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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

[NOSSAS DICAS] Revisar Pra Quê?

Acho que todo mundo já deve ter visto/ouvido/lido um autor (iniciante ou não) falando sobre - ou se queixando, vai saber - a dura tarefa de revisar um livro.
Escrever um livro é só 10% do trabalho de qualquer autor - e é, sem sombra de dúvida, a parte mais fácil do processo. Revisar faz toda a diferença em qualquer trabalho escrito, por uma série de razões. E hoje, é sobre esses motivos que tornam a revisão frequente tão necessária que nós vamos falar aqui!

Antes de qualquer coisa, saibam que me parte muito, muito MESMO o coração ter que mostrar isso a vocês. Mas não tem uma maneira mais fácil de exemplificar, então vamos lá.
Pra vocês entenderem como a revisão é importante, resolvemos exemplificar. Vamos mostrar o antes e o depois da nossa escrita. No meu caso (Larissa aqui, gents!) peguei duas versões de um mesmo livro, que na verdade foi muito mais do que apenas revisado - foi reescrito. Mas lendo, vocês vão entender porque isso é tão importante.
Ok, vamos lá. Isso é o que era antes:


Andamos,eu parava pra falar com todo mundo,até que passamos pela mesa em que o Edson estava sentado sozinho,fazendo uma lição de alguma coisa que parecia muito com biologia.Ele estava com os pés sobre outra cadeira e o cabelo estava bagunçado como de costume.A munhequeira do “Metallica” estava suja como no ano passado e o tênis estava ainda mais detonado do que de costume.Mas a Giovanna pareceu não reparar muito nesses detalhes.Como eu só o vi depois que passamos por ele,acabei não dando “oi” a ele.Mas na hora em que a gente passou pela mesa dele,a Giovanna virou a cabeça e ficou vidrada no rosto do Edson.

Esse é um trechinho de O Diário (nada) Secreto, uma história que eu comecei a desenvolver em 2006. É a primeira cena em que a personagem Giovanna encontra o Edson, por quem ela vai vir a ter uma paixonite. E eis o que virou quando resolvi reescrevê-lo em 2010:

Eu fui me juntar às minhas primas e à Bela e, pra minha total surpresa, o Edson veio atrás. Largou a mochila no chão e se sentou entre mim e a Giovanna, que quase não conseguia disfarçar a animação.
O silêncio se instalou por uns instantes enquanto eu e as meninas travávamos uma batalha com os olhos. Virei-me para a Bela.
“Como isso é possível?”, os olhos dela me perguntavam. “Não sei”, os meus respondiam. Então, discretamente, olhei pra Giovanna.
“Ele é gato!”, foi a primeira coisa que pude ler ali, enquanto ela olhava diretamente para o único homem na mesa. Depois me olhou, e a expressão mudou. “Você é genial!”
A Sabrina parecia mais tranqüila. Partilhava da opinião da irmã sobre o Edson, mas não parecia tão fissurada quanto ela. De fato, quando nós nos olhamos, o que eu pude ver foi um “tanto faz”, seguido de um desesperado pedido: “Controle esta maluca!”
Claro, isso seria perfeitamente possível!
Sim, a cena é completamente diferente. Sim, virou outra coisa. E sim, está visivelmente muito melhor.
Dá pra notar problemas gritantes (pelo menos pra mim) lendo o primeiro trecho, que não estão tão constantes (eu acho) no segundo. Repetição de palavras, de termos muito parecidos. Uma absoluta falta de fluência no texto. E, pra mim o mais grave, falta de tato quanto ao tempo das ações.
Só lendo esse pedacinho vocês não teriam como saber, mas isso acontece logo no 1º capítulo na versão inicial do livro - depois que eles já aproveitaram as férias, voltaram pro colégio e foram pra uma festa de quinze anos, tudo em menos de vinte páginas - enquanto que na versão reescrita só vai rolar já no terceiro. Pensem sobre isso. Pensem em tanta coisa acontecendo num único capítulo. Dá tempo de alguma parte ser desenvolvida?
Relendo e reescrevendo, pude prestar atenção em todos esses detalhes. Coisas que, a princípio, enquanto eu escrevia, não faziam diferença, mas que só um olhar distanciado poderiam me oferecer. Levei anos pra revisar, mas nesse período, amadureci minha escrita e, principalmente, o meu olhar pra poder enxergar os defeitos do texto e jogar fora o que não estava bom. O que era, confesso, uns 80% do livro.
Revisar não é só pra corrigir erros de gramática e excessos de palavra. É principalmente pra rever aquilo que o autor, com o olho viciado de meses de trabalho numa mesma história, não percebe de cara - fluência, inconsistências da história, falhas narrativas, diálogos estranhos, tempo dos acontecimentos. E por isso é tão importante que se dê um tempo entre concluir o livro e começar a revisá-lo. Só com o distanciamento dá pra enxergar esse tipo de coisa. E revisar, revisar, revisar.. até ler e se surpreender.

Oi, sociedade! Agora quem fala com vocês é o Douglas Marques (mas pode chamar de Doug!). Assim como a Larissa Linda, também sou escritor (ou finjo muito bem ser, convenhamos!). Como vocês podem ver, o post de hoje é colaborativo, eu e ela, dois escritores publicados, cheios de sucesso, amores, dívidas, frustrações e desgostos (quero chorar!), iremos falar sobre esse processo tão importante que é a revisão. A Lari já deu o recado dela, e agora é comigo.
Quero apresentar a vocês um caderninho que foi muito, muito importante na minha vida:


Vou dar uma palhinha do que está escrito nele:

Era dez horas da noite, uma forte chuva caia, uma forte rajada de trovões assustava o casarão de Hilltown Two. 

Um misterioso fato estava acontecendo dentro do casarão, repentinamente toda a vizinhança ouvira um enorme grito de medo vindo do casarão, mas ninguém se atrevera a ver o motivo, pois o bairro era violento demais. 
Dois dias se passaram, a cidadezinha de Northern localizada ao norte da Inglaterra parara. Um crime acontecera, o suspeito fugira mas um rastro de sangue e medo ficara. 
A policia vai ao casarão, encontra o corpo da primeira dama estirado no chão, morta com três tiros na cabeça. Começa a surgir uma nuvem de perguntas.

Eu sei o que vocês devem estar pensando. QUE-MERDA-É-ESSA? Falta de acentos, tempos verbais confusos, vírgulas desaparecidas, clichês ambulantes gritando pelas páginas mal-escritas. Adivinhem só: é o primeiro livro que eu, esse divo lindo da literatura brasileira, escrevi. O nome era "Assassinato em Hilltown Two". Ele nunca passou da página 40 (quarenta?! Meu Deus, mataria para ver esse livro hoje em dia!), e apesar de ser uma bosta, demonstra muito a importância do que estamos falando hoje, a revisão. 
Imaginem os senhores eu mandando esse livro para editoras diversas e tentando desesperadamente conseguir uma publicação. Se os editores se dessem ao trabalho de dizer "não", para mim, já seria maravilhoso. Acho que até o papel para imprimir o "não" já seria um investimento e tanto por parte da editora... 
Agora imaginem isso revisado, agora, quase dez anos depois?! (Gente, escrevo há quase uma década... snif, estou ficando velho!). Seria completamente diferente... seria melhor. A título de comparação, olhem esse trecho de 3K, meu último livro (estou no oitavo!), revisado no mês passado:
Talvez o mais sádico ramo da irrefreável loucura de Kristine O'Hare tenha sido sua rapidez contagiante. Numa noite, sua estranheza limitava-se ao fato de negar o retorno da irmã. Na seguinte, mal era capaz de colocar-se de pé e pedir por um copo d'água.

[...]
Para o pai, tudo o que Kristine era agora se resumia em convulsões noturnas. Para ela, todo sonho era valsa constante com um cisne por Tchaikovsky. Cada debruçar-se sobre a imensidão aquática do lago tomado pelas aves era como o reconhecer imediato da própria existência. Virginia Woolf sentiria inveja das pedras que era capaz de carregar sem que elas a pusessem abaixo de toneladas de água. 
Tudo isso depois de uma boa revisão e muita, mas muita prática. Ou seja: tão importante quanto a revisão é a prática. Entre Assassinato em Hilltown Two e 3K transcorreram oito anos, não foram oito dias. Mas isso é assunto para outro tópico. 
Pessoal, se eu pudesse dar uma dica de revisão seria: faça da caneta vermelha, do marca-texto e dos post-its (paixão eterna!) seus melhores amigos. Não cuide apenas do texto, da qualidade estilística, mas sim da continuidade (personagens que morrem e reaparecem não são necessariamente aceitáveis em qualquer história, sociedade!), além da construção do próprio enredo. Pode adiar uma cena? Reescrever outra? Mudar uma fala de lugar? Não tenha preguiça.


Mas a Larissa deu o que talvez seja a principal dica desse tópico: deixe o seu texto esfriar. Não tente terminar o livro/conto/poema hoje e revisar amanhã. É importante esquecer o que foi escrito, se surpreender com as próprias palavras. Do contrário, a revisão não vai adiantar muito.
Um último toque pessoal: imprima o texto. Revisar no papel além de muito mais prazeroso é mais prático. Assim você não apaga algo e se arrepende depois! 

Beijo beijo, galera. Comentem e tirem as dúvidas porque nós, a equipe de escritores superdinâmicos e fracassados estamos aqui para ajudá-los!

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6 comentários:

  1. Gente, adorei. Sério. Achei a postagem lynda e super útil mesmo. Nunca pensei em revisar no papel, mas acho que é uma maneira diferente mesmo que talvez dê certo!

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  2. Também achei linda a ideia de revisar no papel, meu pai é viciado em fazer isso (quando ele tava escrevendo a monografia, ele imprimia todas as 40 páginas tooodo dia). Eu acho pouco eco-friendly,mas imprimir só uma vez (ou ok, duas) é perdoável (apesar de o livro não ter 40 paginas).
    Minha professora de português fala que todo texto recém-escrito é o melhor texto do mundo, que você fica numa vibe "oooh, que obra prima! Isso é muito mais que uma dissertação pro enem, eu devia publicar numa revista científica! É quase uma tese de doutorado!"
    ... e meia hora depois, o texto é completamente "diferente" e você acha muiiito o que corrigir. É essencial deixar o texto esfriar, eu concordo plenamente.

    Eu odeio revisar. Tipo, se eu reler esse comentário agora, certamente terão coisas que eu quererei (quererei é tosco, fala sério) mudar para que fique mais claro, fluente, agradável, interessante... Mas agora eu to com preguiça, então beijo.

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    1. Mel, é menos pior se você puder colocar tudo pra reciclar depois. Ou imprimir no papel reciclável também. Há meios.

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  3. Adorei o post, também achei útil.
    Às vezes escrevo contos, para passar o tempo. Só que sempre que eu começava a escrever algo interessante, eu parava pois ou estava ocupada, ou perdia a inspiração e fica sem criatividade.
    Mas como estava sempre salvando meus arquivos, tive a oportunidade de abrir arquivos antigos e começar a ler. É incrível as coisas que eu escrevia antes. Quando reli, notava que poderia montar as frases de um modo diferente, para ficar mais direto. Notava meus erros gramaticais, erros de concordância, etc.
    Revisar é fundamental. Não tem como escrever um rascunho perfeito porque rascunho sempre será rascunho, mas ao longo das revisões,cada vez mais, notamos os nossos erros e assim podemos corrigi-los :)

    De verdade, adorei o post. Muito legal!

    Beijinhos,
    Thais Priscilla
    http://thaypriscilla.blogspot.com

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  4. ADOREI o post. Também sou escritora e quando pego meus cadernos antigos quando comecei a escrever, dá vontade de chorar com a escrita pobre e os clichês que enfeitam a história o tempo inteiro.

    Ótimas dicas!

    Beijos!

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  5. Post mais que útil! Fico bem chateada quando percebo, ao longo de um livro, que não houve um trabalho dedicado de revisão. É desencorajador, principalmente quando o livro tem tudo para ser excelente. Também achei muito boa a dica de deixar esfriar o texto. Acho que isso funciona com qualquer trabalho escrito, não importa o domínio.

    bjs
    livrolab.blogspot.com

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