Primeira Parte aqui.
Este é o segundo de uma série de contos (a esse ponto, acho que vão ser uns quatro contos da minissérie) que envolvem uma menina com um desejo de ter um amigo e um gato
com um segredo incomum :D
No primeiro conto (ou primeira parte, como desejar chamar), tivemos uma introdução da história onde os dois personagens se conhecem e se tem em evidência o desejo de Agatha em ter um amigo. Agora, neste aqui, conhecemos um pouco mais sobre a menina e também temos um prosseguimento das interações entre ela e o gatinho :)
Escalando aquela colina (II)
Depois de girar a
maçaneta da porta da frente, devagarzinho inclino minha cabeça para dentro a
fim de ver se a barra está limpa. Meus pais podem ter chegado a esse horário e
estarem me esperando pela minha ausência no almoço. Só sei que seria bom se
eles não percebessem o volume extra do meu casaco. Tento disfarçar isso,
andando com pouca pressa e fechando a porta com calma.
Eu tinha tido umas
dificuldades pra chegar até aqui de ônibus. Primeiro foi que, assim que entrei
graças a minha carteirinha estudantil (como estudo no sétimo ano) ter alguns
créditos de meia passagem, uma mulher de coque e vestidinho começou a espirrar
direto. Tinha algumas pessoas na minha frente, as quais se seguravam pelos
apoios amarelos, então ela não pôde ter certeza quem tinha pelo ou algum gato
escondido.
O que se encontrava
entre minha blusa e meu casaco quase miava quando o ônibus balançou um pouco,
fazendo-me ir logo para uma cadeira vazia que ficava perto da catraca. A moça,
a do caixa, espiava estranho na minha direção algumas vezes, até que o veiculo
fosse pra perto da minha casa e eu saísse em uma mistura de calafrio com
alivio.
Mas é agora que a
tensão realmente começa. Posso sentir meu ‘tum-tum-tum’ se acelerar, talvez
pela adrenalina, ao passar pelo corredor da cozinha e perceber uma fina sinueta
próxima da janela. Quase caio ao ver que é minha mãe que está lá, com as
rajadas de vento frio perto de seu cabelo cacheado esvoaçante e com um olhar
sóbrio ao soprar uma fumaça de seu cigarro.
Tento virar meu rosto e
ir mais rápido para meu quarto. Não sei como mamãe ainda tem esse hábito, um
que possui entre suas duas gravidezes, mas me preocupo no quanto isso prejudica
seus órgãos.
— Agatha, — antes que
eu fuja, ouço-a me chamar. — onde esteve esse tempo todo?
Paraliso. Respiro
fundo. E sinto meu rosto fazer um sorriso estranho.
— Ah... É que meu
ônibus demorou muito pra vir, mamãe... — tento me justificar.
Ela não me olha
diretamente, mas fecha os olhos após um segundo sopro.
— Na próxima vez, tenha
cuidado, minha filha. — mamãe me diz com elegância. — A cidade é uma
sanguessuga terrível quando consegue ser, querida. Devemos ser bons uns com os
outros, mas nem sempre temos força para não nos corrompemos pelos outros.
Fico algum tempo
parada, pensando se ela falava sobre o cigarro que segurava entre os dedos ou
algo que conseguia enxergar com aquele olhar vago pra o horizonte. Só consigo
responder um “Tá bom, mãe”, antes de me recolher para atravessar a escada. Ainda
fico pensativa, sobre o que minha mamãe acabou de me dizer, quando vejo de
escanteio uma parte de uma moldura dourada. Sabendo de quem o retrato se
tratava, viro minha face para deparar com o sorriso de minha irmã.
É engraçado que acho
que tenho todas as razões do mundo para ter muita raiva dela.
Maria Catarina é a mais
velha das duas filhas que minha mãe criou e a que primeiro se foi dessa para
melhor. Tem os cachos de minha mãe até as costas e os olhos verdes de meu pai,
os quais pareciam encantar meninos da vizinhança. No entanto, nunca entendi por
quê ela fazia aquelas coisas que acabaram a matando.
O último caso foi um
sequestro da filha do antigo prefeito da cidade, acabando no envolvimento de
capangas e uma troca violenta de tiros. Meus pais nunca a conseguiram controlar
– segundo o que meu pai me disse uma vez, quando eu tinha uns nove anos e os
perguntava pelas tantas vezes que víamos Maria ir para a delegacia, ela não
sentia remorso pelas ações ou até mesmo tinha uma real consideração pelos
outros.
A única preocupação da
minha irmã era ela mesma e somente ela.
Aos doze anos, agora eu
entendo o como torta Maria realmente era. Deveria impor na minha cabeça para
não nutrir esses sentimentos de carinho por alguém que nunca pensou no bem da
nossa família... Mas... Como eu posso? Ela tinha uma espécie de sorriso, um
aparentemente alegre e zeloso, que não nos fazia a odiar.
“Por quê? Aquilo não
foi justo!”, penso comigo mesma ao fitá-la, uma pessoa com um rosto semelhante
ao meu, “Por quê a gente não pôde ficar em paz? Quase todo mundo não gosta de
mim só por eu ser sua irmã, Maria”. No entanto, a única coisa que recebo é a
ironia daquele sorriso e isso me desanima um pouco.
Volto a subir os
degraus até meu quarto. Talvez lá encontre uma paz, o suficiente para poder
fazer o que realmente vim fazer aqui. Minha barriga faz um ronco, pedindo por
comida, mas tenho que fazer meus deveres primeiro. Se eu não conseguir, do que
sirvo?
Abro a porta, fecho-a
logo em seguida com um braço segurando o peso extra, e só então ponho o felino
cuidadosamente sob minha cama. Ele está meio trêmulo, olhando ao seu redor como
se estranhasse meu quarto. Ainda que escurecido, com a janela fechada – estamos
no segundo andar, ai – e eu sendo uma completa estranha para o ser.
Talvez
ele esteja com fome? Talvez ele esteja querendo fazer xixi? Suspiro. Bom, se ele quisesse, eu já estaria com
cheiro de xixi. Será que não é sede? Bato meus dois punhos de leve na
cabeça. Ah, Agatha, são os ferimentos,
sua tonta!
Tento montar uma espécie de cama com alguns lençóis macios que tenho
– se bem que parece mais uma tenda do que
uma cama, na verdade – e corro para pegar uma bolsa laranja de
pronto-socorro que tem no meu banheiro. Ajoelho-me, diante da gaveta baixa,
para pegar um potinho com algodão, um de compressa de gaze e um frasco com água
oxigenada.
— Olha, isso vai doer... — concentro minha
atenção, assim que volto para o meu ‘paciente’, ao manusear as coisas para
poder limpar o ferimento. — Mas é pra seu bem, ok? — sorrio meio tímida,
erguendo meu olhar para observar o gato, e incrivelmente ele o retribui, abaixa
a cabeça como se permitisse que eu cuidasse de suas costas.
Quase como ele soubesse
o que estava acontecendo e me entendesse.
— Tudo bem... — tento
ignorar esse pensamento, até por que não tem como ele entender cem por cento o
que ocorre. — Vamos lá... — e assim que passo o algodão com as poucas gotas de
água oxigenada, observo o corpo magro estremecer e alguns gemidos de irritação saírem
como sibilares.
Mas continuo, tentando
me lembrar como minha mãe fazia antigamente. Afinal, ele está meio sujo – e
minha camisa também se acha manchada de vermelho. Ainda bem que possuo minha
jaqueta para ter disfarçado isso por um bom tempo. É difícil tentar fazer essa
limpeza com o máximo de cuidado possível. Só que esse gato precisa disso para
poder não se infectar (será que tem um veterinário
aqui por perto? Será que tenho dinheiro pra uma consulta?), logo não há
outra alternativa, não é?
Após terminar o que
estava fazendo agora a pouco, tento ajeitá-lo para poder fazer os curativos. E
o mais impressionante, enquanto faço isto, é que a criatura se mexe de forma a
me ajudar o como pode. Como soubesse como eu aplicaria esse procedimento. Quando
paro de envolver as ataduras, por conta de meu transe, a cabeça dele se move
para encontrar o meu olhar. E isso, esta inteligência dele, tanto me
impressiona como me assusta um pouco.
— Parece até que você é
um ser humano. — franzo minha testa ao balançar minha cabeça negativamente
diante de tal ideia absurda.
Acabo de arrumar as
ataduras, sentindo um leve cansaço. Espreguiço-me então, enquanto dobro meus
joelhos para poder ficar com meus olhos na altura dele. Mexo um pouco com o
pescoço do meu nariz, por conta de uma coceirinha que sinto, e ponho minhas
mãos nas coxas. Sob este ângulo, até que ele (ou ela? Não sei, mas acho que
pode ser ele) parece bem onde está. E com os olhos fechados, como quisesse
deitar.
— Não quero te perturbar,
acho que você merece descanso. — e, olhando para minha camisa manchada do Danny
Phantom, decido a tirar e pego uma outra listada.
Espiando inicialmente o
gato (que, quando sento na cadeira, fica com um olho aberto), viro-me para
poder pegar minha mochila e pousar meu caderno em cima da minha escravinha.
Pego uma caneta também, além de um livro didático e... Vamos para a álgebra.
Fico toda confiante, achando que vou acertar um bocado dessas questões (são
umas 40, pra você ter uma ideia) pra ir dormir logo.
Só que se passam, sem
contar quando vou almoçar ou ir ao banheiro, umas seis horas e ainda estou no
número 13 tentando quebrar meus neurônios pra resolver esse treco. Leio umas
trezentas vezes as explicações desse livro e todas as minhas anotações do que a
professora disse, mas nada.
Acabo madrugando com as
mesmas roupas. Nas vezes em que vou saindo pra banheiro ou água ou para dar
algo pra o gato comer, vejo que ele também fica meio cansado de só ficar
absurdamente quieto e só me observando. Isto até eu vê-lo capotar de sono.
Continua...
Imagem: http://mixednation.com/what-it-takes-to-achieve/
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Lucidida <3 Já disse e repito: a sua escrita =[ Só eu acho tudo escrito com uma suavidade quase poética? Me sinto lendo um poema secreto, cheio de delicadeza e, ao mesmo tempo, uma espécie de jorro de realidade kkk adorei, adorei
ResponderExcluirBIDIDA, COISINHA LINDA DO MEU CORAÇÃOZINHO <3 /abraçaabraçaabraça/ simsimsim, você disse xDDDD obrigada, amorzinho :))
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