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domingo, 1 de dezembro de 2013

[FEITO A MÃO] Precipitação

Tive um insight nesses dias, relembrando-me de um conto bastante antigo dos tempos da NRA-orkut que era uma adaptação do conto de fadas Cinderella. Daí pensei em refazer pra postar aqui, mas tive um segundo insight ao escutar essa música da Kerli e a ideia passou a se desenvolver pra algo diferente, mas ainda interessante :)

Daí, com vocês, ta-ra-ra-ram, Precipitação~


http://www.deviantart.com/art/Thoughts-behind-the-scene-60687932

Diferentemente de muitos contos que postei até então, será um conto único (se bem que não sei se tem um final este aqui) ~ A história é de uma menina que durante uma festa formal tenta prevenir o que acha que pode acontecer por conta de um sonho, o que a fazia acreditar que a Morte estivesse perto da pessoa amada.

 Precipitação

Na noite passada, tive um sonho que me faz espiar vagamente o relógio dourado no extenso hall de entrada da mansão dos Ávila. Geralmente não sonho tanto pela minha família trabalhar árduo bastante cedo e pelo cansaço me fazer esquecer das coisas assim que meus olhos se abrem: pertenço a uma linhagem antiga de pessoas que se dedicam a serem servos há umas três décadas para a família residente desta casa. Pode ser um detalhe que cause espanto no século vinte e um, o que posso entender.

Antigamente possuía na cabeça a convicção que eu merecia uma vida considerada melhor, uma vaga na faculdade de Direito, estágios e um trabalho bem pago. Não tinha coragem para revelar minhas pretensões de cara para meus avós, as pessoas que me criaram desde bebê enquanto desempenhavam funções de empregados da família, mas sabia que tinha capacidade de conseguir uma carreira muito boa.

Pelo menos, foi o que pensei até conhecer a filha mais velha dos donos da propriedade. Chama-se Eugênia e as bocas dos vizinhos comentam a respeito de seu olhar pungente. Porém, conhecendo-a, eu me vi sem volta. E é por essa pessoa ser preciosa para mim que não esqueço.

Eu não esqueço da cena, a que ocorreu aqui: entre homens e mulheres da alta sociedade, risadas e conversas de interesses, segredos que comportam o jardim e também embaixo desses céus negros nebulosos. As lâmpadas dos lustres que antecedem as escadas gêmeas, as quais dirigem até a uma porta por onde os casais dão seus convites, veem seus nomes e vão para dentro da festa. Por aqui, ouço os toques do grupo de orquestra, cujo condutor é um grande amigo da patroa. São sons que fazem a imaginação dissipar, explosões que vão dos ouvidos ao coração.

Entretanto, dois detalhes me fazem ficar extremamente inquieta agora:

― Me conta uma coisa, Ariane... ― meu irmãozinho de quatorze anos, Carlos, diz enquanto ainda estamos na fila: formos convidados pessoalmente por Eugênia, quem nos deu imposições de que vestíssemos os trajes que nos oferecera. ― Que história é essa de você ter me indicado pra a Princesa para ser seu acompanhante?

Ele tem o hábito de esquecer que sou incapaz de pronunciar minha voz. Não que não possa narrar por outros meios, só que... Sou muda desde bebê. E sinto que o menino não espera a resposta, como o noto apenas aborrecido. De certo, tenho outras opções de companhia, mas logo me recordo que são rapazes que não miro com misericordiosos olhos, o primeiro por tentar me coagir uma vez e o segundo por estar como um mosquito na órbita dela. Princesa, eu e meu irmão a chamamos assim.

― Suas senhas, por favor? ― ao lado da porta com cortinas vermelhas, há um jovem alto e sério de um porte que tenho certeza ser capaz de arranjar briga.

Eu viro meus olhos e minhas mãos até minha bolsa-carteira prateada, uma cortesia de vovó de um acessório que minha mãe costumava usar muito em seus tempos de jovem. Não sei se mamãe se importaria, como faz muito tempo que morreu junto com meu pai e que ninguém sabe como eles faleceram. Mas agora minha prioridade é outra, então estico meu braço pra dentro e retiro dois bilhetes para entregar ao moço.

― Podem dizer seus nomes? ― ele retira o laço de carmim que nos separa da porta, contudo sua mão ainda para o peito de Carlos, quem o olha com uma careta enjoada.

Cara, ― o outro reclama. ― você nos conhece desde que éramos moleques, por quê a gente precisa dizer? ― em reprovação, dou um chute sutil nele. ― Aaaah, tá legal, eu falo... Carlos e Ariane Rocha, memorizou aí? ― eu o encaro.

“Precisava realmente dizer desse modo?”, arqueio uma sobrancelha assim que vemos Reinaldo nos dirigir uma expressão altiva, ajustar seus óculos, observar a lista, rabiscar algo e suspirar ao abrir espaço para penetrarmos na outra atmosfera. Com um de seus braços nos meus, meu irmão me atira um olhar de aviso quando me vê com a atenção dividida entre a porta e o imenso relógio a metros atrás de nós. “Por um lado, preciso ficar mais próxima de Eugênia, mas por outro... Não era logo diante daquilo que vi a cena?”, mas não demora um minuto para eu mover os pés para longe e vislumbrar o luxo.

Não o luxo no qual gostaria de coexistir; no entanto, foi neste lugar em que se cunhou a Princesa, logo não tenho direito em abrir minha boca indigna para mastigar o fado. Só que ainda pressinto uma coceira, uma que me diz que essa sinfonia camufla demais, que alguns sorrisos são dúbios e que possivelmente essas roupas sejam supérfluas. Trajes mostram graça no espírito? Com minhas recordações, alcanço rostos com os que topo desconforto. Também noto alguns olhares, quando cumprimento junto com Carlos, que simulam amabilidade, ainda que alguns sinais delatem o inverso. Além dessas circunstâncias, recebo felicitações de senhoras, de rapazes e de moças, o que me faz pensar no vestido cândido que Eugênia me deu.

― Sabe, irmã, eu estava me perguntando... ― meu caçula começa a dizer assim que me descobre olhando para minha roupa. ― Como é que ela soube de roupas com nossas medidas? ― sentado na mesa em que nos encontramos com alguns outros empregados da família, o menino repentinamente dá atenção à gravata.
Ele me olha esperando por uma resposta, como os demais estão entretidos em assuntos que não alcançamos. Assim, resta-nos a nós mesmos, só que tampouco eu tenho uma resposta especifica. Apenas chacoalho meus ombros, não sabendo.

 ― Eu sei que tem uma costureira para nos dar aquelas roupas, quem seria aquela Eulália... ― Carlos continua, a testa se franzindo e a voz tentando ser precisa. ― Só que, quando ela faz... Noto que tem umas linhas que ficam de fora... Já nessas roupas, achei estranho a costura... ― eu o olho intrigada. ― Você não tentou me sinalizar uma vez sobre uns kits de costura no quarto da Princesa?

Fico calada por algum tempo, refletindo: “O que quer me dizer?”, até me surgir uma luz e eu olhar com certa surpresa para o vestido. Dá uma imensa vontade de tocar e por isso roço a textura dos dedos na roupa. Molho um pouco meu lábio pelo anseio. Essa roupa teria sido... Feita especialmente para mim por... Ela?
― Ariane...? ― perguntou-me meu irmãozinho enquanto, ele diante de mim, acenava.

Eu o olho e parte da apreensão dele some. E então, pestanejo com a intuição de que algo mudou. Há silêncio, mas vejo expectativa em muitos olhos alheios. Agora, noto também um garçonzinho taciturno que tenta servir à mesa: pelo seu olhar disfarçadamente ácido, talvez eu divaguei sobre Eugênia por tempo demais. Depois, espio para cima, vendo a estrutura de pedaços de vidro colorido e também de dois outros andares, e logo após a frente. Ali, está a orquestra em conjunto com algumas decorações de rosas. À parte e com microfones, existem algumas pessoas falando.

São os homenageados, é o que penso ao esticar meu pescoço para observar as pessoas que estão na frente das vidraças antigas. É um senhor honrado, é uma mulher majestosa, é uma garota altiva e é um rapaz audacioso. Eles todos estão com vestes formais que parecem contrastar com suas personagens, contudo são as de Eugênia que me chamam a atenção. Ela está trajada de branco e há uma ornamentação de flores em suas tranças, além do braço do garoto envolvido em um de seus braços. Os olhos dele pairam relativamente nos convidados, até chegar a um ponto em que seu foco é a portinha.

― Agradecemos a todos por comparecerem à comemoração de Páscoa presidida pelo meu pai, Antônio Ávila, a fim de arrecadarmos fundos para os trabalhos do Centro Comunitário Allan Kardec para com as crianças com doenças terminais. ― enquanto isso, Eugênia abre os lábios para um sorriso condolente, assim recebendo bons comentários de diversas bocas dos que se ergueram das mesas. ― Como também à presença de grupos que se disponibilizaram a nos ajudar para festejarmos com nosso melhor ― seu olhar está no grupo de orquestra e também em outros pequenos grupos de bandas locais. ― e também a nossos patrocinadores de hoje.

Depois, todos viram suas atenções para a portinha, lugar em que se encontram criancinhas com almofadas com embrulhos de diversos tamanhos. Elas vêm em pares e andam reto até onde se encontram as quatro pessoas. Ainda assim, estranho que, mesmo com todas indo para baixo, o garoto próximo de Eugênia ainda olhe para cima.

― Tenho um mal pressentimento... ― meu irmão Carlos expressa bem o que imagino, sua testa se franzindo em desconfiança e os dedos percorrerem até uma parte volumosa perto de seu peito. ― Ariane, dá uma olhada naquilo! ― ele aponta com o olhar para além das quatro pessoas, em um espaço fora das janelas: lá, está uma espécie de floresta particular da família a qual servirmos e consigo distinguir alguns pontos vermelhos de luz e algumas sombras tenebrosas a alguns metros distantes.

Com receio e minha mente apitando sinal de perigo, viro-me para o meu redor a fim de tentar sinalizar às outras pessoas sobre o que está para acontecer, entretanto observo uma boa parte delas, exceto as quatro figuras – com Eugênia olhando alarmada para uma das criancinhas, a que retira um objeto estranho do bolso –, com os olhos fechados, uma respiração sutil e suas mãos segurando nas xícaras de um líquido com cheiro de camomila.

No minuto seguinte, no silêncio da multidão e no badalar da meia-noite, ouço o ruído furioso de balas rebatendo lâminas e corro para assegurar que não possa ocorrer nada semelhante ao meu sonho.

FIM 

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