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sábado, 12 de janeiro de 2013

[FEITO A MÃO] Mãozinhas

http://images.idiva.com/media/guylife/photogallery/2011/Dec/makeoverthumb_320x240.jpg Em sua escola, você deve ter conhecido alguma pessoa com uma maior ginga para costura ou para fazer seus cabelos ou para fazer sua maquiagem. Normalmente, essa ajuda vai para meninas, mas esse não foi o caso de Paulo. Bianca é uma menina pomposa que o ajudou em certos momentos no tempo de sete meses.
E é ela de quem ele se relembra.

Mãozinhas



   Já comia as lascas da manga que havia encontrado na passagem da estação de ônibus até a rua da escola. Pedi a uma moça da cozinha para me ajudar e dei a metade da fruta para a mulher comer.

 - Eca! – A menina repulsava. - Manga mancha roupa, sabia?

 - Não vou pegar em você, se é o que quis dizer. - Informei Bianca, indiferente pra a careta que a cabeça de vento fazia atrás da cadeira. - E nunca tive essa pretensão.

- Não é isso! - Ela disse exasperada, puxando meu cabelo com mais força. Quase engasguei com a manga, caramba! Queria me matar? - Você vai estragar todo meu trabalho se sujar essa roupa, seu sapo seco!

   Demorei a me recompor. Quando o fiz, franzi minha testa em ironia.

- Hã, sapo seco?! - Minha voz se alterou quando ri cínico. - Você mesma havia dito que tudo que toca vira uma obra-prima!  

   Os outros do camarim nos encaravam espantados. Pelo espelho, vi as mãos dela ajeitando os cachos para parecerem bagunçados e ela parecia pôr um monte de empenho para deixá-los como queria. Ela havia cortado meu cabelo na altura dos ombros.

   Bianca fechou os olhos com força.

- Foi há sete meses! - Bufou, tentando acentuar os cachos. Vi que suava. Não sabia pra que tanta irritação. - Sinceramente, Paulo, sua personalidade é rabugenta! Por mais que possa te fazer mais jovem, nunca vou conseguir te mudar!

- Gente, vão com calma aí... - Pediu o garoto que seria o protagonista da nossa peça, Igor. Havia um chapéu com pena na cabeça. - Estão fazendo muito barulho.

   Revirei os olhos. “Não é culpa minha”, pensei, “ela está bem afobada ultimamente”

- Desculpa se eu não consigo ser delicadinho... - Suspirei cansado ao me entreter amargo com a última lasca, antes de limpar meus dedos com um guardanapo de papel.

- Perdão. - Bianca disse envergonhada ao se encolher. - Já estou acabando, Igor. Não demorarei a liberar o Paulo. - E seu foco voltou caloroso para minhas mechas ruivas. Não sei por quem, mas notei um tom avermelhado no rosto dela.

   Senti culpa. Aquela menina queria me ajudar. Nunca a pedi para fazer algo por mim nos sete meses anteriores. Minha mãe gostava de meus cabelos longos, pois os achava parecidos com os da irmã que a abandonara. “Corte-os apenas quando se tornar um homenzinho disse no hospital”, pondo-me próximo da cama para poder os pentear enquanto víamos desenhos na pequena televisão do quarto.

   Por conta disso, mantive-os assim que ela morrera. Meu pai fora inicialmente contra minha decisão, mas, ao ver em respeito aos desejos de mamãe, não me impedira mais. Só lançava olhares solenes quando alguém na escola me fazia de piada. Por causa dos meus cabelos ruivos presos em rabo de cavalo, fui chamado de Princesa Ariel várias vezes.  

   Até que Bianca os visara na sala de aula. Era uma aluna transferida de um lugar que ninguém ouvira falar e nossos colegas fizeram montinhos para conversar com ela.  Nunca tivera interesse nela ou em seu cabelo loiro, pois havia me acostumado a ficar sozinho. No entanto, ao ver sua nota baixa em Química, ela me caçara na hora do lanche e propôs que a ajudasse nos estudos em troca dela me ajudar no cabelo, na roupa e maquiagem.

   Não era um bom começo de uma amizade, pois assim que ouvi as palavras dela...

   “Desculpa, mas...”,já pegava minha merenda para fugir. E a teimosa não ouvia um não. Insistira incansavelmente para ajudá-la, explicando-me que, caso não tivesse os melhores resultados no boletim, deveria ir para sua terra natal. Houve choros irritantes. Só então cedi.

   Depois de um mês a fazendo prestar atenção nas minhas explicações sobre as matérias onde ela possuía dificuldade. Estranhava que Biologia, Geografia e História fossem exceções. O local do reforço fora uma mesa perto do refeitório. Usava minhas anotações detalhistas sobre cada aula que assistia para fazê-la entender.

   Nos tempos vagos, Bianca tentava persuadir uma conversa. Descobri que a garota adorava tudo que fosse relacionado ao mar. Não entendia como descrevia bem quando mal se atentava às aulas do nosso professor biólogo. Estudava em casa e era acostumada a aprender o que pudesse viver. Concluí que a loira havia morado em uma ilha.

   Isto quando o boletim dela viera com notas azuis. Quando ela me mostrara, apenas abaixava meu olhar, apanhava um livro do Pedro Bandeira para ler e só disse “Se tudo deu certo, então acabou”. Não me leve a mal, mas não desgostava dela. Até me afeiçoei. Era um sentimento que achava parecido com o para minha mãe.

   E...  Mamãe... Ainda me doía pensar nela. E ver Bianca não me ajudava.

  Só que, como vocês podem ter visto, a garota não aceitava um “Não significa não!”. No dia seguinte, o coordenador de pátio corria seus olhos atrás de nós com um interfone na mão dizendo nossos nomes mais de cinquenta vezes. Por conta disso, exilei-me na biblioteca no intervalo e na aula tentava escapar do aperto dela no pescoço. Não houve um momento em que meu pai, olhando minha agenda escolar, não imaginasse:

   “Meu filho virou um delinqüente”, podia vê-lo desabafar com a sua namorada.

   Mas não me arrependia de minha decisão de evitar Bianca como podia. Por mais que fosse impossível. Em uma vez, ao passarmeus dedos pelos livros da sessão recente de literatura estrangeira, enxerguei-a me observando pelo vidro que a separava da biblioteca. Havia os garotos populares na sua órbita. Entreolhamo-nos por um momento, antes que eu fosse suspirar e voltasse minha atenção para tentar achar o recém-chegado livro da Diana W. Jones.

   Pergunto-me se fora destino: Ao passar as mãos pela estante, encontrei com outras bem finas. Pestanejava confuso e fui ver quem estava ali também. Era uma garota de cabelos morenos ondulados e olhos de cor de mel. Seu sorriso largo me parecia tão cativante que tive a impressão de que era a primeira vez que não tinha uma palavra pensada para trocar.

   Depois que conversamos sobre literatura e que resolvemos estipular um tempo para que nós dois pudéssemos ler confortavelmente ‘O Castelo Animado’, sai apressado da biblioteca para poder tentar tomar um ar. Eu me sentia tão estranho. Meu coração era um carnaval. Olhei por cima do meu ombro para os portões da biblioteca e, depois, para minha frente.

   Surpreendia-me que, em um ímpeto, Bianca estivesse ali com os braços cruzados e um sorriso melindroso nos lábios róseos. Como soubesse exatamente o que aconteceria.

   “Paulinho, você está sem graça até agora”, ela comentou quando chegamos à porta de sua casa. Estranhava a moradia. Não havia lâmpadas na sala. O local era todo cercado de velas perfumadas e aquilo me lembrava um aquário. “Aquela garota surte tanto efeito assim? Qual encantamento ela usou?”

    “Bianca”, comecei controlado, “desde quando você não tem energia?”

   Ela me encarou. “Tenho sim. Só que preciso economizar”

   Espiava-a com curiosidade. “Pra quê?”, assim que questionei, a loira deu uma risada.

   “Siga-me”, gesticulou animado ao jogar sua mochila no sofá e ir até a porta dos fundos.

   Quando Bianca girou a fechadura e me mostrou o quarto, compreendi. Se a sala já era estranha, o quarto superava: o chão era feito de vidro e havia tijolos de vidro coloridos nas paredes, além de haver um aquário monumental em um lado. Perto da penteadeira, havia uma grande coleção de conchas e uma cadeira rolante. Um lustre azul iluminava no teto, este decorado com pinturas que pareciam borrões de algum palácio mirabolante no fundo do mar.

   “...É viciada?”, fiz a pergunta que pareceu inconveniente, pois a loira torceu o nariz e me deu um empurrão até a cadeira. “Primeiro sabe de biologia marinha mais do que nosso professor e agora parece alguém que sonha com sereias”

   “Isso não é um sonho!”, ouvi-a protestar com o rosto todo vermelho antes de resmungar algo sobre insensibilidade. Revirei os olhos. Em primeiro lugar, ela é quem me trouxe. “É um modo de...”, vi-a umedecer os beiços, “Não sentir saudades de casa e ser quem quero...”

   “Eram pesquisadores de vida marinha?”, indaguei, girando a cadeira para vê-la melhor.

   Observei-a abrir a boca e, depois, fechar. “Perto disso”, disse de forma vaga ao desviar o olhar para uma das gavetas do armário ao lado da penteadeira para começar a revirá-lo. “Preciso que você desamarre seus cabelos para eu fazer uma coisa neles”

   “Agora?”, levantei minhas sobrancelhas, “Achei que tivesse me convidado para um chá.”

   “E você esperava que fôssemos conversar sobre como você é um desastre com as garotas?”, vi-a estreitar os olhos com sarcasmo. Passei a mão pelo rosto. Putz. Havia esquecido que a menina era uma lunática. “Não, senhor! Fazer uma menina te notar leva muito trabalho. Além disso, achei roupas que são a sua cara”

   “Não acredito que procurou esse tempo todo”, respirei fundo e pus as mãos no colo.

   Ela parou de juntar as ‘piranhas’ nas mãos e se virou para mim. Havia um pente fino no bolso direito da calça e um secador preso na cintura.

   “Bem”, prendia o cabelo em um rabo de cavalo com os olhos fixos nos meus, “prometi que o ajudaria. Além disso, por mais orgulhoso que você seja, tem que admitir que não tem chance”

   “Olha”, suspirei ao erguer meu queixo, “obrigado, mas não. Só quero falar com ela”, sacudi minha cabeça negativamente, “Acho que transformar a aparência para ser notado...”

   “Transformações”, ela pronunciou com tom de alerta, “não são apenas para as pessoas serem notadas. Mas sim para terem uma boa visão de si mesmas e uma boa auto-estima”

  “Então, não preciso”, disse com simplicidade, dando-me de ombros, “Não preciso de transformações para confiar em mim mesmo. Sei que o que quero é só uma conversa, não...”

   Bianca apenas inclinou a cabeça de um lado para o outro em descontração.

   “O importante aqui é que vai precisar de mais para fazê-la sair contigo, boboca”, só então percebi que a garota se localizava atrás de mim com um pano que os cabeleireiros põem em seus clientes quando vão cortar cabelos. Engoli em seco. “Além disso, que meninas vão se atentar para um rapazinho com pontas duplas? Ser ruivo e ter sardas tudo bem, mas...”

   “Você não vai cortar meu cabelo além de um ‘pouquinho’”, quis saber, “vai?”

   “Preocupado com sua mãe?”, ela me girou ao me encarar pelo espelho.

   Não respondi. Ao invés disso, desviei meu olhar e senti um calor familiar no meu corpo. Bianca ficou um tempo medindo os comprimentos das mechas. “Posso cortar o suficiente para mantê-lo longo”, sorriu ao balançá-lo. Dei-a uma careta de advertência. “Você cuida sozinho?”

   “O que você acha?”, suspirei irônico ao me afundar naquela cadeira.

   “É bem bonito ele”, estranhei, pelo espelho, vê-la contente enquanto falava, “Se minhas irmãs o vissem...”, ajeitava as mechas com o cabo do pente e as ‘piranhas’ de cabelo.

   “Suas irmãs?”, tossi antes de perguntar, surpreso. Tentei imaginar garotas que parecessem com Bianca... Socorro. “Elas não são loucas por roupas, maquiagem e cabelo, são?”

   “São”, a loira respondeu com inocência, “por quê?”

   Resolvi não dizer o que se passava pela minha cabeça. E não protestei mais. Apenas a espiei tratando dos meus cabelos no que pareceu uma eternidade. Fui movido para o seu banheiro para lavá-los de um mousse fedido de ervas especiais marinhas e depois para um hidratante com um cheiro muito bom de morango que inibiu o odor antigo. 
   
   Durou uma tarde toda ficar embaixo de ar-condicionado e ouvindo-a assobiar. Nesses momentos, admirei as melodias. Pareciam harmônicas a ponto de me deixar bastante calmo. Os peixes do aquário pareciam entrar em um transe de ‘paz e tranqüilidade’ quando ela cantava.

   No dia seguinte, encontrei-me com a garota por quem havia me apaixonado. Seu nome é Denise. Esperava-me com o livro perto dos olhos. Encontrávamos no jardim na frente da escola, perto da estátua de um marinheiro. Seu olhar estranhou que meu cabelo tivesse diminuído alguns centímetros. E que eu tivesse uma franja e o resto do cabelo em uma trança. Também achei desnecessário Bianca ter acrescentado um uma pulseira de prata ou ter “revisto meus poros”. No entanto, eu ainda era eu e assim mantive contato com a morena.

   Nos primeiros encontros, conseguíamos manter. Entretanto, ela foi gradualmente se afastando e apenas falava palavras curtas. Havia se aproximado de um garoto de cabelos curtos que não gostava muito de ler, mas que a chamava de vários apelidos carinhosos. Igor.

   “Ainda me pergunto por que eu fui convidada”, resmungou Bianca na festa do segundo casamento de meu pai. Trajava um elegante vestido salmão e batucava suas unhas na mesa. Recusava a qualquer carne. Mantivera-se com copos d’água. “Se vocês estavam tão distantes, por que não a convidou ao invés de mim?”

   Beberiquei o guaraná. “Sabe o que descobri?”

   A loira me encarou. Escutávamos uma música de valsa e Bianca estivera espiando cada casal que dançava na pista. “O quê?”, quis saber com um pouco de raiva. Não sabia a razão de ela estar assim. 
“Ela me via somente como um amigo”, desabei. “Quando fui atrás dela para conversar, acabei dizendo sobre como me sentia e... Olha só quem foi rejeitado?”

   “Isso é triste”, repentinamente, a raiva dela se esvaiu. “Mais ainda quando você ainda fala com ela”. Notei uma ponta de satisfação quando ela disse isso. “Mas... por quê?”

   “Sei lá”, ri sem a olhar, “é a primeira vez que me sinto próximo de alguém por anos”

    Acho que pude realmente experimentar isso no que aconteceu naquele dia, a da peça da escola.

- E... Prontinho! - Bianca sorriu radiante. Ela me mostrou a parte de trás do penteado. - Com essas roupas bufantes, esse cabelo nobre e...  – Riu maliciosa. - Esse bigode charmoso... Você parece mais adulto, milorde!

   Revirei o olhar ao seguir o bolo de atores. Mas notei que ela ia à direção contrária. Para a saída que a levaria ao pátio. A loira sussurrava aflita no celular com cenho franzido com o pai.

- Onde vai? – Peguei em seu ombro. - A turma toda tá indo pra o outro lado.

- Fiz uma prova, lembra? Não preciso da peça para a nota. - Ela me contou apreensiva e passou apressada os braços no meu pescoço. Surpreendi-me com a rapidez. Entreolhamo-nos com gravidade e ela apressadamente me deu um beijo na bochecha. - Tenho que ir. Desejo felicidade para você, viu? - Falou ao me segurar minhas mãos, apertá-las decidida com firmeza e ‘voar’ à porta dos fundos. – Adeus, sapo seco!

   Eu ia a seguir para ter minhas respostas, mas o pessoal me parou para avisar sobre a peça. Aquela foi a última vez que a vi. Depois disso, a vida prosseguiu como ela não existisse mais naquela escola ou nessa cidadezinha. No entanto, nunca esqueci o aperto quando olhei por cima do ombro e vi espuma esparramada no chão.

 FIM

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7 comentários:

  1. Olá, divulga pra mim? Estou começando...
    http://ficeuodeioamileycyrus.blogspot.com.br
    Obrigada!
    Bjos

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  2. Respostas
    1. :) Vaaaaaleeeeeeu, Alice ô/
      Eu meio que tentei indicar através de alguns elementos da lenda da "Pequena Sereia". Meio que fiz o conto depois que fiquei maravilhada com Ponyo, que também é mais-ou-menos inspirado em A Pequena Sereia <3
      Eu me sinto feliz por ter gostado :D

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  3. Adorei, Lucie! Acho que esse é, de tooodos os seus contos, o meu favorito! Incrível.

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    Respostas
    1. Awwwwww, obrigada Mel <3 Não sabe o quanto ver vocês aqui me deixa feliz <3 Vai vir maaaais contos meus por aí :| Aqui e no skoob -q

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