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domingo, 13 de outubro de 2013

[FEITO A MÃO] Pausa e Imprecisão



 
Um texto pequeno de uma reflexão de uma garota em uma cafeteria.









  Pausa e Imprecisão
 
Havia uma garota em uma cafeteria de um shopping.
Em sua mesa, apenas um café com leite com a fumacinha escapando com suavidade. Também existia alguns papéis almaço e uma caneta, os quais geralmente usava para escrever alguma história. Não sentia muita segurança em levar seu notebook, pois talvez não devesse confiar que alguém não a roubaria. Além do mais, existiam documentos importantes ali dentro, como seus trabalhos da faculdade e outros escritos. Não poderia arriscar que estes desaparecessem.
Também não arriscaria ficar em casa naquele curto tempo de férias. Era silencioso e era bom para digitar algumas coisas, mas algumas vezes os eventos da família faziam uma pressão invisível cair sob seus ombros. Não só de dentro do círculo familiar, como fora também: comentários de outras pessoas que, além dela, também atingiam sua família. Não que fizesse um grande escândalo dessas atividades, como, oh bem, não era assim na sociedade de qualquer país e com toda família? Só que existia aquela urgência de um tempo. Um tempo para ela. Um tempo para pensar... Um para... Paz.
E ali estava, na cafeteria. Já de maior naquele ano, conseguia sair mais livremente de casa sozinha. Algumas vezes, até levava a irmã, no entanto sentiu que era um dia dela com ela mesma. Ao menos algumas horas era apenas o que pedia para o que qualquer fosse a energia que movesse a vida, o tempo e o universo.
Também aproveitou aquele período sentada para escrever. Sabia que existiria esse momento, logo trouxe o papel e a caneta. Achou que precisava de escrever, pois, afinal, era o que a fazia relaxar. Além de uma boa piscina ou ver seus desenhos animados preferidos, é claro. Mas escrever, ao menos imaginava, era o que conseguia fazer de melhor e abusar do potencial que articulou durante anos: não podia ajudar em conseguir avançar o aspecto extrovertido de sua pessoa, por mais que os demais dissessem que não precisasse se preocupar, como ria, gritava e chorava com liberdade.
Porém, acreditava que ainda existia uma última coisa. Algo que era como uma pulga atrás de sua orelha, fazendo-a mover, um tanto estressada, algumas mechas de cabelo. Um formigamento parecia crescer entre seus ombros, o que tentava corrigir, inquieta, mudando suas posições. Esquecendo-se do mundo, pois, naquele instante, seu foco era sua mente: uma piscina bastante funda, descoberta apenas em décimos de seu volume misterioso. Fez-se ouvir a pergunta, uma voz na cabeça, “O que está em falta?”.
A resposta veio quando virou o rosto para o vidro, bem ao lado de sua mesa e mostrando um corredor iluminado e espaçoso do shopping. Seu reflexo. Sentia a ânsia, algo que prendia seus olhos, acostumados a serem observadores de detalhes, até a imagem. Estava com algumas roupas que julgava serem confortáveis, embora sua mãe dissesse que era melhor usar algumas outras que a deixavam meio irritada. Tinha armado seu cabelo em um rabo-de-cavalo, mas caíam uns fios que roçavam a pele.
Não foi à cabeça sobre algum garoto – ou, considerando o como conhecia de sua sexualidade, alguma garota. Não exatamente o gênero, mas pessoa (nos apaixonamos por gêneros ou por pessoas?). A pessoa que seu coração dava mais valor, um aspecto que não controlaria como emoção não tem razão.
O pensamento que teve foi sobre si. Coisas sobre si. Lembrava-se de quanto algumas amigas comentavam sobre “se ajeitar”. Tinha consciência que, como a sociedade vivia de concepções estéticas e de valor a aparências que soavam por vezes superficiais, deveria ser mais vaidosa (mas perguntava a si “Mas vaidade não é um pecado capital?” quando a mãe também falava da mesma coisa), já que não demoraria a caçar um emprego. Por vezes, pela sua rotina de vida, ouvia comentários, até de gente com quem nem falava muito, “mas ela não se ama”.
A garota se revoltava ao escutar aquilo, por que acreditava, acreditava mesmo, que  não precisava que alguns outros se preocupassem daquela maneira. Não que não ponderasse que poderia, sim, pedir ajuda de outros. Entretanto, havia aqueles momentos em que se irritava ao sentir que o respeito estava sendo distorcido quando o que deveria ser ajuda termina como um julgamento, uma espécie de sentença onde, não literalmente e literalmente, pessoas apontavam o dedo nos ‘problemas’ – que, contudo, eram só peculiaridades de diferença – da superfície como estes fossem bichinhos, ervas daninhas. “Ah, como você espera casar?” e “Ah, como você espera ter um namorado?” e “Ah, como você vai ser feliz se não se ama?”.
Só que isso era realmente importante? Todo ser humano anseia ser amado – talvez exceto os psicopatas e os sociopatas? –, mas não acreditava, com toda a imposição que os padrões de vida é imposto por partes da sociedade, que a pessoa precisa ser uma pessoa completa só por estar com outra pessoa. Não é uma obrigação, afinal. Não é obrigação que, para ser feliz, precise se casar. Não é obrigação que, para ser feliz, precise namorar. Não é obrigação que, para ser feliz, seja bonita e tenha um sorriso enorme no rosto e um monte de pessoas para chamar de amigos. Ela se achava feliz, ela se amava e ninguém poderia pôr o dedo para falar o contrário quando essas coisas apenas ela sabia.
Claro que existiam as inseguranças. Sempre existem inseguranças em cada célula do mundo, ao menos pensou enquanto se olhava no vidro, vendo que algo faltava. Não para ser feliz, mas para se sentir, naquele momento, bem. Queria se sentir bonita, a mesma sensação que dava às suas personagens e que realmente desejava dar, e se perguntou se algum batom resolveria o problema ou se alguma total transformação contornaria a questão. Mas quantas vezes não foi ao salão de beleza? Saía de lá com orgulho de si, só que não era algo que preencheria a peça que falta. Não sabia, nem ao menos, que peça era essa. Talvez nem cirurgia ou uma dieta resolvesse – e não gostava dessas opções.
Voltou a olhar seu café e seus papéis. Não pôde deixar de conter um sorriso ao sentir o vapor. Gostava de café com leite. Era uma espécie de recompensa que fazia para si. Café e escrita. Naquele momento, achou que estava tudo bem não saber a peça que faltava para se achar como satisfeita. Se não há dificuldades e questões pessoais a serem levantadas, do que adianta viver o verbo viver?

FIM



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