Um texto pequeno de uma reflexão de uma garota em uma cafeteria.
Pausa e Imprecisão
Havia uma garota em uma
cafeteria de um shopping.
Em sua mesa, apenas um
café com leite com a fumacinha escapando com suavidade. Também existia alguns
papéis almaço e uma caneta, os quais geralmente usava para escrever alguma
história. Não sentia muita segurança em levar seu notebook, pois talvez não
devesse confiar que alguém não a roubaria. Além do mais, existiam documentos
importantes ali dentro, como seus trabalhos da faculdade e outros escritos. Não
poderia arriscar que estes desaparecessem.
Também não arriscaria
ficar em casa naquele curto tempo de férias. Era silencioso e era bom para
digitar algumas coisas, mas algumas vezes os eventos da família faziam uma
pressão invisível cair sob seus ombros. Não só de dentro do círculo familiar, como
fora também: comentários de outras pessoas que, além dela, também atingiam sua
família. Não que fizesse um grande escândalo dessas atividades, como, oh bem, não era assim na sociedade de
qualquer país e com toda família? Só que existia aquela urgência de um
tempo. Um tempo para ela. Um tempo para pensar... Um para... Paz.
E ali estava, na
cafeteria. Já de maior naquele ano, conseguia sair mais livremente de casa
sozinha. Algumas vezes, até levava a irmã, no entanto sentiu que era um dia
dela com ela mesma. Ao menos algumas horas era apenas o que pedia para o que
qualquer fosse a energia que movesse a vida, o tempo e o universo.
Também aproveitou
aquele período sentada para escrever. Sabia que existiria esse momento, logo
trouxe o papel e a caneta. Achou que precisava de escrever, pois, afinal, era o
que a fazia relaxar. Além de uma boa piscina ou ver seus desenhos animados
preferidos, é claro. Mas escrever, ao menos imaginava, era o que conseguia
fazer de melhor e abusar do potencial que articulou durante anos: não podia
ajudar em conseguir avançar o aspecto extrovertido de sua pessoa, por mais que
os demais dissessem que não precisasse se preocupar, como ria, gritava e
chorava com liberdade.
Porém, acreditava que
ainda existia uma última coisa. Algo que era como uma pulga atrás de sua
orelha, fazendo-a mover, um tanto estressada, algumas mechas de cabelo. Um
formigamento parecia crescer entre seus ombros, o que tentava corrigir,
inquieta, mudando suas posições. Esquecendo-se do mundo, pois, naquele instante,
seu foco era sua mente: uma piscina bastante funda, descoberta apenas em
décimos de seu volume misterioso. Fez-se ouvir a pergunta, uma voz na cabeça, “O
que está em falta?”.
A resposta veio quando
virou o rosto para o vidro, bem ao lado de sua mesa e mostrando um corredor
iluminado e espaçoso do shopping. Seu reflexo. Sentia a ânsia, algo que prendia
seus olhos, acostumados a serem observadores de detalhes, até a imagem. Estava
com algumas roupas que julgava serem confortáveis, embora sua mãe dissesse que
era melhor usar algumas outras que a deixavam meio irritada. Tinha armado seu
cabelo em um rabo-de-cavalo, mas caíam uns fios que roçavam a pele.
Não foi à cabeça sobre
algum garoto – ou, considerando o como conhecia de sua sexualidade, alguma
garota. Não exatamente o gênero, mas pessoa (nos apaixonamos por gêneros ou por
pessoas?). A pessoa que seu coração dava mais valor, um aspecto que não
controlaria como emoção não tem razão.
O pensamento que teve
foi sobre si. Coisas sobre si. Lembrava-se de quanto algumas amigas comentavam
sobre “se ajeitar”. Tinha consciência que, como a sociedade vivia de concepções
estéticas e de valor a aparências que soavam por vezes superficiais, deveria
ser mais vaidosa (mas perguntava a si “Mas vaidade não é um pecado capital?”
quando a mãe também falava da mesma coisa), já que não demoraria a caçar um
emprego. Por vezes, pela sua rotina de vida, ouvia comentários, até de gente
com quem nem falava muito, “mas ela não se ama”.
A garota se revoltava
ao escutar aquilo, por que acreditava, acreditava mesmo, que não precisava que alguns outros se
preocupassem daquela maneira. Não que não ponderasse que poderia, sim, pedir
ajuda de outros. Entretanto, havia aqueles momentos em que se irritava ao
sentir que o respeito estava sendo distorcido quando o que deveria ser ajuda
termina como um julgamento, uma espécie de sentença onde, não literalmente e
literalmente, pessoas apontavam o dedo nos ‘problemas’ – que, contudo, eram só peculiaridades de diferença – da superfície como estes fossem bichinhos, ervas
daninhas. “Ah, como você espera casar?” e “Ah, como você espera ter um
namorado?” e “Ah, como você vai ser feliz se não se ama?”.
Só que isso era
realmente importante? Todo ser humano anseia ser amado – talvez exceto os
psicopatas e os sociopatas? –, mas não acreditava, com toda a imposição que os
padrões de vida é imposto por partes da sociedade, que a pessoa precisa ser uma
pessoa completa só por estar com outra pessoa. Não é uma obrigação, afinal. Não
é obrigação que, para ser feliz, precise se casar. Não é obrigação que, para
ser feliz, precise namorar. Não é obrigação que, para ser feliz, seja bonita e
tenha um sorriso enorme no rosto e um monte de pessoas para chamar de amigos. Ela
se achava feliz, ela se amava e ninguém poderia pôr o dedo para falar o
contrário quando essas coisas apenas ela sabia.
Claro que existiam as
inseguranças. Sempre existem inseguranças em cada célula do mundo, ao menos pensou
enquanto se olhava no vidro, vendo que algo faltava. Não para ser feliz, mas
para se sentir, naquele momento, bem. Queria se sentir bonita, a mesma sensação
que dava às suas personagens e que realmente desejava dar, e se perguntou se
algum batom resolveria o problema ou se alguma total transformação contornaria
a questão. Mas quantas vezes não foi ao salão de beleza? Saía de lá com orgulho
de si, só que não era algo que preencheria a peça que falta. Não sabia, nem ao
menos, que peça era essa. Talvez nem cirurgia ou uma dieta resolvesse – e não
gostava dessas opções.
Voltou a olhar seu café
e seus papéis. Não pôde deixar de conter um sorriso ao sentir o vapor. Gostava
de café com leite. Era uma espécie de recompensa que fazia para si. Café e
escrita. Naquele momento, achou que estava tudo bem não saber a peça que
faltava para se achar como satisfeita. Se não há dificuldades e questões
pessoais a serem levantadas, do que adianta viver o verbo viver?
FIM
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