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segunda-feira, 22 de abril de 2013

[FEITO A MÃO] Formigueiro Humano

Oi, NRArianos! O conto de hoje (que não é sábado, mas como acordei rebelde resolvi postar) foi um delírio que tive há várias semanas e demorei para conseguir escrever.

É mais ou menos uma paráfrase de A Metamorfose, do Kafka.  Mais ou menos, ok? 

Não recomendo para alérgicos ou formigofóbicos (viva a licença poética e os neologismos!). 

Boa coceira!


Formigueiro humano

Nunca odiei formigas.
 Quando eu era pequena, aos três ou quatro anos, numa festinha de dia das crianças no meu clube, pisei em um algodão-doce que alguma outra criança desmiolada havia derrubado no chão. Tamanho era meu entusiasmo na brincadeira, que nem ao menos reparei e continuei correndo. Até parar em cima de um formigueiro. Praticamente fui devorada viva.
            Meu pai, depois de me resgatar, começou a fazer piadas com o único objetivo de interromper as lágrimas que escorriam do meu rosto: “Mas, princesa, imagina só se uma gigantona pisasse na sua casinha? Você ia ficar bravuca, não ia?”, assenti, “a parte boa é que essa gigantona de Maria-Chiquinha estaria com o pé toooodo sujo da sua comida favorita! De... de brigadeiro! Aí, as Aninhas em miniatura iam se dividir em dois grupos: as que ficaram chateadas porque foram pisoteadas, e as gulosas que também correriam até a gigantona, pra comer brigadeiro!” exclamou, antes de me encher de cócegas. E eu ri, e ri, e ri.. E logo as lágrimas voltaram a aparecer, mas dessa vez porque estava feliz. “Já pensou no jornal do dia seguinte? “EXTRA! EXTRA! Giganta de brigadeiro tropeça na casinha da Ana, mata a fome das Aninhas e acaba cheia de picadas!” “.
            O problema é que eu tinha uma frieira no dedo mindinho do pé, e duas formiguinhas oportunistas acabaram entrando por lá. Elas eram curiosas, aventureiras, queriam ver se meu recheio também era de algodão doce. Por esse motivo, quase perdi o dedo, passei alguns dias internada no hospital.No final das contas, os médicos conseguiram tirar uma delas e controlar a infecção. Concluíram que a segunda formiga nunca tinha conseguido entrar, por isso que era inencontrável. Sendo assim, continuei com o dedo – e com uma formiga morando dentro de mim.
            Tirando esse acontecimento, elas nunca mais tinham me incomodado. Isso é até curioso, porque tenho uma séria tendência a me traumatizar e, curiosamente, não tenho nenhum problema com esse inseto.
 Sempre respeitei as filas domésticas, o formigueirinho dentro da parede da pia da cozinha e aquelas formigonas de interior, que as pessoas gostam de esmagar. Na verdade, de todos os insetos, as formigas sempre foram as minhas mais queridas. Acho que porque eu, mesmo sem saber, já era um pouco formiga.
            Os anos se passaram e eu cresci bem. Na casa nova, havia poucas delas, só encontrava, às vezes, meia dúzia delas passeando pelo balcão.
            Aí, subitamente, todas voltaram. De uma vez só. Muitas, muitas formigas. Pelas portas dos armários, pelas janelas, pela mesa da sala. Não havia um só doce, por mais chato que ele fosse que não acabasse coberto por formigas. Até uma torta de liquidificador de maçã, pouquíssimo inspiradora. Começamos deixar as sobremesas suspensas naquelas armadilhas, sabe? Como se os doces fossem os castelos, rodeados pelo clássico fosso. E elas, tão desesperadas e famintas, jogavam-se na água em uma tentativa louca de alcançar o que quer que fosse.
            Um dia, tomando café da manhã notei uma formiguinha passeando pelo meu braço. Ela provavelmente tinha chegado lá por meio do frasco de mel, que eu tinha acabado de segurar. A perspectiva de estar comendo mel formigado embrulhou meu estômago. Assoprei a criaturinha que passeava pelo meu braço e ri ao vê-la voar de volta à bancada.
            O curioso foi quando, na faculdade, no meio de uma aula, senti uma coceira no pescoço e ao passar a mão para interrompê-la, vi uma formiga. Não fazia o menor sentido. Desta vez, simplesmente a esmaguei na mesa, sem remorso.
            E dez minutos depois, enquanto meu couro-cabeludo coçava estranhei a subida crise.
            O resto do dia passou naturalmente. E o outro dia, e o seguinte.
            No almoço de quarta vi com o canto do olho uma formiguinha aparecer em meu braço. Literalmente. Aparecer. Ela não estava lá, e subitamente estava. Saco. Lixo de casa, lixo de infestação.
 De sobremesa comi três pedaços de pudim, muito mais do que o habitual. Precisava de doce. Muito doce. Açúcar. Muito açúcar.
            E durante a lição de casa meu braço começou a coçar. E minha perna, e meus ombros, e meio pescoço, e a agonia era tamanha que peguei uma escova de cabelo e comecei a pentear com violência minha pele, em busca de alívio.
            Depois do banho tinham duas formigas passeando pelas minhas costas. Inferno. Fixação comigo. Cruzes!
            E as coceiras só aumentaram. Junto com minha ânsia por doces. Junto com as formigas que vagavam por meu corpo.
            Meus sonhos ficaram pontilhados em preto, pixelados, e a delicada movimentação em minha cama ficava cada vez mais confortável. Com o passar dos dias, usar cobertor mostrou-se desnecessário, pois havia um manto negro estático, que me abrigava e aquecia. Um manto que fazia cócegas e eu não sentia nenhum um impulso em matá-las, sua presença era segura, feliz.
Não precisávamos mais de roupas, pessoas ou comida. Banho era algo impensável para nós, pois poderia trazer um grande dano à nossa casa, já que perderíamos muitas irmãs com a água corrente.
Só queríamos comida e docinhos. E logo, mesmo parada estávamos em movimento, porque deixei de ser eu e virei nós. Buscávamos comida e assim sobrevivíamos. Eu não precisava de nada que não aceitar
o eco de milhões de formigas, minhas novas células, dentro de mim.
E um dia saímos correndo em busca de um lugar onde eu pudesse assentar, para nós tivéssemos uma vida mais estável. Deitei-me em um canteiro numa praça, e nunca mais me levantei. 

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2 comentários:

  1. Muito legal, você escreve muito bem, me prendeu até o fim da leitura!

    cafe-elivro.blogspot.com

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