Tive um insight nesses dias, relembrando-me de um conto bastante antigo dos tempos da NRA-orkut que era uma adaptação do conto de fadas Cinderella. Daí pensei em refazer pra postar aqui, mas tive um segundo insight ao escutar essa música da Kerli e a ideia passou a se desenvolver pra algo diferente, mas ainda interessante :)
Daí, com vocês, ta-ra-ra-ram, Precipitação~
Diferentemente de muitos contos que postei até então, será um conto único (se bem que não sei se tem um final este aqui) ~ A história é de uma menina que durante uma festa formal tenta prevenir o que acha que pode acontecer por conta de um sonho, o que a fazia acreditar que a Morte estivesse perto da pessoa amada.
Precipitação
Na noite passada, tive
um sonho que me faz espiar vagamente o relógio dourado no extenso hall de
entrada da mansão dos Ávila. Geralmente não sonho tanto pela minha família
trabalhar árduo bastante cedo e pelo cansaço me fazer esquecer das coisas assim
que meus olhos se abrem: pertenço a uma linhagem antiga de pessoas que se
dedicam a serem servos há umas três décadas para a família residente desta
casa. Pode ser um detalhe que cause espanto no século vinte e um, o que posso
entender.
Antigamente possuía na
cabeça a convicção que eu merecia uma vida considerada melhor, uma vaga na faculdade
de Direito, estágios e um trabalho bem pago. Não tinha coragem para revelar
minhas pretensões de cara para meus avós, as pessoas que me criaram desde bebê
enquanto desempenhavam funções de empregados da família, mas sabia que tinha
capacidade de conseguir uma carreira muito boa.
Pelo menos, foi o que
pensei até conhecer a filha mais velha dos donos da propriedade. Chama-se
Eugênia e as bocas dos vizinhos comentam a respeito de seu olhar pungente.
Porém, conhecendo-a, eu me vi sem volta. E é por essa pessoa ser preciosa para
mim que não esqueço.
Eu não esqueço da cena,
a que ocorreu aqui: entre homens e mulheres da alta sociedade, risadas e
conversas de interesses, segredos que comportam o jardim e também embaixo
desses céus negros nebulosos. As lâmpadas dos lustres que antecedem as escadas
gêmeas, as quais dirigem até a uma porta por onde os casais dão seus convites, veem
seus nomes e vão para dentro da festa. Por aqui, ouço os toques do grupo de
orquestra, cujo condutor é um grande amigo da patroa. São sons que fazem a
imaginação dissipar, explosões que vão dos ouvidos ao coração.
Entretanto, dois
detalhes me fazem ficar extremamente inquieta agora:
― Me conta uma coisa,
Ariane... ― meu irmãozinho de quatorze anos, Carlos, diz enquanto ainda estamos
na fila: formos convidados pessoalmente por Eugênia, quem nos deu imposições de
que vestíssemos os trajes que nos oferecera. ― Que história é essa de você ter
me indicado pra a Princesa para ser seu acompanhante?
Ele tem o hábito de
esquecer que sou incapaz de pronunciar minha voz. Não que não possa narrar por
outros meios, só que... Sou muda desde bebê. E sinto que o menino não espera a
resposta, como o noto apenas aborrecido. De certo, tenho outras opções de
companhia, mas logo me recordo que são rapazes que não miro com misericordiosos
olhos, o primeiro por tentar me coagir uma vez e o segundo por estar como um
mosquito na órbita dela. Princesa, eu
e meu irmão a chamamos assim.
― Suas senhas, por
favor? ― ao lado da porta com cortinas vermelhas, há um jovem alto e sério de
um porte que tenho certeza ser capaz de arranjar briga.
Eu viro meus olhos e
minhas mãos até minha bolsa-carteira prateada, uma cortesia de vovó de um acessório
que minha mãe costumava usar muito em seus tempos de jovem. Não sei se mamãe se
importaria, como faz muito tempo que morreu junto com meu pai e que ninguém
sabe como eles faleceram. Mas agora minha prioridade é outra, então estico meu
braço pra dentro e retiro dois bilhetes para entregar ao moço.
― Podem dizer seus
nomes? ― ele retira o laço de carmim que nos separa da porta, contudo sua mão
ainda para o peito de Carlos, quem o olha com uma careta enjoada.
― Cara, ― o outro reclama. ― você nos conhece desde que éramos moleques,
por quê a gente precisa dizer? ― em reprovação, dou um chute sutil nele. ― Aaaah,
tá legal, eu falo... Carlos e Ariane Rocha, memorizou aí? ― eu o encaro.
“Precisava realmente
dizer desse modo?”, arqueio uma sobrancelha assim que vemos Reinaldo nos dirigir
uma expressão altiva, ajustar seus óculos, observar a lista, rabiscar algo e
suspirar ao abrir espaço para penetrarmos na outra atmosfera. Com um de seus braços
nos meus, meu irmão me atira um olhar de aviso quando me vê com a atenção
dividida entre a porta e o imenso relógio a metros atrás de nós. “Por um lado,
preciso ficar mais próxima de Eugênia, mas por outro... Não era logo diante
daquilo que vi a cena?”, mas não demora um minuto para eu mover os pés para
longe e vislumbrar o luxo.
Não o luxo no qual
gostaria de coexistir; no entanto, foi neste lugar em que se cunhou a Princesa,
logo não tenho direito em abrir minha boca indigna para mastigar o fado. Só que
ainda pressinto uma coceira, uma que me diz que essa sinfonia camufla demais,
que alguns sorrisos são dúbios e que possivelmente essas roupas sejam supérfluas.
Trajes mostram graça no espírito? Com minhas recordações, alcanço rostos com os
que topo desconforto. Também noto alguns olhares, quando cumprimento junto com
Carlos, que simulam amabilidade, ainda que alguns sinais delatem o inverso.
Além dessas circunstâncias, recebo felicitações de senhoras, de rapazes e de moças,
o que me faz pensar no vestido cândido que Eugênia me deu.
― Sabe, irmã, eu estava
me perguntando... ― meu caçula começa a dizer assim que me descobre olhando
para minha roupa. ― Como é que ela soube de roupas com nossas medidas? ―
sentado na mesa em que nos encontramos com alguns outros empregados da família,
o menino repentinamente dá atenção à gravata.
Ele me olha esperando
por uma resposta, como os demais estão entretidos em assuntos que não
alcançamos. Assim, resta-nos a nós mesmos, só que tampouco eu tenho uma
resposta especifica. Apenas chacoalho meus ombros, não sabendo.
― Eu sei que tem uma costureira para nos dar
aquelas roupas, quem seria aquela Eulália... ― Carlos continua, a testa se
franzindo e a voz tentando ser precisa. ― Só que, quando ela faz... Noto que
tem umas linhas que ficam de fora... Já nessas roupas, achei estranho a
costura... ― eu o olho intrigada. ― Você não tentou me sinalizar uma vez sobre
uns kits de costura no quarto da Princesa?
Fico calada por algum
tempo, refletindo: “O que quer me dizer?”, até me surgir uma luz e eu olhar com
certa surpresa para o vestido. Dá uma imensa vontade de tocar e por isso roço a
textura dos dedos na roupa. Molho um pouco meu lábio pelo anseio. Essa roupa
teria sido... Feita especialmente para mim por... Ela?
― Ariane...? ―
perguntou-me meu irmãozinho enquanto, ele diante de mim, acenava.
Eu o olho e parte da apreensão
dele some. E então, pestanejo com a intuição de que algo mudou. Há silêncio,
mas vejo expectativa em muitos olhos alheios. Agora, noto também um garçonzinho
taciturno que tenta servir à mesa: pelo seu olhar disfarçadamente ácido, talvez
eu divaguei sobre Eugênia por tempo demais. Depois, espio para cima, vendo a
estrutura de pedaços de vidro colorido e também de dois outros andares, e logo
após a frente. Ali, está a orquestra em conjunto com algumas decorações de rosas.
À parte e com microfones, existem algumas pessoas falando.
São os homenageados, é
o que penso ao esticar meu pescoço para observar as pessoas que estão na frente
das vidraças antigas. É um senhor honrado, é uma mulher majestosa, é uma garota
altiva e é um rapaz audacioso. Eles todos estão com vestes formais que parecem
contrastar com suas personagens, contudo são as de Eugênia que me chamam a
atenção. Ela está trajada de branco e há uma ornamentação de flores em suas
tranças, além do braço do garoto envolvido em um de seus braços. Os olhos dele
pairam relativamente nos convidados, até chegar a um ponto em que seu foco é a
portinha.
― Agradecemos a todos
por comparecerem à comemoração de Páscoa presidida pelo meu pai, Antônio Ávila,
a fim de arrecadarmos fundos para os trabalhos do Centro Comunitário Allan
Kardec para com as crianças com doenças terminais. ― enquanto isso, Eugênia abre
os lábios para um sorriso condolente, assim recebendo bons comentários de
diversas bocas dos que se ergueram das mesas. ― Como também à presença de
grupos que se disponibilizaram a nos ajudar para festejarmos com nosso melhor ―
seu olhar está no grupo de orquestra e também em outros pequenos grupos de
bandas locais. ― e também a nossos patrocinadores de hoje.
Depois, todos viram
suas atenções para a portinha, lugar em que se encontram criancinhas com almofadas
com embrulhos de diversos tamanhos. Elas vêm em pares e andam reto até onde se
encontram as quatro pessoas. Ainda assim, estranho que, mesmo com todas indo
para baixo, o garoto próximo de Eugênia ainda olhe para cima.
― Tenho um mal
pressentimento... ― meu irmão Carlos expressa bem o que imagino, sua testa se
franzindo em desconfiança e os dedos percorrerem até uma parte volumosa perto
de seu peito. ― Ariane, dá uma olhada naquilo! ― ele aponta com o olhar para
além das quatro pessoas, em um espaço fora das janelas: lá, está uma espécie de
floresta particular da família a qual servirmos e consigo distinguir alguns
pontos vermelhos de luz e algumas sombras tenebrosas a alguns metros distantes.
Com receio e minha
mente apitando sinal de perigo, viro-me para o meu redor a fim de tentar
sinalizar às outras pessoas sobre o que está para acontecer, entretanto observo
uma boa parte delas, exceto as quatro figuras – com Eugênia olhando alarmada
para uma das criancinhas, a que retira um objeto estranho do bolso –, com os olhos fechados, uma respiração sutil e suas mãos
segurando nas xícaras de um líquido com cheiro de camomila.
No minuto seguinte, no
silêncio da multidão e no badalar da meia-noite, ouço o ruído furioso de balas
rebatendo lâminas e corro para assegurar que não possa ocorrer nada semelhante
ao meu sonho.
FIM
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Muito bom esse conto
ResponderExcluirParabéns
Já estou seguindo ;)
Beijos
@pocketlibro
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Weeeee
ExcluirOi Angela, valeu :P