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sábado, 19 de outubro de 2013

[FEITO A MÃO] Caindo Para Baixo, Parte II



Benefícios da Maçã para a Saúde
Foto: Reprodução.

Segunda parte da pequena série de contos de Caindo para Baixo (Parte I aqui). Conseguiria imaginar sua vida como as demais meninas, se não fosse por suas amizades inesperadas. Beatriz Lima é uma dos poucos que os pequenos Randimiel e Valéria Moraes chamam de amiga. Seus pais e seus vizinhos, talvez pela exceção de um e de outro, não suspeitam que há um perfil além da inocência que dizem a dupla ter. Cada vez mais, Bia se vê mais envolvida no mundo sobrenatural.
Nesta segunda parte, teremos a continuação do flashback da primeira parte :)





 CAINDO PARA BAIXO (II)




Dei a oitava olhada por detrás do ombro, após quase desabar com meu corpo e meus pães no portão de casa. A lua continuava no céu com sua atmosfera misteriosa e junto da escuridão. Achei ter visto um vagalume voar na altura do poste de luz ali próximo.
Franzi meus lábios ao espiar os arredores da residência antes de puxar minhas chaves do bolso. Abri o portão com o coração aos pulos. Meu nariz parecia inspirar ar seco. Eu corri bastante e nunca achei que pudesse sentir tanto medo em toda minha vida. Porém, não sabia se era pela dúvida de eu ser louca ou se era por eles serem reais. Ao fechar, tranca e então pôr uma mecha atrás da orelha, achei que aquilo desapareceria. Que era alguma ilusão por estar muito cansada.
Assim, fui para dentro de cara, encontrando meus pais fazendo jantar na cozinha. Eles estavam de costas para mim, papai cortando vegetais e leguminosas enquanto mamãe preparava músculo para a sopa. E ela tinha sido a primeira a me notar voltando. “Onde foi?”, questionou, “Você chegou tarde...”. Quando ele, meu pai que se atentou, viu a mim e o saco de pães... Pude ver seu olhar se estreitar com uma pinta de desconfiança. “O que você andou fazendo?”, perguntou, sem parecer hostil, “Bia, algo aconteceu no meio do caminho?”, o tom de voz foi suave, porém não sabia se era natural ou papai estava realmente se controlando.
Sorri, tentando esclarecer que eu havia me perdido no caminho por besteira, embora imaginasse que seria melhor contar a verdade. Mamãe me lançou um olhar antes, antes de suas expressões se aliviarem. “Querida”, disse, “tenha cuidado na próxima vez. Você sabe, há essas notícias de assassinatos no meio da noite... Fico preocupada que se você desviasse o caminho e fosse a um lugar mais perigoso...”. Assenti com a cabeça, compreendo os receios dela. Meu pai, então, avisou para que eu voltasse, para jantar, depois de meia hora. Senti-me tranquila, interpretando aquilo como um sinal para me abrigar no quarto.
Deixei, na cozinha, o saco de pães e me adiantei ao meu pequeno território. Encontrava-me ansiosa para abrir a porta e ficar mais calma. Ao conseguir fazer isso, girar a maçaneta, realmente me senti relaxada – melhor dizendo, eu estava nas nuvens: na escuridão, vi vários adesivos de estrelas radiantes brilhante. Pude experimentar, pelos olhos e pelo meu coração, uma enorme delícia quase infantil.
Contente, bastei ligar o interruptor de luz para enxergar algo inesperado: dois estranhos na minha casa. Assim que abri a boca para questionar, um deles, uma menina, abriu os olhos do que parecia um sono e, em uma fração de segundos, arremessou-me em direção à parede e ouvi um clique da porta se fechando atrás de mim antes que eu desse um oi.
“Vocês demoraram, crianças”, papai anunciou quando, acompanhada do casalzinho, sentei em pânico na mesa. Não sabia, ao vê-los no meu quarto, que eram os mesmos que vi na penumbra do caminho. Porém, pelo modo como eles me abordaram para manter minha boca calada, acabei descobrindo quem eram em apenas alguns minutos de uma tensa conversa. Por esse motivo, fiquei receosa e a atmosfera pareceu pesada, ainda que meus pais estivessem absurdamente calmos. Mas também, nenhum deles tinha sido ameaçado de morte como fui.
O prato principal era um guisado de carne e uma lasanha, enquanto tinha ainda sonha, arroz e feijão. Observei, pelo canto do olho, os meninos se atentando ao prato. A menina não demorou a mastigar a carne como estivesse realmente faminta e o menino cutucava, com o garfo, as ervilhas entre o arroz. “Estávamos conversando sobre desenhos”, tentei imitar um sorriso ao ver meus pais esperando eu falar, “Desde quando eles estavam aqui? Não me lembro de tê-los visto quando sai...”. Os garotos não pareciam ouvir a conversa, como se realmente se entretiveram com a comida. Quase não me relembrava de serem assassinos em potencial.
“Ah, eles?”, papai parecia entender ao que me referia, “São os sobrinhos do senhor que mora no fim da esquina, minha filha”. Lembro minha curiosidade ter se atiçado naquele momento. Recordava da casa com aparência de abandonada e que as pessoas da cidade mal viam seus habitantes saírem. “Vocês...”, após cortar um pedacinho da carne, mastigar e engolir, falei, “viram como ele era?”, quis saber, querendo investigar. “Só ouvimos a voz”, essa foi a resposta de mamãe, “Mas já a ouvimos tantas vezes que...”.
Paralisei, indignada. Como assim? Não tinha sentido falarem aquilo, como tinham o hábito de comentarem sobre nunca falarem com qualquer um da família Moraes! “O doutor”, o garoto finalmente se pronunciou, calmo, “vive muito ocupado no trabalho. Deve ser por isso que ele não é visto tanto”. A resposta, a única com coerência, clareou no instante em que pus foco naqueles dois. Eram muito suspeitos. Só podiam ter feito algo para meus pais agirem daquele jeito!
"Acho que isso, então, diz tudo", meu pai finalizou com essas palavras, deixando-me boquiaberta. O jantar continuou com outros rumos de papo, entre os quais se incluía a proposta do Dr. Moraes de que eu pudesse ajudar a cuidar dos sobrinhos dele. Ao ouvir sobre isso (como ele sabia da minha existência?), encarei os dois invasores, os que me encararam de volta, e logo me virei aos meus pais. “Não tem outra pessoa com quem eles possam ficar?”, minha resposta real, interna e constante era um brado de ‘nãos’, “Um parente?”. “Eles moram só”, mamãe me explicou, “Eles não tem nenhum parente vivo. E já pediram ajuda de outros vizinhos, só que...”.
Não duvidava que houvessem parentes mortos – afinal, eles disseram que tinham intenção de me matar e não duvidei ao me deparar com a força monstruosa da menina. Mas como os outros vizinhos saberiam deles? Havia algo errado ali. Mamãe não tinha comentado sobre assassinatos ocorrerem ultimamente no bairro? E a mudança deles não havia sido... recente? No restante da refeição, mamãe ainda tentava me convencer, contudo eu nem disse sim ou não. Achei estranho que, com os pratos vazios, as crianças ainda brincassem com os talheres. Só entendi o que pretendiam quando sai da mesa para lavar meu prato, pois os dois pegaram os deles e me seguiram em uma sincronia de gêmeos.
“Não me matem”, repeti durante todo o trajeto iluminado até o quarto, os dois na minha cola. “Eu bem que faria isso se não estivesse sem fome”, a menina se pronunciou despreocupada, “Comi demais para uma semana”. “Não sei, não quero me mexer com sangue no momento”, o garoto comentou em um tom que o faria parecer mais velho. Recordo encarar os dois, imaginando que tinham a possibilidade de fazerem aquilo. “Aliás, por qual razão eles precisariam de mim como uma babá? Eles não precisam de segurança, afinal”, pensei.
— Nós não precisamos de segurança de uma mortal, é verdade. — de repente, escutei o garoto responder enquanto chegávamos no meu quarto após as louças lavadas e secadas. — Mas o doutor, quem é responsável por nós, nos disse que era boa ideia ficarmos na companhia de um humano.
Quase girava a maçaneta da porta, mas parei para ouvir aquilo ressoar na minha cabeça. “Como que ele sabe o que eu penso?”, questionava-me. Tentei deixar para lá, respirando fundo e abrindo a porta para ir à minha cama. Porém, a conversa continuava:
— Deve ser pelo afeto dele por humanos. — a menina deduzia. — Afinal, ele perdeu a mulher no meio daqueles experimentos malucos dele. Agora ela está toda congelada...
— Pensei que fosse para nos divertir na companhia dela. — o menino contrapôs. — Sei disso, mas a ponto de nos chamar pra não matar...?
Achei engraçado que não fizessem mais alguma atitude para impor terror, embora ocasionalmente eu os visse com um olhar esquisito. Faziam silêncio ao percorrer o quarto, ao observar o espelho e as janelas, ao ligar e ao desligar os aparelhos. Acreditando que não iriam me interromper de tão entretidos estavam quando acharam uma caixa de papelão com meus brinquedos velhos, a menina virou o rosto e se jogou feito um raio na cama. Não menos de um minuto depois, no outro lado o menino já se encontrava sentado e concentrando-se em um livro grosso de Biologia que encontrei na pequena biblioteca do meu pai.
Em resposta àquelas reações de crianças abusadas, fiz uma careta de cansaço e então tentei me encaixar dentro das cobertas para pegar os travesseiros para tampar os ouvidos. Não seria a última vez que não mediriam esforços para me aborrecer: ainda viriam com a desculpa que Dr. Moraes me pediu para cuidar deles, inicialmente só passando noites ocasionais em minha casa. Então, depois desse período, suas visitas se multiplicariam de frequência e de demora, os dois sempre com ideias mirabolantes. Se eu quisesse não participar, os dois arranjariam um jeito de me tragar até a situação.
No começo dessa mudança de atitude, com o tempo, perguntei a mim mesma por qual razão me arrastariam com eles: tive a impressão de que no início, o que era mútuo, existia aquela tensão de uma trégua forçada. Ás vezes, acreditava que logo desistiriam da ideia dada pelo responsável deles e iriam embora. Digo isso por já ter ouvido Valéria falar uma vez “Você é pouco divertida”, algo que percebi Randimiel nem concordar e tampouco discordar. Ficou na minha cabeça “Bia, tudo beleza. É só você conseguir manter um olho aberto e um tanto de paciência que esses dois vão embora e te deixar em paz”.
Entretanto, houve aquele despertar de interesse de ficarem colados em minha pessoa, até quando era de dia ou quando eu estava dentro da sala de aula (só era me virar pra a janela e ali estava um dos dois ou a dupla acenando em cima do galho de uma árvore). Estranhei muito quando começou, no entanto, passei a não ligar tanto: os dois, em muitos momentos, pareciam serem só crianças, apesar de Randimiel sempre aprontar no banheiro ou na cozinha com seus líquidos aparentemente perigosos, ou até com Valéria não sendo a melhor companhia de paciência perto da lua cheia e com seu hábito de correr atrás de gatos ao ver um. Sentia, até, que eram meus irmãozinhos.
Esse sentimento se comprovou como mútuo em um domingo desses, um dia que os dois me enviaram um convite para visitar a casa deles – ou melhor, me arrastaram para lá – e para andarmos pelo jardim. Nem preciso dizer que não era uma residência, nem por fora e nem por dentro, normal. Perdi a conta de quantas vezes a casa não tentava me matar. Foi quando, depois de nos encaminharmos para seu quarto, Valéria retirou uma maçã escondida do fundo da cozinha. Disse que pretendia a comer com Randimiel, como ela tirou de uma “árvore bastante grande”, mas que ambos decidiram deixar a fruta comigo. Fiquei com ‘um pé atrás’ ao ouvir a oferta, a mão dela estendida e um sorriso genuíno em seu rosto de garotinha, antes de dar uma mordida em relutância. Não pareci sofrer nada. Acabei devorando a maçã toda em deleite, deixando apenas os caroços. 
CONTINUA...

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4 comentários:

  1. Oie Lucie =)

    Parabéns pelo texto! Eu não consegui desgrudar os olhos da tela até chegar ao final. Você escreve muito bem!

    Estou curiosa pela continuação *-*

    Beijos e um ótimo final de semana;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
    @mydearlibrary

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    1. E aí Ane, beleza? :)

      Obrigada, amor! Fico feliz que tenha gostado :D

      Continuação em progresso >:B

      Beijo beijo :3

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  2. Ler meu nome em CPB é tipo uma honra. Lucie, você me conhece, eu acho que não consigo te comprar mais com elogios, porque sério... Eu acho que o trabalho em si, o conjunto completo, é já uma delícia de se ler, mas ainda dou enfoque para o finalzinho dessa parte. Eu achei incrível, sem palavras. Devorei essas linhas tão rápido que fiquei com o sabor na boca até um tempo depois de terminar.
    Já falei que sua escrita é praticamente comestível?
    Os diálogos também são tão gostosos! Você me cativa cada vez mais, sua narração, suas descrições, tudo é costurado de uma maneira tão sua que não dá pra julgar, apenas pra apreciar. E muito, viu?
    Beijos Dida, parabéns de novo!

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    Respostas
    1. BIDIDA <3
      CPB e minhas manias de siglas meus escritos xDDDD
      Mas vamos lá :)
      Eu te conheço também e cê sabe o quão é mútuo a admiração pela sua escrita que é algo divino. E eu fico fazendo essas homenagens que partem de umas ideias doidas que podem não fazer muito sentido porquê eu mesma não faço muito sentido e essas coisas. Mas fico muito, muito feliz em saber que você gostou xD
      Obrigada, coisinha linda do coração :3

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