O primeiro de uma série de contos (quatro ou três partes? Não tenho certeza) que envolvem uma menina com um desejo de ter um amigo e um gato com um segredo incomum :)
Meio inspirado (ao menos, essa parte) em 'Running Up That Hill' do Placebo, então foi a partir dessa música, enquanto eu escrevi essa parte I, que se tem esse título xD
Escalando aquela colina (I)
Paro, chegando a esta
soleira, e espio o interior da igreja.
Faz vento úmido nas
ruas aqui fora, então acho que é capaz de chover hoje. Pensando nisso, é bom eu
ter saído cedo da escola para encontrar este lugar. Imagino o que aconteceria
se minhas roupas estivessem encharcadas e viesse para cá, se houvesse muitas
pessoas ou alguma missa. Mas, a essa hora da manhã, não tem tanta gente assim.
Vejo uma moça idosa no
canto dos bancos de trás, com um terço em mãos e os joelhos apoiados no chão.
Apesar da posição, seu rosto se encontra bastante calmo. Há algumas poucas
criancinhas que observam curiosas os santos patronos daquela igrejinha. Também
tem um senhor já adulto – não idoso e nem jovem – que, em roupas simples, ajeita
as decorações florais. E passando solene, mas alegre, há um homem jovial de
‘bom dia’ e ‘como você vai?’.
Retiro o capuz do meu
casaco, faço curvada um sinal na direção do altar e adentro.
Quando eu dizia pra
mamãe que queria chorar pelo meu estado com meus colegas (quem eu realmente
poderia chamar de ‘amigo”?!), além de me sentir cansada em ficar ali sem tentar
me recuperar... Ela sempre me dizia que era pra eu ter muita fé, que as coisas
dariam certo cedo ou tarde. Só que, apesar de todo o apoio que meus pais e meus
outros familiares me dão, sinto muita carência de procurar algo além desse
circulo.
Papai e mamãe vão a uma
outra, agora maior, e com muitos amigos deles. Mas ultimamente venho sentido
mais conexão a esta de estrutura humilde e com pessoas que nem sempre convivem
com o luxo. Uma onde houvesse desconhecidos de inicio, sentindo neles um poder
que deixava meu coração sossegado e como se todos os sentimentos negativos
desaparecessem aos poucos.
Claro que mantenho um
olho caso venha perceber algo estranho, só que, até então, não senti segundas
intenções que não fossem a de realmente acolher as pessoas...
A
primeira coisa que faço aqui dentro é só observar.
Recolho-me para um dos
bancos do meio, perto de um homem que admira a imagem de Cristo além do altar
de madeira. Bem ao meu lado, há uma imagem de Nossa Senhora, ela apoiada em uma
mesa com uma toalha verde rendada a mão.
Espero algum tempo até
ver o padre, aquele homem jovem, chegar. Ele me reconhece ao me olhar de perto
– sem usar seus óculos costumeiros –, acena e sorri antes que pudesse se
aproximar para começar uma conversa.
Não é bem uma
confissão, embora sejam sussurros por minhas palavras traduzirem a gama de
coisas que aconteceram no dia-a-dia. Não explicitas, mas só me refiro a umas
certas situações em que eu quero algum conselho, alguma ajuda que talvez não
conseguisse pedir a meus próprios pais.
Ele pega alguns
ensinamentos da Bíblia para poder me dar umas orientações, além de dizer que
Deus me ajudaria a dar toda a força que precisasse para seguir em frente. Mas
que, diante do que acontecia comigo, não posso ficar sozinha. Que eu tenho que
ser forte, juntar energia para poder lutar com o que me afrontava e procurar
ajuda de alguém. Diz que ele pode se dispor a agir como meu amigo, porém,
‘quem’ é sempre disponível a fazer tal serviço:
“Deus pode te ajudar,
se você se sentir sozinha”, é o que o homem me aconselha, “Até ali, você pode
tentar também se estabelecer com o apoio que sua família irá te dar,
principalmente seus pais que amam você. Mas Deus, os intercessores dele, nossa
mãezinha e o nosso irmão Jesus Cristo, assim como os anjos que estejam a
protegendo, podem ser seu apoio enquanto você não ache mais quem possa fornecer
momentos de felicidade e retribuí-los também”
Vão-se mais algumas
palavras, minhas e dele, da conversa até eu descobrir agora que está na hora de
ir embora. Cumprimentamos um ao outro, ele acena ‘Deus te acompanha’ e aceno
com um sorriso, até minhas pernas voltarem para a soleira da porta. Isto se não
fosse um rápido pensamento que esqueci alguma coisa, o que me faz virar meu
rosto em uma direção.
Ali, encontra-se a
imagem de Nossa Senhora. E, em suas mãos, uma do Menino Jesus.
Há um momento de
aparente telepatia. Ou de uma estreita ligação espiritual, não se sabe. Só sei
que, por alguma razão que nunca vou conseguir explicar (mas que sinto), é a
deles terem me ouvindo bem e de terem me dado um pouco de atenção. Não sei
realmente se disseram algo no meu ouvido, ou na minha cabeça, só que, de
repente, sinto um fluxo de tranquilidade e bondade com esse gesto.
E é com essa sensação
que viro, curvo para o altar e saio.
Entrando nos ares da
cidade, faz minha mente ficar imaginando enquanto o tempo, sempre apressadinho,
não para mesmo se eu pedisse ‘por favor’. São prédios altos com detalhes de
época, praças com bancos brancos e árvores douradas, cachorrinhos na rua,
pontes com vista de rios meio poluídos, quintais com flores com cores
brilhantes, moças com bebês fofos e birrentos, pessoas trajando vários
símbolos, céu com nuvens meio carregadas e...
Viro para a direita.
...essa placa da rua
aí. Paro próxima dela, olhando ao redor. Pelo que bem me lembro (se minha
memória não é tão falha assim), eu poderia encontrar um ponto de ônibus próximo
daqui. Aqui no canto, no encontro entre duas ruas, tento ver. Mas não há nada –
apenas o muro de uma escola, uma das mais prestigiadas (pelos mais velhos), e
uma calçada com algumas pessoas andando. Não vejo nada de diferente, pois elas
possuem sombras, o resto das coisas não parecem estranhas e está ainda um dia
nublado.
Só que... Juro que havia um ponto de ônibus bem aqui!
E nem queria ir andando para minha casa, por ela ser bem longe... Sentindo-me
um pouco mais desanimada, vou pela direção perpendicular. Atravesso a rua, indo
perto de uma loja de um senhor que vende chaves e ando por baixo da sombra que
a cobertura faz. Vrum-vrum, consigo ouvir carros direto enquanto faço meus
passos por essa trilha de concreto. Ando por mais algumas lojas e casas, até
chegar ao portão de um estacionamento que cruza meu caminho para o próximo
ponto.
— Como você ousa tentar
arruinar meus cactos, seu miserável?!
Paro para verificar o
que está acontecendo. Acho que pode ser algum inseto sobrevoando o quintal de
alguma senhora... Mas então vejo que não é bem o que imaginava. É só uma mulher
morena correndo atrás de um gatinho magrelo. E ela está com uma vassoura na mão
enquanto ele está... Ao ver isso, sinto que devo ter o visto em algum lugar.
Falando nisso, não há sempre um gato perambulando por estas bandas na procura
de comida?
E logo vejo que o gato possuía
um lacinho amarelo que envolvia a extremidade da cauda. Percebo, assim, que eu
o conhecia. E vejo alguns arranhões pelo corpo e o animalzinho se tremendo
todo, tadinho. Olho ao meu redor e não vejo ninguém fazendo algo pelo felino.
Só observando, enquanto a senhora se apressava ainda mais enquanto o outro
tentava escapar sob gemidos de dor. ‘Ninguém vai tentar ajudar?’, é o que me
pergunto, antes de perceber que nenhuma das outras pessoas se preocupava com o
pobre animal.
Tenho
que intervir. Esse pensamento se fixa em minha mente
como um adesivo. Dou alguns passos na direção da senhora, que já ia tacar
novamente no pequeno. E então, ao notar minha presença, ela se vira para mim
com seus olhos meio vermelhos.
— O que é que você
quer? — a mulher me olha feio. — Não vê que tô ocupada com esse malandro,
menina?
— É que... — sinto
minha voz tentar desaparecer, antes que meus olhos procurem o felino. — Eu acho
que este é meu gato desaparecido, senhora. Eu tinha um gato igualzinho a esse
um ano atrás, só que ele sumiu de casa. — e noto que ele também me olha.
A senhora abaixa a
vassoura, com um olhar bastante desconfiado. A moça diz nada antes de dar meia
volta, vendo que o gato permanecia parado a alguns metros do meu pé, adentrar
em sua residência, fechar o portão e apontar diretamente pra o menor como se o
alertasse para não chegar perto dela novamente. E então, eu a vejo desaparecer.
Demora um tempo, parada
aqui, para eu notar o corpo vivo ao meu lado. Os olhos dele me contemplam antes
da boca miar baixinho, sem forças. Começo a pensar em dizer a ele (ou ela? Talvez
seja uma fêmea, quem sabe?) que meus pais não gostam de nenhum animal em casa,
mas não consigo também ter forças ao ver os machucados de perto.
Continua...
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Mas que triste Lu! E uma gracinha também, haha. Amei!
ResponderExcluirvaleu :)
ExcluirTem uma certa tristeza
ResponderExcluirBeijos
@pocketlibro
http://pocketlibro.blogspot.com
hahaha. concordo -q (meio cruel eu rir enquanto tem tristeza, mas depende)
Excluirvaleu por ler :)