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sábado, 16 de março de 2013

[FEITO A MÃO] O Menino e as Rosas


Elijah sempre foi uma criança diferente, ou, como sua mãe prefere chamá-lo: especial. Com isso, surge a dificuldade em ser aceito pela sociedade e até pelo próprio pai. Mas Elijah nunca deixa de ver a beleza da vida e, especialmente, das rosas que colhe num jardim público perto de sua casa. 




O Menino e as Rosas

Rosas Para o Pai
Todo mundo é especial de alguma forma. Alguns têm talentos excepcionais para música. Outros são inteligentes ao extremo. Outros são unicamente bonitos. E ainda há aqueles com tamanha falta de sorte que vivem suas vidas inteiras sem descobrir o que lhes torna especial entre as pessoas desse louco mundo no qual vivemos.

Mas eu soube que Elijah era especial desde o momento em que ele nasceu. Eu soube que ele não era como as pessoas comuns. Isso estava estampado em seu rosto e corpo e eu pude notar que ele era único apenas ao segurá-lo em meus braços.

As coisas eram diferentes naquela época. Uma pessoa nascida com uma aparência que não se encaixava nos padrões da sociedade era tratada ainda pior do que nos dias de hoje. Eram tempos nos quais crianças com anormalidades eram descartadas como lixo, e algumas pessoas considerariam Elijah uma delas.

Meu marido era uma dessas pessoas. Eu me lembro de sua reação quando ele viu nossa criança pela primeira vez, a criança que geramos na esperança de encontrar algo em comum que pudesse nos manter juntos.

Eu estava deitada na cama do hospital. Havia acabado o trabalho de parto quando Jack entrou no quarto com uma expressão preocupada no rosto e parou na porta.

- É verdade? - ele perguntou com sua voz grossa e profunda. Seus braços estavam cruzados sobre o peitoral e ele encarava a pequena coisinha em meus braços, escondida entre um monte de cobertores.

Eu olho para Jack.

- O que é verdade?

- Eu ouvi a enfermeira dizer... – ele está meio rouco e parece incapaz de finalizar a sentença. Ele pigarreia e por fim pergunta, sem olhar para mim. – É verdade que nós temos um mongol?

Mongol.

Demente.

Retardado.

Esses eram apenas alguns dos nomes que as pessoas usavam para definir gente como Elijah.

Eu acaricio gentilmente os cabelos ralos de meu bebê e balanço a cabeça para Jack, lhe lançando um olhar de censura.

- Não chame ele assim, Jack.

- Mas ele é, não é? – ele descruza os braços e anda em direção à cama. – Anda, deixe eu ver isso.

Eu hesito, mas deixo meu marido segurar Elijah. Ele afasta os cobertores para o lado e a expressão em seu rosto se transforma em desgosto puro. Posso dizer que ele está se segurando para não dizer nada ofensivo enquanto me entrega o bebê.

- Ele não... é tão esquisito assim – Jack diz, com dificuldade.

Eu olho para Elijah. De fato, ele não parece diferente, com exceção de seus pequenos olhos amendoados, suas mãos gordinhas e dedos pequenos, e o nariz amassado. Numa olhada rápida, suas diferenças passariam despercebidas. Mas, com o passar dos anos, elas se tornaram mais evidentes e o ódio de Jack por elas cresceu ainda mais. E o bebê que nasceu numa esperança de salvar nosso casamento virou, em pouco tempo, o maior motivo de nossas discussões.

Elijah não se desenvolvia como as outras crianças. Aos três anos de idade, ele mal aprendera a falar algumas palavras, enquanto os filhos de minha amiga Sarah, da mesma idade, já falavam frases completas. Ele também demorou a andar. Engatinhava pela casa comigo à sua cola, enquanto Jack, sentado no sofá e fumando charuto, nos dirigia olhares maldosos por cima do jornal.

E Elijah, ainda com suas dificuldades, se mostrava a criança mais fantástica que eu já conhecera. Ele sorria mais que qualquer um e acariciava meu rosto com suas pequenas mãozinhas quando eu lhe segurava em meu colo. Tinha uma curiosidade única pelo mundo, encantando-se com tudo e qualquer coisa. Gostava, principalmente, de animais e flores.

Todos os dias, eu passeava com ele num jardim público próximo. Jack nunca nos acompanhava, mas todos os dias, ele colhia uma rosa para o pai. E Jack parecia odiar ainda mais a criança, que reagia a sua brutalidade com inocência e amor. Ignorava as flores que Elijah trazia, mas o menino sempre as deixava pousadas no braço do sofá.

Quando Elijah completou dez anos, Jack nos deixou. Não foi surpresa, mal nos falávamos havia anos e ele desprezava a mim e meu filho. Ele não nos avisou que ia partir. Certa manhã, acordei com o barulho de algo caindo. Jack não estava ao meu lado na cama. Nosso guarda-roupa estava aberto e havia coisas caídas no chão.

Desci as escadas e encontrei-o de chapéu na cabeça e mala na mão, se preparando para partir. Chamei seu nome e ele se virou.

- Aonde você vai? – perguntei.

Ele balançou a cabeça. Parecia realmente triste.

- Me desculpe, Mary – ele disse.

Elijah surgiu no topo da escada segundos depois. Coçava os olhinhos sonolentos e agarrou-se à barra de minha camisola.

- O que houve, mamãe? – perguntou.

- Papai está indo embora, amor – respondi, acariciando seus cabelos.

Ele soltou minha camisola e desceu as escadas em direção a Jack. O homem lhe lançou um olhar de desgosto, mas Elijah não pareceu notar. Ele sorriu para Jack e abraçou sua cintura.

- Eu te amo, papai.

Jack ficou rígido. Não parecia saber como reagir. Pelos maxilares trancados e punhos cerrados, pensei que ele fosse acertar o menino, mas ao invés disso, Jack apenas o empurrou para longe, delicadamente.

- Tudo bem, guri – ele disse.

Elijah sorriu de novo e voltou para o meu lado, dando-me a mão. Com um aceno de cabeça, Jack saiu e fechou a porta.

Todos os dias, continuamos a passear pelo jardim público e, todos os dias, Elijah colhia uma rosa para Jack. Ele as deixava pousadas no braço do sofá.

O pai nunca voltou.

Rosas Para Leslie

Eu sempre tive medo que Elijah não encontrasse amor no mundo. Ele nunca teve amigos. Influenciadas pelos preconceitos dos pais, as crianças fugiam e se afastavam dele. E, quando ele cresceu, as meninas sentiam nojo de suas tentativas de se aproximar.

Mas, quando fez quinze anos, ele conheceu Leslie Wrinkles.

Ela era uma moça da vizinhança. Bem educada, gentil. Estava sentada no jardim lendo o livro, e Elijah lhe ofereceu uma rosa. Ao contrário das outras garotas, Leslie aceitou de bom grado. Sorriu para a menina e ela sorriu de volta, e eu observava tudo à distância.

Leslie visitava o jardim todos os dias, e Elijah começou a se empolgar ainda mais com os passeios. Passou a me dispensar e passeava sozinho com a garota. Eu observava os dois pela janela, contente pela gentileza que ela oferecia ao meu menino. Mas no fundo eu sabia que os sentimentos que eles sentiam um pelo outro eram diferentes.

Elijah a amava, mas ela apenas o tratava bem por educação. Eu ouvira uma vizinha dizer que ela tinha um noivo. Era, porém, incapaz de dizer a verdade a ele. Andava tão orgulhoso de si. Chegava em casa após seus passeios com um sorriso no rosto e o peito estufado. Referia-se à garota como sua namorada. Até que um dia, ele voltou para casa, cabisbaixo. Tinha lágrimas nos olhos e eu nunca vira o rapaz tão triste.

Corri para receber-lhe na porta.

- Amor! O que houve?

E Elijah contou. Disse que chegara ao jardim e vira a moça com outro, beijando outro rapaz! Ela nunca o beijara!

Tomei o garoto pela mão e guiei-o até o sofá. Ele se sentou, sentei-me ao lado dele e lhe contei a verdade.

- Querido, Leslie gosta muito de você – eu disse, acariciando seu rosto. – Mas ela não é sua namorada.

Os olhos de Eli se arregalaram em choque.

- Ela é só... uma boa amiga, tudo bem? Ela não pode ficar com você.

- Por que não? – ele não entendia.

- Ela tem um noivo, meu amor.

O fim da ilusão de ter uma namorada acabou com Elijah. Ele, pela primeira vez na vida, ficou com raiva. Gritou, chorou e esperneou. Jogou coisas, xingou a menina. Disse que nunca mais queria vê-la. Recusou-se a ir ao jardim por semanas.

E, então, para nossa surpresa, Leslie apareceu em nossa porta. Trazia uma rosa para Elijah, e um livro. Disse que sentia falta do menino. Convidou-nos para seu casamento. Queria que Elijah fosse o padrinho.

Elijah ficou feliz. Pareceu perdoar a garota. Abraçou-a e prometeu ir ao casamento.

Colocou a rosa que ela lhe trouxera num jarro e deixou-a, exposta para todos, na mesa de centro da sala.


Rosas Para Elijah
Elijah morreu jovem.

Ele, o menino que nunca sentira ódio ou fizera maldade, morreu vítima do preconceito e da crueldade humana.

Tinha acabado de completar vinte anos. Uma guerra havia começado na Europa e um simpatizante nazista nos viu na rua enquanto passeávamos pelo jardim. Era um homem louro, magro, tinha um nariz fino e pontudo. Parecia bêbado, ainda que o dia mal tivesse raiado.

Ele apontou para meu filho de longe e gritou:

- Ouvi dizer que Hitler mata gente assim na Alemanha!

Eu e Elijah continuamos andando, ignorando o homem. Mas ele não parecia disposto a nos deixar em paz.

- Você tem é coragem de deixar esse retardado sair de casa!

Eu não me aguentei. Virei para ele e gritei em resposta:

- Eu poderia dizer o mesmo sobre a sua mãe.

E então, o homem fez o inesperado. Sacou uma arma de dentro do paletó e apontou-a para mim.

- O que você disse, vadia?

Elijah arregalou os olhos. Colocou-se na minha frente, fechou a cara e apontou o indicador para ele.

- Não fala assim com a minha mãe!

O louro apenas sorriu. Um olhar sádico e frio brotou em seu rosto.

- Vai defender a mamãezinha? – ele disse. – Vão morrer os dois então!

E atirou no meu filho. Ia atirar em mim também, mas os passantes saltaram sobre ele e o impediram.

Todos os dias, eu volto ao jardim. Colho uma rosa e levo ao túmulo de Elijah. Um perfume gostoso impregna o lugar. Trinta anos já se passaram desde sua morte, mas eu não consigo me desapegar das rosas, as rosas que me lembram do meu menino especial. 

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2 comentários:

  1. Oie Rayanne!

    Muito bonito o texto!
    Triste porém muito comovente!

    Parabéns!

    Beijus e uma ótima semana para você!
    ;***
    anereis.
    mydearlibrary | bookreviews • music • culture
    @mydearlibrary

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  2. Nossa, que texto forte, comovente, triste... Mas infelizmente o que mais vemos são pessoas que não sabem lidar com o diferente.
    Li um livro muito fofo estes dias, Extraordinário, que trata justamente sobre isso. Até quando trataremos o diferente como algo ruim?
    Gostei do texto.

    beeijos,
    Jéssica

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