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Segunda parte da pequena série de contos de Caindo para Baixo (Parte I aqui). Conseguiria
imaginar sua vida como as demais meninas,
se não fosse por suas amizades inesperadas. Beatriz Lima é uma dos poucos que os pequenos Randimiel e Valéria
Moraes chamam de amiga. Seus pais e seus vizinhos,
talvez pela exceção de um e de outro, não suspeitam que há um perfil além da
inocência que dizem a dupla ter. Cada vez mais, Bia se vê mais envolvida no mundo sobrenatural.
Nesta segunda parte, teremos a continuação do flashback da primeira parte :)
CAINDO PARA BAIXO (II)
Dei a oitava
olhada por detrás do ombro, após quase desabar com meu corpo e meus pães no
portão de casa. A lua continuava no céu com sua atmosfera misteriosa e junto da
escuridão. Achei ter visto um vagalume voar na altura do poste de luz ali
próximo.
Franzi meus
lábios ao espiar os arredores da residência antes de puxar minhas chaves do
bolso. Abri o portão com o coração aos pulos. Meu nariz parecia inspirar ar
seco. Eu corri bastante e nunca achei que pudesse sentir tanto medo em toda
minha vida. Porém, não sabia se era pela dúvida de eu ser louca ou se era por
eles serem reais. Ao fechar, tranca e então pôr uma mecha atrás da orelha,
achei que aquilo desapareceria. Que era alguma ilusão por estar muito cansada.
Assim, fui para
dentro de cara, encontrando meus pais fazendo jantar na cozinha. Eles estavam
de costas para mim, papai cortando vegetais e leguminosas enquanto mamãe
preparava músculo para a sopa. E ela tinha sido a primeira a me notar voltando.
“Onde foi?”, questionou, “Você chegou tarde...”. Quando ele, meu pai que se
atentou, viu a mim e o saco de pães... Pude ver seu olhar se estreitar com uma
pinta de desconfiança. “O que você andou fazendo?”, perguntou, sem parecer
hostil, “Bia, algo aconteceu no meio do caminho?”, o tom de voz foi suave, porém
não sabia se era natural ou papai estava realmente se controlando.
Sorri, tentando
esclarecer que eu havia me perdido no caminho por besteira, embora imaginasse
que seria melhor contar a verdade. Mamãe me lançou um olhar antes, antes de
suas expressões se aliviarem. “Querida”, disse, “tenha cuidado na próxima vez.
Você sabe, há essas notícias de assassinatos no meio da noite... Fico
preocupada que se você desviasse o caminho e fosse a um lugar mais
perigoso...”. Assenti com a cabeça, compreendo os receios dela. Meu pai, então,
avisou para que eu voltasse, para jantar, depois de meia hora. Senti-me
tranquila, interpretando aquilo como um sinal para me abrigar no quarto.
Deixei, na
cozinha, o saco de pães e me adiantei ao meu pequeno território. Encontrava-me
ansiosa para abrir a porta e ficar mais calma. Ao conseguir fazer isso, girar a
maçaneta, realmente me senti relaxada – melhor dizendo, eu estava nas nuvens:
na escuridão, vi vários adesivos de estrelas radiantes brilhante. Pude
experimentar, pelos olhos e pelo meu coração, uma enorme delícia quase
infantil.
Contente, bastei
ligar o interruptor de luz para enxergar algo inesperado: dois estranhos na
minha casa. Assim que abri a boca para questionar, um deles, uma menina, abriu
os olhos do que parecia um sono e, em uma fração de segundos, arremessou-me em
direção à parede e ouvi um clique da porta se fechando atrás de mim antes que
eu desse um oi.
“Vocês
demoraram, crianças”, papai anunciou quando, acompanhada do casalzinho, sentei
em pânico na mesa. Não sabia, ao vê-los no meu quarto, que eram os mesmos que
vi na penumbra do caminho. Porém, pelo modo como eles me abordaram para manter
minha boca calada, acabei descobrindo quem eram em apenas alguns minutos de uma
tensa conversa. Por esse motivo, fiquei receosa e a atmosfera pareceu pesada,
ainda que meus pais estivessem absurdamente calmos. Mas também, nenhum deles
tinha sido ameaçado de morte como fui.
O prato
principal era um guisado de carne e uma lasanha, enquanto tinha ainda sonha,
arroz e feijão. Observei, pelo canto do olho, os meninos se atentando ao prato.
A menina não demorou a mastigar a carne como estivesse realmente faminta e o
menino cutucava, com o garfo, as ervilhas entre o arroz. “Estávamos conversando
sobre desenhos”, tentei imitar um sorriso ao ver meus pais esperando eu falar,
“Desde quando eles estavam aqui? Não me lembro de tê-los visto quando sai...”.
Os garotos não pareciam ouvir a conversa, como se realmente se entretiveram com
a comida. Quase não me relembrava de serem assassinos em potencial.
“Ah, eles?”,
papai parecia entender ao que me referia, “São os sobrinhos do senhor que mora
no fim da esquina, minha filha”. Lembro minha curiosidade ter se atiçado
naquele momento. Recordava da casa com aparência de abandonada e que as pessoas
da cidade mal viam seus habitantes saírem. “Vocês...”, após cortar um pedacinho
da carne, mastigar e engolir, falei, “viram como ele era?”, quis saber,
querendo investigar. “Só ouvimos a voz”, essa foi a resposta de mamãe, “Mas já
a ouvimos tantas vezes que...”.
Paralisei,
indignada. Como assim? Não tinha sentido falarem aquilo, como tinham o hábito
de comentarem sobre nunca falarem com qualquer um da família Moraes! “O
doutor”, o garoto finalmente se pronunciou, calmo, “vive muito ocupado no
trabalho. Deve ser por isso que ele não é visto tanto”. A resposta, a única com
coerência, clareou no instante em que pus foco naqueles dois. Eram muito
suspeitos. Só podiam ter feito algo para meus pais agirem daquele jeito!
"Acho que
isso, então, diz tudo", meu pai finalizou com essas palavras, deixando-me
boquiaberta. O jantar continuou com outros rumos de papo, entre os quais se
incluía a proposta do Dr. Moraes de que eu pudesse ajudar a cuidar dos
sobrinhos dele. Ao ouvir sobre isso (como ele sabia da minha existência?),
encarei os dois invasores, os que me encararam de volta, e logo me virei aos
meus pais. “Não tem outra pessoa com quem eles possam ficar?”, minha resposta
real, interna e constante era um brado de ‘nãos’, “Um parente?”. “Eles moram
só”, mamãe me explicou, “Eles não tem nenhum parente vivo. E já pediram ajuda
de outros vizinhos, só que...”.
Não duvidava que
houvessem parentes mortos – afinal, eles disseram que tinham intenção de me
matar e não duvidei ao me deparar com a força monstruosa da menina. Mas como os outros vizinhos saberiam deles? Havia
algo errado ali. Mamãe não tinha
comentado sobre assassinatos ocorrerem ultimamente no bairro? E a mudança deles
não havia sido... recente? No restante da refeição, mamãe ainda tentava me
convencer, contudo eu nem disse sim ou não. Achei estranho que, com os pratos
vazios, as crianças ainda brincassem com os talheres. Só entendi o que
pretendiam quando sai da mesa para lavar meu prato, pois os dois pegaram os
deles e me seguiram em uma sincronia de gêmeos.
“Não me matem”,
repeti durante todo o trajeto iluminado até o quarto, os dois na minha cola. “Eu
bem que faria isso se não estivesse sem fome”, a menina se pronunciou
despreocupada, “Comi demais para uma semana”. “Não sei, não quero me mexer com
sangue no momento”, o garoto comentou em um tom que o faria parecer mais velho.
Recordo encarar os dois, imaginando que tinham a possibilidade de fazerem
aquilo. “Aliás, por qual razão eles precisariam de mim como uma babá? Eles não
precisam de segurança, afinal”, pensei.
— Nós não
precisamos de segurança de uma mortal, é verdade. — de repente, escutei o
garoto responder enquanto chegávamos no meu quarto após as louças lavadas e
secadas. — Mas o doutor, quem é responsável por nós, nos disse que era boa
ideia ficarmos na companhia de um humano.
Quase girava a
maçaneta da porta, mas parei para ouvir aquilo ressoar na minha cabeça. “Como
que ele sabe o que eu penso?”, questionava-me. Tentei deixar para lá,
respirando fundo e abrindo a porta para ir à minha cama. Porém, a conversa
continuava:
— Deve ser pelo
afeto dele por humanos. — a menina deduzia. — Afinal, ele perdeu a mulher no
meio daqueles experimentos malucos dele. Agora ela está toda congelada...
— Pensei que
fosse para nos divertir na companhia dela. — o menino contrapôs. — Sei disso,
mas a ponto de nos chamar pra não matar...?
Achei engraçado
que não fizessem mais alguma atitude para impor terror, embora ocasionalmente
eu os visse com um olhar esquisito. Faziam silêncio ao percorrer o quarto, ao
observar o espelho e as janelas, ao ligar e ao desligar os aparelhos.
Acreditando que não iriam me interromper de tão entretidos estavam quando
acharam uma caixa de papelão com meus brinquedos velhos, a menina virou o rosto
e se jogou feito um raio na cama. Não menos de um minuto depois, no outro lado
o menino já se encontrava sentado e concentrando-se em um livro grosso de
Biologia que encontrei na pequena biblioteca do meu pai.
Em resposta
àquelas reações de crianças abusadas, fiz uma careta de cansaço e então tentei
me encaixar dentro das cobertas para pegar os travesseiros para tampar os ouvidos.
Não seria a última vez que não mediriam esforços para me aborrecer: ainda
viriam com a desculpa que Dr. Moraes me pediu para cuidar deles, inicialmente
só passando noites ocasionais em minha casa. Então, depois desse período, suas
visitas se multiplicariam de frequência e de demora, os dois sempre com ideias
mirabolantes. Se eu quisesse não participar, os dois arranjariam um jeito de me
tragar até a situação.
No começo dessa
mudança de atitude, com o tempo, perguntei a mim mesma por qual razão me
arrastariam com eles: tive a impressão de que no início, o que era mútuo,
existia aquela tensão de uma trégua forçada. Ás vezes, acreditava que logo
desistiriam da ideia dada pelo responsável deles e iriam embora. Digo isso por
já ter ouvido Valéria falar uma vez “Você é pouco divertida”, algo que percebi
Randimiel nem concordar e tampouco discordar. Ficou na minha cabeça “Bia, tudo
beleza. É só você conseguir manter um olho aberto e um tanto de paciência que
esses dois vão embora e te deixar em paz”.
Entretanto,
houve aquele despertar de interesse de ficarem colados em minha pessoa, até
quando era de dia ou quando eu estava dentro da sala de aula (só era me virar
pra a janela e ali estava um dos dois ou a dupla acenando em cima do galho de
uma árvore). Estranhei muito quando começou, no entanto, passei a não ligar
tanto: os dois, em muitos momentos, pareciam serem só crianças, apesar de
Randimiel sempre aprontar no banheiro ou na cozinha com seus líquidos aparentemente
perigosos, ou até com Valéria não sendo a melhor companhia de paciência perto
da lua cheia e com seu hábito de correr atrás de gatos ao ver um. Sentia, até,
que eram meus irmãozinhos.
Esse sentimento
se comprovou como mútuo em um domingo desses, um dia que os dois me enviaram um
convite para visitar a casa deles – ou melhor, me arrastaram para lá – e para
andarmos pelo jardim. Nem preciso dizer que não era uma residência, nem por
fora e nem por dentro, normal. Perdi a conta de quantas vezes a casa não tentava
me matar. Foi quando, depois de nos encaminharmos para seu quarto, Valéria
retirou uma maçã escondida do fundo da cozinha. Disse que pretendia a comer com
Randimiel, como ela tirou de uma “árvore bastante grande”, mas que ambos
decidiram deixar a fruta comigo. Fiquei com ‘um pé atrás’ ao ouvir a oferta, a
mão dela estendida e um sorriso genuíno em seu rosto de garotinha, antes de dar
uma mordida em relutância. Não pareci sofrer nada. Acabei devorando a maçã toda
em deleite, deixando apenas os caroços.
CONTINUA...
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Oie Lucie =)
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Eu não consegui desgrudar os olhos da tela até chegar ao final. Você escreve muito bem!
Estou curiosa pela continuação *-*
Beijos e um ótimo final de semana;***
Ane Reis.
mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
@mydearlibrary
E aí Ane, beleza? :)
ExcluirObrigada, amor! Fico feliz que tenha gostado :D
Continuação em progresso >:B
Beijo beijo :3
Ler meu nome em CPB é tipo uma honra. Lucie, você me conhece, eu acho que não consigo te comprar mais com elogios, porque sério... Eu acho que o trabalho em si, o conjunto completo, é já uma delícia de se ler, mas ainda dou enfoque para o finalzinho dessa parte. Eu achei incrível, sem palavras. Devorei essas linhas tão rápido que fiquei com o sabor na boca até um tempo depois de terminar.
ResponderExcluirJá falei que sua escrita é praticamente comestível?
Os diálogos também são tão gostosos! Você me cativa cada vez mais, sua narração, suas descrições, tudo é costurado de uma maneira tão sua que não dá pra julgar, apenas pra apreciar. E muito, viu?
Beijos Dida, parabéns de novo!
BIDIDA <3
ExcluirCPB e minhas manias de siglas meus escritos xDDDD
Mas vamos lá :)
Eu te conheço também e cê sabe o quão é mútuo a admiração pela sua escrita que é algo divino. E eu fico fazendo essas homenagens que partem de umas ideias doidas que podem não fazer muito sentido porquê eu mesma não faço muito sentido e essas coisas. Mas fico muito, muito feliz em saber que você gostou xD
Obrigada, coisinha linda do coração :3