Quem disse que o amor não pode ser vingativo e perigoso?
Hoje vamos conhecer a história de Tina Citrinius e Klen Quartizi, um casal apaixonado que ia passar o Reveillón 2013-2014 em Copacabana, mas o destino tinha outros planos...
Inspirado no conto Venha Ver o Pôr-do-Sol, de Lygia Fagundes Telles.
Melancólico e
Metódico
O
plano era perfeito.
Estava
tudo em sua mente: como, onde, quando e, principalmente, porquê. Mas o “quem”
era a parte mais complexa do todo.
Descobriu,
sim. Isso lhe corroía a alma e o espírito. Sabia que desta vez não se livraria
da Roda das Encarnações, pois tinha a mais absoluta certeza de que na
próxima... sim, voltaria como mendigo, deficiente e/ou sofreria de dores e
dissabores tremendos por anos a fio.
Juro
a vocês, ele ficou a ponto de desistir! Mas o orgulho ferido é a serpente do
Paraíso à qual qualquer ser humano está sempre disposto a ouvir...
A
cuja sobre quem maquinava? Chama-se Tina Citrinius. Foi busca-la à pé. Ela, por
sinal, linda de viver naquela noite de Véspera de Ano-Novo. Vestido
branco-pérola, bem cortado, feito sob medida para a ocasião da virada em
Copacabana. Batom vermelho, comprado para o feriado de São Jorge alguns meses
antes. O rímel, o blush e o rouge eram cem por cento novos.
Ela
beijou-o de leve para que os dois não ficassem com as bocas borradas de
vermelho-sangue.
—
Dois mil e catorze será o nosso ano, Klen! — sorria um sorriso daqueles que
iluminam um bairro inteiro e deixam meia quadra feliz só de olhar.
—
Amanhã já é ano que vem — ele jogou uma piada pronta que só deixou-a mais
animada. — Mas antes temos de ir a um lugar.
—
Eu sei... — soltou-o e suspirou pesadamente.
Nenhum
deles gostava de lembrar que Cassie Quartzi, mãe de Klen, morrera no 31 de
Dezembro de 2008; à tarde.
—
Estragou a virada de toda a família... — a tia velha de Cassie, solteira,
virgem e amarga, que nunca sorria em festas populares e nem de gente grã-fina,
comentou no meio do velório exatamente no segundo minuto de 2009.
—
Táquepareu — intercedeu um primo adolescente
por entredentes.
Klen
e Tina andaram por Botafogo até uma entrada secundária do velho São João
Baptista. As redondezas do cemitério estavam vazias, mesmo sendo dia trinta e
um. Alguém disse certa vez que dá azar passar perto de cemitério nessas datas.
As
cruzes, anjos, santos e Cristos, todos de pedra, foram gelando espinha e alma
de Tina. As árvores lembraram-lhe as harpias, velhas senhoras com asas podres e
pernas de ave, que guardam os portões de Hades, por onde todos os mortos devem
passar em algum momento, quando conseguem se livrar da dita Roda das Encarnações.
—
Onde que tu quer me levar? Sabe muito bem que não gosto de cemitérios de noite,
Klen. O túmulo da tua mãe é... Aqui! — surpreendeu-se.
—
Sim, meu bem — sorriu, tal qual Jack antes de estripar suas vítimas.
Mas
não dilaceraria Tina.
Ainda.
Pegou
o molho de chaves no bolso e abriu o jazigo da quatrocentona família Quartzi. As
dobradiças rasgaram o silêncio sepulcral como um machado pesado a um crânio.
Quando a tocha foi acesa pelo fósforo de Klen, ela tapou a boca para o gritinho
afetado de pavor não acordar os que estavam no sono eterno. Ele abriu uma
pesada porta de ferro, revelando uma escada estreita. Inconfortável com a
situação, desceu ao subsolo atrás do namorado.
Arrepiou-se
inúmeras vezes desde que relacionou as árvores às harpias. Tina Citrinius
estava de fato apavoradérrima.
O
cheiro putrefato lhe preencheu as narinas. No meio do salão subterrâneo, um
buraco retangular que ela logo reconheceu como a tumba do primeiro Quartzi que
viveu no Rio de Janeiro. Ouviu a pesada porta de ferro fechar-se. Acendeu-se um
archote da parede e ela gritou de insano desespero.
Sobre
o corpo do visconde Quartzi: seu amante separado da cabeça.
—
Eu vi — ele sussurrou quando a garganta dela secou de gritar. A voz de Klen
ecoava nas paredes de mármore enegrecido. — Vocês dois na minha cama, com os
meus lençóis espalhados pelo MEU QUARTO! Ele era o melhor amigo de uma vida
inteira, Tina. E vocês dois gozavam de prazer e talvez rissem da minha cara. Tu
não presta. Vagabunda.
Ela
buscou forças e fôlego não sei onde, mas conseguiu encher os pulmões com um
pouco de ar.
—
Isso... Por quê?
—
E tu ainda tem coragem de perguntar? Vocês estavam transando! Será que tu é tão
burra assim que não consegue entender isso?! O meu melhor amigo e a minha
namorada. Sabia que eu ia te pedir em casamento naquele dia?
—
Nã... — foi o único som que o choro compulsivo permitiu que ela emitisse.
Klen
Quartzi sorriu. Desta vez mais perto de dilacerá-la.
—
Ele estava assim mesmo, ajoelhado aí, quando... — soltou a gargalhada nervosa.
— Quando disse “eu perdi a cabeça por ela” — riu com mais vigor. — Nunca fale
isso para o homem com a foice.
Bateu
com a pedra repetidas vezes nela. O cadáver foi jogado separado das pernas, que
sabiam dar uma chave de coxa, na tumba do visconde.
Fechou
a sepultura, apagou o fogo do archote e foi para a praia.
~~x~~
Bem, é isso!
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Quem sabe na próxima não é você recebendo os comentários?
até...
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