O dia começou como qualquer outro, todas as preocupações na cabeça e
quase um temor pelo fim da semana. Coloquei a música no último volume, para
esquecer do mundo. Meu ônibus chegou, entrei como qualquer outro. Resolvi ficar
no fundo, coisa que nunca faço, pois, como qualquer outra coisa na minha vida,
prefiro ficar na porta - insegurança. Foi quando eu o vi, sentado no canto,
misterioso.
Parei perto, quase como se fosse, magneticamente,
puxada. Cabelos castanhos escuros, bagunçados pro lado. Barba quase que rala
emoldurando seu rosto rígido. Sobretudo preto, aumentando o ar de mistério de
sua feição. Branco, quase pálido e com um olhar capaz de fazer você morrer de
amor pelo menos trinta e nove vezes, em apenas uma hora. Aquele tipinho de
vampiro de ficção romântica, que encanta qualquer menina de dezesseis anos, e
mesmo que já não tenha mais tal idade, aquele olhar te fará voltar a ter.
Mas, o que mais me chamou a atenção foi que ele
tinha um livro nas mãos. Homem misterioso algum deveria ser permitido ler
livros em público. Não basta ter um olhar que te devora, ainda usa de um livro
na mão. Golpe baixo pra imaginação de qualquer mulher. Cheguei mais perto, ele
me olhou, provavelmente, por causa do meu sobretudo rosa. Nossos olhares se
cruzaram, por meio segundo. E nesse meio segundo, me apaixonei perdidamente.
Vagou um lugar atrás dele, tive que resolver rapidamente se iria ou não. E fui.
Acabou sendo melhor, dali conseguiria observá-lo sem ter que desviar o olhar
quando preciso.
Então, tinha a visão de seu cabelo, sua orelha e
seu livro. E o mais importante, o jeito que o manuseava. Ele lia, e arrumava as
sobrancelhas; esfregava os dedos antes de trocar de pagina, como se estivessem
coçando de ansiedade para as próximas palavras; acariciava o livro após virar a
pagina, e eu desejei ser aquele livro. Me dei conta de que apertava e
acariciava meu celular também. Ele se movia como uma sinfonia. Me lembrei que
ainda ouvia musica; " I can't believe how you looked at me with your
James Dean glossy eyes...".
Percebi o que ele me lembrava, mas essa lembrança
nunca seguraria um livro, se não fosse com mais dois para jogar pro alto.
Resolvi não colocar cargas passadas nessa nova paixão de olhos cativantes,
quase demoníacos, hipnotizantes. Pensei na possibilidade de amanhã encontrá-lo
de novo, mas mudei de pensamento. Prefiro paixões avassaladoras de duas horas
no máximo, não sei lidar com paixões de tirar o folego.
Resolvi que queria ser notada, achei loucura no
princípio, mas consegui me convencer rápido. Levantei, mesmo faltando muito
para minha parada. Me pus na sua frente. Comecei a observar a rua que tanto
amo, e depois de tanto lutar contra meu olhar, me permiti passá-lo sobre ele,
que olhava com uma certa curiosidade pra mim. Pronto, amor correspondido. Me
sentia completa. Ele fechou seu livro, levantou e desceu do ônibus. E foi
quando nossa paixão acabou. Pensei pela última vez em seu livro quase
terminado.
Existe algo mais delicioso do que um livro e seu
último capitulo?! Posso afirmar que sim, existe o garoto do livro. "... eu
adoro um amor inventado."
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