Semana passada, antes da Bienal do Rio estar à todo vapor, uma matéria saída no jornal o Globo com o autor Raphael Draccon ( e a qual você pode ler aqui) causou um rebuliço na blogosfera literária. Nela, Draccon supostamente teria dito que o mercado literário atual não teria lugar para escritores como Rubem Fonseca e demonstrado uma posição autoritária com relação a liberdade de expressão dos autores de seu selo, bem como um crivo seletivo um tanto exigente de novos autores para a Fantasy.
Não é preciso dizer que os fãs de Rubem Fonseca se levantaram na mesma hora contra Draccon e uma massa de pessoas iniciou uma verdadeira crucificação contra ele no twitter. Passado o vendaval, Raphael prontamente escreveu um post em seu blog (que você vê aqui) desmistificando o texto editado pelo jornal O Globo e explicando as coisas que teriam ficado, segundo ele, fora de contexto.
De fato, a entrevista "global" de Draccon soava um pouco arrogante a olhos leigos, mas não para aqueles que conhecem o poder manipulador da mídia, estão dentro do mercado literário ou entendem como ele funciona, sendo esse último o meu caso.
Tendo trabalhado na editora Rocco durante um tempo e tido acesso tanto ao lucro de certos autores quanto a certos funcionários que lidavam direto com as vendas nas livrarias, posso dizer que, mesmo com algumas frases manipuladas de forma um tanto equivocada pelo jornalista da matéria, Draccon não disse nada de errado e vou tentar explicar resumidamente o porquê.
Rubem Fonseca |
Primeiro, entendam: o mundo em que vivemos hoje é capitalista. E o livro, nesse sentido, não deixa de ser um produto que precisa ser vendido e ter lucro para que as editoras possam continuar vivas no mercado. Ou seja, editar livros "por amor", sem fins lucrativos, é algo muito bonito, e que eu acho que deveria ocorrer de fato (minha faculdade era de base Marxista, rs), mas também é algo que simplesmente não se encaixa dentro do sistema atual. Por isso as editoras apostam em boas histórias, mas que elas sabem que poderão dar algum retorno a empresa. E sim, acredite, os editores ficam com o coração partido quando vêem que o livro de algum autor é muito bom, mas não seria bem recebido pelo mercado. Isso acontece muito!
Alguns editores até batem o pé e decidem publicar assim mesmo, mas eles sabem que estão colocando seus empregos em jogo, pois a chance de ser um fiasco comercial é grande.
Portanto, se você é um autor que fica recluso, não se comunica com as pessoas através de redes sociais e nem comparece a eventos, suas chances de ser bem sucedido no mercado, ou seja, de conquistar leitores são mínimas, mesmo que a editora tenha um bom esquema de marketing para o seu livro. Pode até acontecer de um autor ficar famoso mesmo sendo solitário e introspectivo, claro, mas geralmente é por um terrível golpe de sorte ou pelo fato de seu livro ter a qualidade de um candidato a Nobel literário. Aquele um em um milhão que tanto ouvimos falar.
Draccon no Acampamento Bienal batendo papo com fãs |
Terceiro, quando Draccon mencionou que eles faziam uma varredura nas redes sociais dos aspirantes a autores da editora e que descartavam imediatamente os ditos cujos se estes tivessem feito algum post falando mal de algum outro autor ou comprado briga na internet, muita gente chiou. "Ditadura" e "Censura" foram palavras amplamente ouvidas nos discursos contrários ao que foi dito pelo escritor. E mais uma vez afirmo que concordo com o que Draccon quis dizer. Nesse ponto, devo ressaltar, concordo com o que ele QUIS dizer, não com o que o repórter do jornal entendeu e escreveu ao seu modo com péssimas palavras.
Pois Draccon em nenhum momento deu a entender que era contra a liberdade de expressão. O que ele queria ali era reforçar uma coisa que muita gente ainda não aprendeu a ter: educação na internet. Parece que no terreno do campo real as regras de comportamento são perfeitamente seguidas (ok, nem sempre), enquanto no virtual tudo não passa mais do que uma terra de "Marlboro" (sim, referência western rs). Em outras palavras, um Vale Tudo sem fim onde se diz o que quer, para quem quer, e sem se importar com qualquer repercussão ou sentimentos feridos.
Não é assim que deveria funcionar e, pela educação que recebemos em casa, nós sabemos disso. O problema é que o campo virtual deixa tudo tão fluído e etéreo que as pessoas perdem os limites entre a crítica construtiva e a ofensa. Claro que ninguém é obrigado a gostar de um livro, mas chamá-lo de lixo ou qualquer outra palavra ofensiva já é desrespeito, ultrapassando as bordas do assédio moral. E aí vem a lição da mamãe: não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você.
Logo, mais uma vez reitero o que disse nesse longo texto: Draccon em nenhum momento falou mentiras ou foi arrogante em sua declaração. Tirando, é claro, o oportunismo do jornalista do Globo, suas distorções e péssimas escolhas lexicais, o autor e editor do selo Fantasy só revelou como é o mercado literário atual e suas constantes mudanças. Basta a nós agora, leitores, autores e editores, nos prepararmos para lidarmos com ele, enquanto nossos belos exemplares de Rubem Fonseca repousam na estante como provas vivas de tempos que não voltam mais.
Concordo com o texto, em gênero, número e grau!
ResponderExcluirachei engraçado a polêmica que essa matéria causou, quando na verdade, pra mim, se resumiu a uma informação muito simples: literatura também é negócio. fim. você não quer uma pessoa encrenqueira ligada ao seu negócio, nem um produto ou profissional que não consiga se vender. e as pessoas PRECISAM saber lidar melhor com isso.
ResponderExcluirEis a Guerra Fria: dois lados pouco pensados. Uns crucificam o Draccon, outros louvam sua fala. Eu prefiro a pontualidade: pouco me interessa o que o best-seller falou sobre a publicação de livros, como ele reiterou, de fantasia. Não leio. Mas o suposto benfeitor ou malfeitor cita Rubem Fonseca sem causa, motivo, razão ou circunstância. Em suma, foi a arrogância de um menino no mercado literário e editorial que crê que o tempo seja seu, e a lógica, sua. Trevisan, Coetzee, Roth ("que deus o tenha") e, sim, Fonseca são publicados. A boa arte resiste.
ResponderExcluirE para quem acha-se tão inteirado da lógica capitalista, foi (supostamente) dilacerado pela conduta mercadológica da mídia. De tropeço em tropeço, as crianças crescem, ou não.
ResponderExcluirÓtimo texto. Exatamente isso. Eu conheço o Draccon de vários eventos e já o ouvi dizendo as mesmas palavras. A matéria que foi realmente infeliz. Algumas pessoas não sabem dividir mercado de literatura, incluindo leitores e aspirantes a escritores que almejam o mesmo sucesso do Draccon, mas que o repreende.
ResponderExcluirAbraço.
http://golenerd.blogspot.com
Difícil tomar o partido dele depois de ter lido a matéria editada, até porque, quem não segue ou conhece o Draccon, não viu ou vai ver. Eu mesmo só fui saber, com detalhes da parte dele, depois que li o seu post.
ResponderExcluirMesmo que tenha sido editado, acho que ele foi infeliz ao citar um autor como o Rubem. A má impressão meio que pegou.
Bjs, @dnisin
www.seja-cult.com
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