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sábado, 23 de fevereiro de 2013

[FEITO A MÃO] Motivos Torpes

Olá!
Hoje a Iª Guerra chega para acabar com sonhos e um almoço de feriado em família.


Ou dos poucos da família que vieram.


Motivos Torpes

Esta história acontece num tempo onde o tempo sequer acontecia. Havia uma mulher e uma janela. Muito mais havia, mas eu não me dava conta.
Minha família sempre fazia um grande almoço para comemorar a visita dos Três Reis Magos ao Menino Jesus. Éramos felizes. Mas nada poderia nos prevenir do que viria a acontecer naquele Dia de Reis.
Sabíamos da Guerra e que as tropas francesas queriam nossa região. Alsácia-Lorena para eles e Elsass-Lothringen para nós, o povo alemão. Apesar de nunca termos nos acostumado com a ideia de fazermos parte da Alemanha, a gente só queria paz e que a questão se resolvesse nos gabinetes com mesas de madeira de lei e tampo de mármore Carrara. Éramos tão iludidos com nossas xícaras de chá.
Quando a Guerra começou no ano passado, com a desculpa do assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinand e sua esposa Sofia. Lógico que há muito mais por trás disso. Mas o povo acha a Guerra bela. Pensam que ainda estamos no século passado e receberão louros e glórias no fim de tudo.
Disseram que os soldados voltariam para casa no Natal. A data foi há duas semanas. Era mentira. Meu pai está lá, ao menos eu rezo para que esteja. Afinal, sempre há esperança até que um oficial chegue com a carta derradeira.
Foi no meio do almoço, sem meu pai e tios e alguns primos, que nos vemos hipnotizados por um som diferente. Não era locomotiva, pois não tinha trem nesse dia da semana. Não era automóvel, afinal estava alto demais. Era um...
— Avião?! — Helga, uma vizinha, perguntou-nos, exaltada de felicidade, do outro lado da cerca.
— Deve ser, fräulen Helga Ducont, nós também nunca vimos — minha mãe respondeu, por entre risos.
A cidade toda foi para as ruas ver o que se passava, ou melhor, assistir o avião passar.
Estávamos anestesiados com imagem e som. Como algo tão pesado poderia voar? Só podia ser coisa de brasileiro mesmo. Soltei uma gargalhada, ninguém se surpreendeu, pois muitos riam também.
Foi então que hërr Valda veio correndo e gritando, havia sido mandado de volta por “Esgotamento nervoso”, mas todos viram, e ele sabia, que era porque não tinha mais o braço direito.
— Fujam! Salvem suas vidas! É a morte com asas de ferro! Vai nos matar a todos com as labaredas do Inferno! FUJAM, SEUS IDIOTAS!
Não demorou nem meio minuto para que víssemos a verdade. O avião era inglês e nós, alemães. Para todos os fins, e não importa o que disséssemos ou como agíssemos, todos éramos alemães de fato. E seríamos mortos por isso.
Uma trombeta. Um apito. Tiros. Correria. “A morte com asas de ferro” soltou seu primeiro “ovo” que continha “as labaredas do Inferno”.
Fräulen Helga correu para casa, mas o ovo atingiu a construção assim que ela veio me chamar da janela. A explosão atirou-a atrelada à janela ao meu lado. Caí. Bati com a cabeça. Vi pontos pretos cintilantes onde quer que focasse. Senti o gosto de sangue em minha boca.
Havia uma mulher e uma janela. Muito mais havia, mas eu não me dava conta. Eu só conseguia pensar em meu pai e que talvez já estivesse morto nos campos de batalha ou esquecido em alguma trincheira imunda.
Eu fechei os olhos ao ver fräulen Helga morta e coberta de sangue, a poucos passos de mim, do meu corpo. Em poucos instantes eu seria só mais um corpo entre tantos que já havia pela cidade toda.
Só me lembro que meu último ato em vida, inerte naquela rua que fora tão bem cuidada por tanto tempo... Tempo, não há tempo de fato. Tempo para viver, ser feliz, amar. Como que eu queria poder dizer a fräulen Sofie que a amava...
Para mim o tempo deixou de acontecer, de existir.
Pensei em minha família e disse, sem voz alguma, para que apenas eu e minha alma e Deus ouvíssemos:
— Feliz Dia de Reis...
Fim

até...

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