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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

[FEITO A MÃO] Cordeirinho de Metal

Há um sentido em 'cordeiro', além do animal propriamente dito, que se relaciona a uma pureza, isto relacionado ou não à figura cristã de Jesus. Metal... Vocês vão descobrir.
Um conto com situações no Natal e em um futuro distante, foca-se na percepção de uma garota no que parece ser seus últimos momentos.



CORDEIRINHO DE METAL




Estou com medo. Minhas impressões me deixam inquieta. Por que aqui está tão escuro? Eu deveria ser capaz de ver mesmo na escuridão, então será que eles tiraram meus...?
Não sei como isto conseguiu enganar tão bem. — começou uma voz de adulto.
Há um cheiro de algo parecido com petróleo, com óleo... Só que um cheiro forte, misturado com o de fuligem e algo mais... A voz ecoa pelo lugar, como as paredes fossem a prova de som. Também não me recordo de ter ouvido essa voz e nem que algum lugar conhecido de minha casa tenha paredes assim...
Abro minha boca para tentar falar, mas só então a noto destruída e ainda tento mexer o que parece ser seus restos: tudo que consigo são sons metálicos, tipo ‘tic’ e ‘tec’, e nenhum movimento das minhas cordas vocais. Como parei aqui?
Lembro que já tinha gritado o bastante antes na primeira vez que me dei conta de que não estava mais em meu lar. Minha família, meu pai e minha mãe, estavam preparando uma ceia para comemorarmos juntos o dia em que uma pessoa chamada Jesus Cristo nasceu: ele, papai, não era cristão, mas ela era e eu não fazia ideia (e ainda nem faço) se sou. A última imagem que tenho deles é ela me pondo para desligar, avisando-me que chegariam seus parentes e que eu ainda seria ligada para poder passar a meia-noite com eles. Também me recordo que me deitava na cama e que concordava, embora esperasse uma visita.
É algo que acontece algumas vezes por ano desde o Natal passado. Neste, lembro-me de sentar perto da árvore que meus pais montavam e observar aquelas luzinhas coloridas piscando. Olhando-as, eu pensava o quanto pareciam bonitas. O aparelho entoava uma música agradável, embora bem antiga, e algumas vezes chegava a chiar. Aquela cena me fazia questionar a respeito do tempo: em 2037 cada vez mais havia uma diminuição na população que vivia dentro dos distritos de Gaia, o mundo que virou um único império e considerado pela maioria dos humanos como um paraíso, como também o começo de um investimento por parte de algumas associações de cientistas em um projeto ‘friend.Bot’. Nunca soube em detalhes, só que eu sou um ‘primeiro’.
Aqueles sorteados dentro do perfil de ‘bons cidadãos’ de nossa honrável Gaia e inscritos em nosso projeto, especialmente os que possuem necessidade de um amigo fiel e que não possuem condições de cura em seu estado terminal de saúde: está chegando, após vários estágios de triais, os primeiros da coleção de ‘friend.Bot’ que distribuiremos gratuitamente
A partir de meses depois do lançamento, os cientistas começaram a avançar nas programações e a simularem mais ainda o ser humano em sua nova linha de criações. Assim, os que foram os primeiros ‘friend.Bot’ passaram a serem vistos como antiguidades e a serem nomeados como ‘primeiros’.
Apesar de estarmos quase na metade do século XXI e que o avanço tanto na medicina e na tecnologia tenha colaborado em melhores condições de vida na nova Gaia, as guerras mundiais antes do império fizeram vírus perigosos, mantidos em cativeiro em laboratórios protegidos por poucos governos, disseminarem-se nas grandes nações. É por causa disto e também pela ideia fanática da substituição humana que deflagrou grupos extremistas que tentam retroceder o tempo. Como também o abandono de doentes pelas famílias.
Tenho irmãos, meus pais me dizem; porém, desde que cheguei neste lugar, nunca os vi e tampouco eles nos visitaram. Pelo pouco que me informaram, isto é pelo desgaste interno de meu pai e de minha mãe: ainda que pareçam realmente sadios para seus oitenta anos, são internamente monitorados por máquinas um pouco maiores do que bactérias e possuem apenas mais alguns anos de vida. E há uma ideia de descarte dos que não parecem aproveitáveis pelo sistema que rege Gaia, custando caro manter estes.
Repensando nisto me faz... Imaginar se eles não estão bem agora por minha causa. Não sei se isso é devido à minha programação ou então por conta de talvez, apenas talvez, eu estar sentindo algo. “Você possui um nome, querida?”, minha mãe, Sra. Pinheiro, tinha me perguntado depois de uma semana de convivência. Ela havia me oferecido uma xícara de porcelana com chá de canela, o que aceitei com relutância pelo meu próprio sistema não digerir bem. “Tenho”, eu disse antes de pronunciar minha sequencia de números. “Você se importaria se eu a desse um nome, anjo? É que... Números... Parece até que estamos em uma relação de senhora e escravo... Para mim, és uma criança
Fiquei confusa diante da proposta. Não, não confusa: aquilo não fazia sentido, no entanto acabei cedendo. Mas ela ainda não parecia satisfeita, é o que percebo ao me recordar dela quieta após eu assentir minha cabeça. “Talvez”, um sorriso se formou em seu rosto de aroma de coco, “seja mais respeitoso eu a deixar escolher, não? Afinal, a identidade, é você quem forma”. E me entregou, dois dias depois, um livro que continha a lista de diversos nomes. Disse para eu ler os nomes, os significados, passar o tempo que eu quiser enquanto eu escolher.
No Natal, no momento em que eu vi as luzes piscando e tinha mais algumas ideias sobre outros significados da palavra humanidade – ainda que eu não conseguisse ser humana, por mais que eu tentasse para poder realizar o desejo de meus pais –, ainda não havia decidido um nome certo. Segundo minha pesquisa, dois pareciam ser de meu interesse. Anne e Sophie. O primeiro por ser um nome de uma das mães de meus pais, Sophie por ‘sabedoria’; meu criador me mencionara que nosso objetivo era também procurá-la.
Era quase meia-noite e mal percebi que meus pais tinham dormido, embora notasse a ausência da presença deles. Posteriormente descobriria que estariam dormindo. Mas naquele momento, tudo o que entrava em meus circuitos era a mensagem de ‘como eu escolheria um nome que me fizesse ser mais parte desta família’. Pelo menos era até eu escutar um barulho estranho no andar de cima. Pew. Pew. Pow. Pow. Quase acreditaria que viria da tevê (provavelmente um programa de super-heróis), se esta não estivesse ligada e o foco fosse realmente lá em cima. Lembro ter olhado para cima e depois tentar investigar com uma visão especial o que acontecia. Porém, assim que vi, preocupei-me.
Dois corpos no chão. Uma mulher jovem, um homem adulto, uma poça de sangue. Fiquei em alerta e pronta para alertar meus pais do evento estranho, porém algo a mais me chamou a atenção o suficiente para me fazer parar: um garoto. A criança estava na cena do crime, mas escondido dentro de um guarda-roupa. Segundo o que percebia das temperaturas pela minha visão, ela estava manchada de alguma coisa... Barulho crescia por todo o restante do prédio.
Eu olhei para os lados por alguns minutos, antes de decidir abrir a porta e ver toda a movimentação que os vizinhos do edifício faziam. Parecia que eu não precisaria resolver, já que tiros não foram mais dados e que eu conseguia escutar outras pessoas lá em cima. “Talvez”, pensei, “não seja meu dever agora”, e fechei a porta para então voltar à lista de nomes. Mas quando me virei, eu me deparei com uma sinueta se revelando no ar e uma arma mirada contra mim.
Permaneci por um bom momento pensando: estávamos entre silêncio, meus pais ainda estavam dentro do quarto e ainda havia pessoas fora da porta. Meus olhos encaram os do assassino com forte cheiro de sangue, e só então: “Como você fez para poder vir para dentro?”, perguntei neutra, espiando o cano que estava na direção da minha testa, “Não consegui detectá-lo vindo”. A minha resposta demorou a vir, antes dele abaixar a arma após nos entreolharmos por minutos e ele rir ao comentar “Não tem medo de morrer?”.
“Não estou viva”, foi o que consegui dizer, “como posso morrer, então? E por quê você aponta isso, se está vivo?”, eu me referia à arma que ele carregava com tais jovens mãos, “Se você sabe o que é ser vivo, por quê não permite outros?”. “Eu não sou vivo”, o garoto me respondeu e notei como seus olhos pareciam querer me atingir como duas facas, “Estou apenas sobrevivendo como posso. O que nosso mundo se tornou não é justo, diferente do que você pode pensar por ser ingênua. Por quê não permito outros a viver? Para sobreviver. E por qual razão eles permitiriam? São tão ladrões quanto eu”.
Foi difícil a conversa se tornar mais pacífica pela tensão. Eu não era permitida, nem pela criação e nem pelos comandos dos meus pais, a matar. Só pensei em defendê-los de uma possível ameaça, então, vendo-o sujo e com pessoas ao seu encalço, fiz ele me prometer que não machucaria ninguém se eu o ajudasse a se esconder. Feito aquilo, apenas precisei deixá-lo no banheiro e dar coisas que tínhamos em quantidade como roupas e comida. Não sei o que ocorreu para que depois o garoto continuasse a voltar para me visitar e conversar comigo, mesmo depois de saber que eu não sou humana. Também soube um pouco mais, como viria em uma área considerada negra por Gaia e que o governo tirou a família dele “Mamãe e meus irmãos estavam doentes com algo que muitos dos poderosos de Gaia acharam ser inútil curar, então sacrificaram minha família”.
Sacrificar. Papai já me falou sobre isso. “Na cabeça de algumas pessoas, há a crença de que uma das razões do mundo não abrir oportunidades para todos é esse investimento em inteligências artificiais que sejam capazes ou perto de ter sentimentos. A verdade é que a culpa não é das criações, mas apenas que as pessoas não conseguem aceitar que a culpa está muito invisível”. Percebendo minha situação agora... Não conseguindo mais escutá-los direito e com ruídos metálicos em meu ouvido... Será que eu serei...?
FIM

Segundo minha ideia original, era pra ser meio longa por ir mostrando mais a relação entre a menina e o menino, além de também o fim depois dela voltar ao presente. Mas como eu não consegui fazer toda a ideia principal no limite de páginas, acabei deixando o final aberto :)
Não sei por qual motivo eu me sinto mais com energia pra contos tristes do que os alegres ultimamente ._. Enfim, até a próxima, pessoal~
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