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terça-feira, 10 de setembro de 2013

[FEITO A MÃO] Caindo Para Baixo, Parte I




Foto: Reprodução


Primeira parte de uma minissérie de quatro partes :)
Conseguiria imaginar sua vida em um percurso como as demais garotas de sua idade, se não fosse por suas amizades inesperadas. Beatriz Lima, uma jovem estudante, é uma das poucas vizinhas que os pequenos Randimiel e Valéria Moraes chamam de amiga. Seus pais e nenhum de seus demais vizinhos, talvez pela exceção de um e de outro, suspeitam que há um perfil além da inocência que dizem a dupla ter.
E, além de uma mudança de visão de mundo, Bia, como é chamada a menina, se vê mais envolvida no mundo sobrenatural.





Caindo Para Baixo, Parte Um
Eu não faço ideia de onde meus pais tiraram que tenho paciência com crianças.
Bom, esses aprontam poucas e boas. Digo, papai e mamãe.
— Bia, Bia, Bia. — viro-me para o lado e encontro Randimiel com um avental, luvas e um pote de vidro com um liquido roxo. — Você sabe onde fica a espátula?
Estranho a pergunta. Não que ache estranho um garoto, pequeno como ele, usar esses materiais. É que só...
Bem, é madrugada...! Dia de lua cheia. Vivo em uma casa de três andares de um condomínio residencial. Meus pais saíram para caminhar na pracinha daqui.
E fiquei como responsável (vulgo, a babá) de duas crianças que meus pais disseram que são irmãos e filhos do vizinho Dr. Moraes da casa do final da rua.
Mas é só o que dizem.
— Pra quê você vai precisar de uma espátula? — pergunto, sentada em posição borboleta na minha cama.
— Ah, — ele diz como fosse simples. — é que uma parte da minha pedra grudou no fundo do pote.
Valéria, com sua trança morena e camisola rosinha, fita o ‘coleguinha’ com curiosidade.
— Sabe, — ela comenta ponderativa, o nariz redondo inclinado para a janela. — nunca achei que fosse tão fácil derreter a Pedra Filosofal.
Hum... Ainda não entendo como acabei nessa situação. Primeiro que não sei muito sobre essa pedra e segundo por conta deles.
Valéria tem o tamanho de uma criança e meia. Seu corpo, de traços próximos a humanos, é coberto de pelos e seus olhos – antes castanhos, agora cinzentos – adquiriram um teor muito agressivo e, ao mesmo tempo, controlado.
Há um focinho no que era o nariz, há orelhas pontudas no lugar das humanas e existe uma boca mais longa e selvagem, fora o rabo que apareceu na altura de seus quadris. Até sua voz mudou bastante, assemelhando-se a uma mistura de rouquidão e um tom ancestral inumano.
Mas Valéria ainda está aqui, por baixo da aparência de agora e ainda presa voluntariamente pelos pés por correntes.
— Eu não derreti a pedra. — Randy tenta explicar. — Só joguei umas coisas para fundir essa parte. — ouvindo isso, volto a encarar o conteúdo roxo.
Sinto um leve arrepio. Pergunto-me se ele usou a minha cozinha ao invés do sótão de sua casa. Deve ser meio bagunçado lá se foi aqui em casa, como sei das bugigangas que Randy traz consigo sempre.
— Uma parte? —  quero saber. — Onde está o restante?
— A Pedra Filosofal foi repartida há muito tempo atrás. — ele respondeu. — Só os descendentes das famílias de uns poucos têm as partes, como seus ancestrais fizeram parte dos experimentos. E também tem uns homens ambiciosos que tentam repetir a fórmula e criando imitações por aí.
Pisco meus olhos por alguns segundos, um tanto confusa e não sabendo o que exatamente dizer. Mas algo que posso estar certa é que esses garotos podem ser mais velhos do que meus avôs.
Tanto Valéria como Randimiel tinham conhecimento de alguns objetos de séculos passados e falavam, certas ocasiões, como tivessem vividos em tempos de guerras que ocorreram há uns cem anos atrás.
Algumas vezes, já presenciei ela contar sobre um clã de lobos que seu pai liderou no sul do país. E sobre terem sido perseguidos por bandos de grandes fazendeiras e alguns religiosos fervorosos. Em certos momentos, eu ouvia ela falar sobre ter viajado para várias regiões – tanto dentro e fora do Brasil – até encontrar Randy.
Bom, não sei por quanto tempo estão juntos. Quando perguntei a eles, recebi a resposta de “Uns cem... ou cento e vinte... não sei”. E foi só o que eu consegui.
Fora isso, não sei muito sobre o Dr. Moraes. Nunca o vi para saber como ele é, embora Randy já tenha o descrito como “um velho amigo nosso com um sorriso especial e dedos especiais”. Mas eu já o presenciei, em umas vezes em que os dois ficaram na minha casa, o que pareciam ser raios saindo da casa.
E, bem, dizem que ele é o pai desses dois. Ou que ele seja o tio. Porém, sem questionarem, os moradores daqui inconscientemente puseram em suas cabeças que os dois eram filhos dele.
Se não soubesse da verdade, talvez acreditasse também. Mas o primeiro encontro que tivemos não ajudou muito.
Estava lá eu. Andava no asfalto com um saco de papel, com os pães do dia seguinte para minha família comer no café da manhã. Era um final de tarde e também um domingo. Caminhando na rua, não muito larga e ladeada de casas, imaginava sobre o quanto poderia ser bom se segunda-feira não tivesse aula – tinha uma prova de matéria que ainda não havia estudado.
Ao ponderar um pouco, percebi um vulto acima de uma mureta. Parecia ser babados de seda de alguma roupa. E também, ao mesmo tempo, ouvi o ruído de muitos gatos rosnando, como se eles quisessem expulsar uma criatura indesejável. Naquele momento, não cheguei a parar. Era a casa de uma senhora que tinha um monte daqueles felinos.
Só que, não mais de um minuto posterior, escutei uma resposta não muito comum de se ouvir.
Era um diferente rosnar, um bem alto e quase parecido com a de uma loba se não achasse um pouco humano também.
Um pouco.
Arregalei meus olhos.
“Bá”, quem parecia ser uma menina, retrucou, “não há com o que se preocupar tanto. A moça não parece perigosa”
“Moça?!”, a outra pessoa quis saber, em um tom agravado, “Como assim?”
Houve um outro silêncio. Achei melhor saiu dali o mais rápido possível.
“Ah, é”, falou o menino, “Sinto alguém. Mas logo logo ela sai”
“Logo logo?”, questionou a menina, “Tens certeza?”
“Bem... Eu acho que sim...”
“Ah, alquimista”, a menina se pronunciou em irritação, “Isso é tudo tua culpa! Se não deixasses tua pedra no alcance daquele homem, a moça não pararia neste lugar”
Fui andando meio devagar. Encontrava-me em choque, perguntando mentalmente como aquelas ‘coisas’ – como eu chamei as vozes – ficavam na cabeça. Talvez estivesse enlouquecendo, tentei imaginar. Aquilo poderia ser só um sonho, se não houvesse a certeza sobre os pães serem reais. Considerei, até aquele segundo, o evento como uma alucinação.
Consegui prosseguir meus pés para mais de duas casas, olhando para frente e ainda escutando os ruídos estranhos. Pude ouvir alguns rosnados alterados de gato e então um irromper de um barulho meio oco contra a terra, seguido do oscilar que me lembrou uma placa de madeira bamba. Após meio minuto, fez sequência um ruído de algo se arrepiando no vento.
Só que ainda continuei a andar, determinada a ir para casa e para descansar a fim de esquecer a loucura que aconteceu. Contudo, em instantes, notei um som de um tinido na rua. Virei para espiar além das minhas costas.
E logo vi, metros de distância, duas figuras paradas. Eram pequenos, apesar da sombra que refletia os muros ser bem ampliada e dar a impressão de que eu me via diante de dois gigantes. Eles se aproximavam devagar. Não acreditando no que meus olhos viam, ergui um braço para tentar os esfregar com a mão. Pisquei-os, minha boca se entreabrindo antes de visar suas sinuetas chegando mais perto em uma velocidade confusa.
Agarrei os pães contra meu corpo, girei para o lado e corri o máximo que podia para dentro de casa.
Continua...

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2 comentários:

  1. Adoro escrever, vou pensar em produzir algo pra cá! Ah, e fico no aguardo para ver como essa história se desenrola, curiosa! :D
    Isabela

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    Respostas
    1. Que legal, Isabela, seu conto seria bem-vindo no blog :)
      Quanto a minissérie/história, espere e verá, haha ;)
      Beijo :3

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