Você está lá, não fazendo nada. Ou
fazendo alguma coisa, mas que de tão insignificante, seria melhor não fazer
nada. Aí sente a nuca queimar, os dedos tamborilarem pelo teclado e pouco a
pouco aqueles quadros vão se juntando na sua cabeça. Você teve uma ideia.
Eu sou Douglas Marques, e esse é o
tema da coluna de hoje, logo após os comerciais. Digo, logo após o “continue lendo”.
Não é uma das melhores sensações de
ser escritor? Ter uma ideia! Quanta coisa boa surge sem que percebamos e,
enquanto tudo vai se juntando, sentimos o coração bater mais forte. Vidas
surgem diante dos nossos olhos, histórias, mentiras, contradições, alegrias,
mortes (muitas mortes, no meu caso, como meus adoráveis leitores hão de
concordar) e nascimentos.
De onde isso veio não é o tema da nossa
coluna de hoje, mas sim para onde isso
vai. Antes de mais nada: anote. Lembro até hoje quando me esqueci daquela
maravilhosa ideia que tive (paradoxo destruindo a mente de vocês). Caderninho,
gravador do celular, testa do(a) namorado(a)... o importante é deixar a ideia
marcada em algum lugar para poder desenvolvê-la no momento apropriado.
Passando pelo instante de terror de não ter o
caderninho por perto, você pode prometer a si mesmo que vai lembrar depois. No
meu caso, eu lembro — até porque se eu esquecesse, não lembraria que esqueci.
(Admito que estou adorando os paradoxos da coluna de hoje. Christopher Nolan
que se segure, estou com o próximo “Inception” no forno!).
Depois de tudo isso, documento aberto,
livro/conto/poema pronto para ser começado... como desenvolver sem ser clichê? Sem copiar o coleguinha? Sem plagiar?
Sem ser apenas mais um texto? Sem, sem, sem...
Escrever é um processo complicado. Até hoje
eu não sei porque cargas d’água eu abri um documento no Microsoft Word e
resolvi chamar aquilo de “livro”. Passar tudo o que sentimos, tocamos,
vivenciamos através do simples processo gerador da ideia talvez seja o maior
desafio de nossas vidas. O que nos toca profundamente pode ser o papel
higiênico do leitor desatento.
Antes de mais nada, o segredo para escrever e
ser compreendido — não “compreendido” num processo cognitivo de simples
leitura, mas ser compreendido nas entrelinhas, nas vírgulas, na respiração
dramática da personagem cujo único recurso é uma aspa ou travessão — é algo que
varia. O que nos toca hoje amanhã pode ser banal, e assim continuamos essa
vidinha ingrata de sermos escritores.
Hoje não vou passar “dicas incríveis de como
escrever como Clarice Lispector” (até porque quem tem de copiar outro literato
na forma de escrever não é digno de ser chamado de escritor, não é?
Descartam-se aqui as inspirações, que também são formas de desenvolvermos a
nossa ideia, a nossa coceirinha atrás da orelha), mas vou tentar demonstrar
como a tentativa de conectarmo-nos com a essência do que queremos dizer é a
melhor forma de elaborarmos uma narrativa que não caia no padrão.
Um amigo muito próximo me diz que a realidade
é clichê, e por isso apelamos aos livros. Ele não está de todo errado, mas o
ponto que eu quero levantar aqui é outro: às vezes escrevemos com tanto medo de
nos enquadrarmos na caixinha, com tanto temor de sermos apenas mais um escritor
passível, que acabamos calando nossa inner
voice, como dizem os anglo-saxões.
O que a sua história significa para você?
Você vai escrevê-la para tentar publicar, ficar rico e jogar na cara da família
que você escreve um livro indigno e eles não ou vai escrever para retirar de si
aquele peso, aquele incômodo, aquela pequena dor, que nos dizeres de Rubem
Alves (que eu amo citar, conforme vocês verão ao longo das nossas colunas) são “grãos
de areia”, que através de nosso processo criativo iremos transformar em
pérolas? Escreva porque você sente, e não porque você se sente.
Ninguém que escreve por orgulho merece o
título de escritor. Agora aquele jovem de dez, dezoito ou setenta (tentei
rimar, não deu) anos que senta diante do papel, da tela do computador ou da
pena para expurgar de si todo aquele incômodo... esse sim vai ser imortal!
Outro ponto importante é a necessidade das
ideias serem trabalhadas. Não ache que só porque você imaginou um romance água
com açúcar que isso é o fim do mundo. Existe alguém que pode mais que o
Nicholas Sparks dentro de você, eu sei disso! Lide com as suas ideias na
tentativa de aprimorá-las. Posso dar um exemplo?
Eu tinha uma ideia de uma senhora vidente que
tentava avisar a CIA, NSA, FBI, TIM, CLARO, OI, VIVO, NEXTEL que no dia 11 de
setembro de 2001 haveria um atentado ao World Trade Center, mas ninguém lhe
dava ouvidos, mesmo que ela sempre tivesse acertado suas previsões e ninguém
jamais houvesse lhe ignorado. Após a queda das torres, ela vai descobrindo aos
poucos como a responsabilidade pelo atentado era do próprio governo
norte-americano. Numa outra ponta, eu também tinha uma ideia de um homem que
escrevia cartas para pessoas aleatórias, de diversas partes do mundo, que
morreriam alguns dias após receberem o envelope carmim. Pronto.
Juntando essas duas ideias, criei um livro,
que, vejam só, até foi publicado. Não escrevo isso para fazer publicidade de
mim mesmo, mas para demonstrar a necessidade de se trabalhar uma ideia de modo
que o que no começo era uma pedra fosca e cheia de terra se converta, aos
poucos, num diamante bem lapidado.
Aí vale tudo! Ler, ver TV, filmes, ouvir uma
estação de rádio aleatória, ouvir a conversa da vizinha, psicografar poemas de
poetas mortos (BRINCADEIRA, tenho medo de fantasmas, mesmo sendo espírita!).
Tudo para trabalhar o próprio (in)consciente, para gerar algo novo, inédito,
que, mesmo clichê, nas nossas mãos se transformará numa joia tranquila e
apreciável, num pedaço de nós, e não em uma lombada quadrada no canto de uma
estante qualquer, às vistas das visitas que chegam à nossa casa.
Falando nisso... tive uma ideia.
Vou colar aqui o que eu falei no facebook porque, né, to com preguiça de pensar (demais), hahaha.
ResponderExcluirEu li e adorei, Doug. Tá pouco prática, porque a unica dica específica que você dá é "anota e trabalha nisso até deixar de ser merda e virar um troço bacana", mas você é lindo e simpático, então ficou muito legal e bem desenvolvido ❤
Eu tenho esse problema.
ResponderExcluirDesenvolvi recentemente.
Sinto falta de sair escrevendo aloka.
Entendo como é esse sentimento, o problema é que, como sou mais desenhista do que escritor, quando a ideia aparece ela vem em forma de imagem e as vezes em forma de cena. Surge tudo como uma epifania: planos, diálogos, cores e derrepente me vejo falando sozinho no meio da sala ( ou de um grupo qualquer) e fazendo o papel de todos os personagens.
ResponderExcluirEntão puf, acaba a cena e é impossivel lembrar de tudo que acabei de dizer.
Frustração eterna... anoto o que dá pra lembrar...