O último de uma série de quatro contos que
envolvem uma menina com um desejo de ter um amigo e um gato
com um segredo incomum :)
E... estamos agora no final~
E... estamos agora no final~
Escalando aquela colina (IV/Final)
Geralmente, não costumo
me lamuriar na biblioteca. Só que, primeiro, este lugar é um dos mais seguros
possíveis que me impede de ser atacada por alguns meninos que dedicam suas
existências a me perturbarem das mais diversas maneiras. Segundo por quê ainda
preciso revisar as questões que não consegui terminar hoje de madrugada.
Terceiro: incrivelmente, tenho motivos a mais, além dos abusos verbais, pra
ficar assim.
Hoje foi tranquilo, no
sentido da preocupação de perder notas, na matéria de Matemática. A professora
me disse que sentiu que eu era uma das poucas que não colou, como alguns de nós
tiveram que tentar explicar umas questões através da lousa. Sempre há aquelas
intrigas que umas garotas tentam impor, como apontassem na minha direção como
se fosse uma meleca em uma obra de arte, e também uns comentários mesquinhos
que ouço de alguns meninos. Mas tudo está bem, por que não ligo e...
Quem
realmente quero enganar?
Ponho minhas mãos pelo
cabelo que não consegui arrumar a tempo. Isto
não está bem, isto não está certo. Tento empurrar todo o som de desespero
para o final da garganta. Só quero sentir amor, um amor que apenas não dou e
que não sinto a obrigação do outro em dar por conta de laços de
responsabilidade. Queria só uma pessoa que não fosse um padre ou um parente.
Alguém que pudesse sentir naturalidade ao chamar de ‘amigo’.
Não
há quem possa sentir minha falta enquanto eu não estiver ao redor?
— Hã? — digo ao sentir
meu celular vibrar no bolso da calça do meu uniforme.
Apanho-o para ver,
cansada, quem é. E estranho que seja de casa.
— Alô? — chamo depois
de um tempo, como mamãe nunca ligaria pra mim.
Três
minutos. Entre silêncio, algo quebrando e alguém
respirando, três longos minutos.
— Oi...? Tem alguém aí? — a voz da outra linha
diz. — Você não pode vir pra cá?
Pisco meus olhos umas
quatro vezes. Até esqueço o que estava lamuriando.
— Como assim? — ergo
uma sobrancelha. — Não disse que eu estou na escola?
Silêncio. E... como
esse ser conseguiu pegar o telefone quando este fica na sala?!
— Escola? — ouço a
criatura masculina dizer confusa. — Você não me disse como é.
Ainda
não me sinto recuperada do que aconteceu hoje de madrugada.
Preciso de um tempo ao ar livre para poder ficar calma e encarar a situação
como uma pessoa perfeitamente civilizada (se isso existe). Meus pais ainda não
sabem a quarta existência que está entre nós desde ontem, isto por que não fui
permitida a contar a nenhum dos dois sob a justificativa que nenhum deles iria
reagir de maneira pacifica.
Além disso, ele é mais
rápido do que eu. Agradeço mentalmente que o lençol cobriu uma boa parte do
corpo dele quando os braços dele me abraçaram para me prender. Isto enquanto,
em boa pronúncia, o garoto me dizia “Não vou machucar ninguém, não sou seu
inimigo...!”. Em contrapartida, chocada com tal situação, virei para morder o
braço dele quando pude observar uma atadura.
Logo em seguida, meio
tonta sobre o que fazer, verifiquei que, na região perto da nuca do menino alto
e esguio, havia uma parte de outra. E aquilo foi o suficiente para juntar
informações e perceber que aquele não era um total desconhecido. Eram
exatamente as partes onde havia aplicado os curativos do gato que tinha salvado
ontem. Tal conclusão me fez parar de gritar. Demorou muito, mas muito tempo
(meia hora), pra que ficasse em um estado de fazer perguntas baixas.
Os olhos dele não
ficavam o tempo todo em mim. Algumas vezes, ficavam vagos e outras ocasiões
navegavam pelo meu quarto. Mas quando me fitavam, eram grandes, bastante
atentos e inteligentes. Eram de âmbar que julguei ser elétrico. E, na maior
parte desses momentos, era quando eu queria desviar meu olhar. As orelhas se
mexiam animadas e um rabo de gato se movia atrás. Assim como o contato, levou
um tempo para que falasse outra vez.
Minha pergunta tinha
sido “Quem é você?”. A resposta que recebi foi “Eu sou eu”.
Então, questionei qual
era o seu nome. E ele me disse “Meu nome? É Oscar”.
“Certo... Oscar, o que
você exatamente é?”, tentei elaborar uma pergunta mais direta.
O garoto me olhou
confuso. “Eu não sei responder essa pergunta”, foi o que ele havia me contado,
e achei que havia sinceridade nas palavras dele. “Já nasci assim”.
Fiz outras perguntas,
como o que fazia na casa daquela senhora e o que ele tinha feito antes de parar
por ali. Oscar, como se chamava, contou que não se lembrava bem de como foi sua
infância, só que viveu por muito tempo sob a forma de um gato para sobreviver
cidade após cidade. E que, como não seria fácil sobreviver como uma criança
humana, ao menos conseguiria algo como felino. Interroguei quantos anos tinha e
o estranho falou “Doze” ao contar os próprios dedos, fazendo-me tombar, de
leve, minha cabeça de lado e dizer:
“É a mesma idade que
tenho”, comentei meio curiosa. Não sabia o que fiz de tão engraçado, mas achei
ter visto os olhos de âmbar faiscarem que nem lâmpadas e vi os lábios formando
um sorriso infantil para mim. Fiquei meio incomodada pelo menino se afeiçoar
tão facilmente a mim (olhando e sorrindo), logo desviei meu olhar. E escutei o
garoto-felino rir com gosto, assim que me dirigi pra uma porta do meu
guarda-roupa e revelando um cesto de roupas limpas que minha mãe separaria
hoje.
Apanhei uma blusa
grande, uma bermuda e a cueca menor que pude ver. E as entreguei nas mãos dele,
avisando “Se vamos ter que negociar sua situação, ao menos você precisa estar
vestido”. Entretanto, ele só encarou as mudas e disse que era mais fácil se
transformar em um gato. “Como você vira um gato?”, quis saber por curiosidade.
“Quando me concentro muito e quando quero muito”, respondeu antes de fazê-lo e
desaparecer sob uma nuvem de fumaça, apenas para deixar, em seu lugar, o mesmo
felino que vi no dia anterior.
Mas não precavi o caso
dele mudar pra a forma humana.
— É só um lugar onde as
crianças têm que ir. — tento explicar com paciência.
— Todas tem que ir para
essa escola? — após silêncio, ouço a pergunta.
— Não me pergunte como
você não está na escola. — digo. — Eu não sei...
— Mas — ele logo me
atropela com outra questão. — aí é bom? — quer saber.
— Bom? — até estranho a
relação do adjetivo com o substantivo escola. — Como?
— Bom. — Oscar me
explica com simplicidade. — Tem comida? É divertido?
Fico quieta por um
longo tempo. São perguntas que não espero que me façam sobre a escola. “Se bem
que nem sabe o que uma escola é”, raciocino. Por um lado, tem comida sim. Muita
comida, se você tiver dinheiro – e eu tenho – e poder atravessar aquelas
fileiras de gente. Pode ser divertido se deixarem você brincar.
Faz muito tempo que não
experimento as duas coisas aqui. Tenho que lanchar sanduiches que faço em casa.
Pão com tomate, maionese, queijo e alface, por exemplo. E tenho medo de sair
daqui até bater o sinal de subir, senão alguém pode inventar de tirar onda com
minha cara ou então apontar pra mim e espalhar uma fofoca que todos vão
acreditar que é verdade.
Então me dou conta que
não quero que Oscar pense que tudo isto aqui é uma beleza, mas ao mesmo tempo quero. O que não desejo, de verdade, é que isto
se repetisse pra ele caso viesse a ter condições de ser um estudante daqui.
Provavelmente iam estranhar se viessem as orelhas brotando ou o rabo se mexendo
em zigue-zague.
“Mas ele sobreviveu por
muito tempo no mundo”, minha mente me lembra, “Deve ter sofrido muito e ainda
continua a sorrir”. Talvez rissem dele, contudo poderia ser que o menino-gato
não ligasse por não precisar de outra pessoa pra se sentir feliz. Ele
continuaria reprimido, porém alegre e alegrando quem quisesse sem se preocupar
em temer. Quer dizer que esse estranho é
mais forte do que eu?
Logo me lembro dos
arbustos de flores lindas que encontrei na parte de trás da escola. E daquelas
vezes quando ouvia os cantos dos passarinhos pelo ar, enquanto minha cabeça
estava na grama ao tentar me esconder do resto do mundo. E também do sol
radiante e quase branco no céu, continuando a brilhar, brilhar e brilhar. Também me recordo das vezes que presenciei um
arco-íris depois da chuva olhar as plantas lá de casa.
Encaro meus pés, não me
sentindo tão triste ou fraca como antes. “Se eu o tivesse como amigo”, imagino,
“será que eu conseguiria me sentir finalmente feliz?”
FIM
NOTA:
Eu realmente pensei na ideia de fazer uma parte V, mas é possível que muitas
pessoas me esganem se eu fizesse uma série tão longa. Acho que vou deixar como
está, antes que a ideia possa perder certo brilho se minha mente insana de escritora
resolvesse fazer um livro disso quanto aqui não é meu blog, mas nosso. E
pessoalmente prefiro como uma pequena série de contos :/
NOTA2:
Acho engraçado que, nos meus planejamentos pra essa série, o nome pra Agatha
seria Vitória e pra Oscar seria Neto. Mas ainda gosto desses nomes que pus,
então sem reclamações.
NOTA3:
Os finais do que está aqui e do que originalmente planejei são bem diferentes.
Só que achei que o final que coloquei, embora também se devesse ao limite que
impus à série, ficou melhor. Gostei bastante de Agatha ter alguma esperança de
um ‘futuro mais brilhante’ a partir de um amigo novo – embora eles não se
chamem por esse termo, mas ainda assim...
NOTA4:
Nos vemos em breve :)
Quer ter seus contos publicados aqui na NRA?
Envie seu material pra gente no contatonra@gmail.com!
Adorei o conto, muito bem escrito
ResponderExcluirsó não envio nada meu porque não escrevo tão bem assim hehe Mas adorarei ver outros desses aqui
http://soubibliofila.blogspot.com.br/
Valeeeeeu <3
ExcluirAaaah, envia, poxa :) Compartilhe <3 Tudo bem se não quiser compartilhar, mas acho que, pessoalmente, ninguém é melhor, como escritor, do que ninguém. O que há são 'impressões' que conseguimos das pessoas com nossas experiências :)
Mas obrigada por comentar, sua linda ;)