando eu tinha uns nove anos e os perguntava pelas tantas vezes que víamos Maria ir para a delegacia, ela não sentia remorso pelas ações ou até mesmo tinha uma real consideração pelos outros.

A única preocupação da minha irmã era ela mesma e somente ela.

Aos doze anos, agora eu entendo o como torta Maria realmente era. Deveria impor na minha cabeça para não nutrir esses sentimentos de carinho por alguém que nunca pensou no bem da nossa família... Mas... Como eu posso? Ela tinha uma espécie de sorriso, um aparentemente alegre e zeloso, que não nos fazia a odiar.

“Por quê? Aquilo não foi justo!”, penso comigo mesma ao fitá-la, uma pessoa com um rosto semelhante ao meu, “Por quê a gente não pôde ficar em paz? Quase todo mundo não gosta de mim só por eu ser sua irmã, Maria”. No entanto, a única coisa que recebo é a ironia daquele sorriso e isso me desanima um pouco.

Volto a subir os degraus até meu quarto. Talvez lá encontre uma paz, o suficiente para poder fazer o que realmente vim fazer aqui. Minha barriga faz um ronco, pedindo por comida, mas tenho que fazer meus deveres primeiro. Se eu não conseguir, do que sirvo?

Abro a porta, fecho-a logo em seguida com um braço segurando o peso extra, e só então ponho o felino cuidadosamente sob minha cama. Ele está meio trêmulo, olhando ao seu redor como se estranhasse meu quarto. Ainda que escurecido, com a janela fechada – estamos no segundo andar, ai – e eu sendo uma completa estranha para o ser.

Talvez ele esteja com fome? Talvez ele esteja querendo fazer xixi? Suspiro. Bom, se ele quisesse, eu já estaria com cheiro de xixi. Será que não é sede? Bato meus dois punhos de leve na cabeça. Ah, Agatha, são os ferimentos, sua tonta
Tento montar uma espécie de cama com alguns lençóis macios que tenho – se bem que parece mais uma tenda do que uma cama, na verdade – e corro para pegar uma bolsa laranja de pronto-socorro que tem no meu banheiro. Ajoelho-me, diante da gaveta baixa, para pegar um potinho com algodão, um de compressa de gaze e um frasco com água oxigenada.
 — Olha, isso vai doer... — concentro minha atenção, assim que volto para o meu ‘paciente’, ao manusear as coisas para poder limpar o ferimento. — Mas é pra seu bem, ok? — sorrio meio tímida, erguendo meu olhar para observar o gato, e incrivelmente ele o retribui, abaixa a cabeça como se permitisse que eu cuidasse de suas costas.
Quase como ele soubesse o que estava acontecendo e me entendesse.

— Tudo bem... — tento ignorar esse pensamento, até por que não tem como ele entender cem por cento o que ocorre. — Vamos lá... — e assim que passo o algodão com as poucas gotas de água oxigenada, observo o corpo magro estremecer e alguns gemidos de irritação saírem como sibilares.

Mas continuo, tentando me lembrar como minha mãe fazia antigamente. Afinal, ele está meio sujo – e minha camisa também se acha manchada de vermelho. Ainda bem que possuo minha jaqueta para ter disfarçado isso por um bom tempo. É difícil tentar fazer essa limpeza com o máximo de cuidado possível. Só que esse gato precisa disso para poder não se infectar (será que tem um veterinário aqui por perto? Será que tenho dinheiro pra uma consulta?), logo não há outra alternativa, não é?

Após terminar o que estava fazendo agora a pouco, tento ajeitá-lo para poder fazer os curativos. E o mais impressionante, enquanto faço isto, é que a criatura se mexe de forma a me ajudar o como pode. Como soubesse como eu aplicaria esse procedimento. Quando paro de envolver as ataduras, por conta de meu transe, a cabeça dele se move para encontrar o meu olhar. E isso, esta inteligência dele, tanto me impressiona como me assusta um pouco.

— Parece até que você é um ser humano. — franzo minha testa ao balançar minha cabeça negativamente diante de tal ideia absurda.

Acabo de arrumar as ataduras, sentindo um leve cansaço. Espreguiço-me então, enquanto dobro meus joelhos para poder ficar com meus olhos na altura dele. Mexo um pouco com o pescoço do meu nariz, por conta de uma coceirinha que sinto, e ponho minhas mãos nas coxas. Sob este ângulo, até que ele (ou ela? Não sei, mas acho que pode ser ele) parece bem onde está. E com os olhos fechados, como quisesse deitar.

— Não quero te perturbar, acho que você merece descanso. — e, olhando para minha camisa manchada do Danny Phantom, decido a tirar e pego uma outra listada.

Espiando inicialmente o gato (que, quando sento na cadeira, fica com um olho aberto), viro-me para poder pegar minha mochila e pousar meu caderno em cima da minha escravinha. Pego uma caneta também, além de um livro didático e... Vamos para a álgebra. Fico toda confiante, achando que vou acertar um bocado dessas questões (são umas 40, pra você ter uma ideia) pra ir dormir logo.

Só que se passam, sem contar quando vou almoçar ou ir ao banheiro, umas seis horas e ainda estou no número 13 tentando quebrar meus neurônios pra resolver esse treco. Leio umas trezentas vezes as explicações desse livro e todas as minhas anotações do que a professora disse, mas nada.

Acabo madrugando com as mesmas roupas. Nas vezes em que vou saindo pra banheiro ou água ou para dar algo pra o gato comer, vejo que ele também fica meio cansado de só ficar absurdamente quieto e só me observando. Isto até eu vê-lo capotar de sono. 
Continua...

Imagem: http://mixednation.com/what-it-takes-to-achieve/

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2 comentários:

  1. Lucidida <3 Já disse e repito: a sua escrita =[ Só eu acho tudo escrito com uma suavidade quase poética? Me sinto lendo um poema secreto, cheio de delicadeza e, ao mesmo tempo, uma espécie de jorro de realidade kkk adorei, adorei

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  2. BIDIDA, COISINHA LINDA DO MEU CORAÇÃOZINHO <3 /abraçaabraçaabraça/ simsimsim, você disse xDDDD obrigada, amorzinho :))

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