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sábado, 8 de junho de 2013

[FEITO A MÃO] Antecipação


Uma coisa pode resumir tudo: Raimunda está com problemas.
Por conta de um engano na hora de voltar para casa, a colegial parando em um bairro perigoso e distante, ela acaba presenciando um assassinato em um beco. Como se a morte de um desconhecido e a adrenalina não fossem o bastante, também há a questão do homicida ser uma pessoa que a pobre garota conhece bem.
Não sabendo a quem correr, a jovem decide confiar o que viu a Getúlio.
(Originalmente seria um conto - digo, isso daqui É -, mas o fim dele deu uma margem para uma continuação que a autora ainda está escrevendo no Wattpad :D Para quem quiser dar uma olhada, só clicar "FIM")


Antecipação


― Raimunda? – Ouço minha mãe dizer no outro lado da porta. Não a escutei tomar banho no chuveiro até agora. – Quando vai sair, filha? Hoje é dia de ir para a escola!

― É isso que você quer? – Meu pai a acompanha, a voz se alterando depois de cinco minutos. – Ficar presa em seu quarto, tentando cabular aula que nem uma... 
   Fecho meus olhos com força. Tenho o celular em meu colo e eu seleciono os números enquanto escolho em qual devo confiar nesse momento. Meu quarto está escuro, pois não quero que ninguém na rua perceba que posso estar em casa.

― Mãe, só diz que eu estou doente... – Digo sem muita força.

― Mentir para a escola? – A voz dela se exalta. – Você nem está doente, menina!

― Talvez tenha acontecido algo ontem? – Meu irmão caçula se faz ouvido e um silêncio ocorre como se meus pais tivessem prendido a respiração. – Quero dizer, geralmente ela chega só de tarde, mas como foi no ônibus errado...

   João Paulo tem o dom de ser compreensivo ás vezes. Embora tenha a mania de me incomodar, está mais quieto que o usual. Como esperasse me questionar.

― Oh! – Posso até imaginar que minha mãe aflita com as possibilidades. E que meu pai está tenso, pois não tem muito tempo para ficar na porta do meu quarto. Tem trabalho. – Será que no meio disso, ela ter experimentado algo? Drogas... Ter sido es...

Mãe. – Interrompo antes que interpretassem o absurdo. – Aconteceu nada comigo... Por enquanto, nada. Eu só não quero ir pra a escola hoje, tudo bem?

   Pausa.

― Quando é que você pretende sair desse quarto? – Mamãe está mais calma.

― Acho que pode ser logo. – É o que digo, mas, de verdade, não sei se vou precisar só de dias fora do contato com meus colegas de escola.

   Mal dormi desde que vi aquela cena no beco, o cabo da arma apontada para a cabeça daquele adulto que não pude identificar... Caramba. Apenas vi aquilo por ter pegado o ônibus errado, o qual levava para um bairro bem distante do qual eu residia.

   Fui obrigada a correr ao reconhecer o assassino irritado com minha presença, além de seus olhos castanhos estarem em um brilho quase morto. O coração batia forte no meu peito e as minhas mãos suavam enquanto ouvia passos apressados atrás de mim. Era noite, fazia frio e àquele horário minha presença não deveria estar ali. Algumas pessoas haviam presenciado, mas não sei se eles entendiam a gravidade que era a situação.

   Com certeza, não entenderiam. Havia um cara com uma arma escondida no seu casaco com capuz, caçando alguém que presenciara seu crime. Nem consegui raciocinar em nada, apenas o instinto de sobrevivência aceso. “Corra, garota, corra mais rápido!”, era o que este gritava. Por sorte, o trânsito estava intenso e minha mente possuía uma habilidade – talvez pela adrenalina, nunca sei – em escolher o instante certo para cruzar a avenida e esconder-me ao lado de um lixão cheio de sacos de lixo.

   Ainda bem que existiam alguns obstáculos no caminho para despistá-lo e fazê-lo ficar parado por uns poucos minutos ao olhar para o movimento dos veículos, além de tantas sombras perigosas cercando as ruas. Segurei minha respiração, receosa que ele viesse me perceber, mas o assassino fora embora ás pressas. Um carro de polícia vinha de uma determinada direção, notando algo peculiar no individuo.

   Uma mulher magra e morena se encontrava na janela de um apartamento que dava uma vista para o beco. Pelo roupão vermelho que vestia, presumi que fosse ir dormir. Senti a mim mesma lacrimejar quando notei sua vista sob minha cabeça e, apenas com isso, entendi que ela havia visto a cena toda. Tinha um cigarro na sua mão direita.

    “Vá ali”, apontou para a praça do outro lado da rua, “e você vai ver um homem velho com barba grande e uma gorra colorida na cabeça. Não é difícil de achá-lo. Chamam-no de ‘Mercador’ e ele vai levar até onde é sua casa”.

   Foi difícil de responder. Levei tempo para fazê-lo. “Mas como... Como posso confiar que vocês não vão fazer nada comigo? Quero dizer... Minha mãe diz que não devo confiar em estranhos e...”

   “Mas aquele menino”, ela franziu a testa ao me cortar, desviando o olhar de mim, “não era estranho para você. Senão, ele não teria te chamado. E você não estaria tão assustada como está agora”

   Silenciei-me com aquela afirmação. Havia sim o escutado gritar meu nome, dizendo para que eu voltasse porquê “tudo estava bem” e que “ele não me machucaria”.

   Só que nada estava bem. Nada está bem. Não está.

   Por isso, eu apenas olhei para baixo e respondi nada. Meu peito subia e descia, diante da possibilidade que tinha em enfrentar outra ameaça.

   “Eu sei que é difícil, mas confie em mim”, quando ergui meu queixo, a moça estava me encarando. “Vai dar certo por que o ‘Mercador’ vai pedir um preço pelo seu bom serviço e ele pode fazer o que você quiser por esse relógio”.

   Meu foco se deslocou para meu pulso direito. “Ela não podia estar falando certo”, foi o que eu pensei quando senti meu coração pesar. Era um objeto antigo, mas era um banhado em ouro com algumas pecinhas de cristal bem pequenas.

   “Não posso...”, fechei a outra mão sob o relógio, acariciando-o triste. “Ele pertencia ao meu avô. E é muito raro encontrar um desses hoje em dia e os ponteiros nem estão bem...”

   “Querida, sei o quanto um relógio é valioso para o mercado quando eu vejo”, a mulher afirmou com um sorriso que não tive certeza se era realmente simpatia por mim, “E este é um modelo esgotado do século passado da Alemanha. Com alguns ajustes básicos e ver o comprador certo, poderia ser vendido a preço de uma mini fortuna”

   Fiquei tentada ao ouvir aquela informação, mas sacudi minha cabeça.

   “Mas...”, não queria deixar aquela memória para longe de mim.

   “Olha, garota, o que é mais valioso pra você?”, a moça parecia impaciente, “Ficar com esse relógio velho ou voltar sã e salva pra casa?”

   “Viver, é claro”, respondi com relutância, desviando o olhar para a rua. Demorou muito para que eu concentrasse minha vontade para sair do beco. “Meus pais estão preocupados comigo...”, sussurrei para mim mesma.

   “Ah, mais uma coisa que eu esqueci de dizer!”, a estranha alertou animada quando pisei para fora das sombras, “Não esqueça de especificar bem como você quer ir! Se você dizer que quer só ir para casa, ele pode interpretar da maneira que ele quiser”

    Não entendi bem o que ela quis significar com esse aviso, mas tratei de fazer exatamente como havia me explicado. Encontrei o homem sentado entediado em uma caixa com roupas de hippie. Quando fui fazer o pedido, sentindo calafrios pelo que a mulher havia informado, tratei de especificar que não queria nenhuma ameaça à minha vida enquanto isso ou depois disso. E que queria ir de modo salvo.

    Graças ao conselho daquela mulher, acabei perdendo meu relógio para os olhos ambiciosos daquele velhinho, mas voltei bem para casa. Uma chuva ocorria no meu bairro e minha família me recebeu furiosa com os braços abertos. Mas não conseguia dormir com a imagem do olhar do assassino – e, cara, a sua voz, aquela voz que me lembrava ter ouvido... – da minha cabeça de maneira alguma.

   Porquê hoje é sexta-feira e ainda tenho que ir para a escola. Mas sinto incapacitada de ir por saber que meus amigos não entenderiam o perigo que passo agora. O quanto minha vida foi bagunçada por conta de presenciar um tiro. Por conta disso, meus braços não param de tremer e eu me encolho nos lençóis como uma criança.

   Meu pai já foi embora, levar meu irmãozinho para um colégio diferente do meu, e minha mãe desistiu de bater na minha porta. Segundo meu despertador, são nove e alguma coisa da manhã agora... Daqui a alguns minutos, será a hora do lanche...

   Estou sozinha e preciso de alguém. Tenho um segredo na minha garganta e não posso tê-lo para sempre. Vou ter que correr o risco e me contatar com uma pessoa, mas ter bastante cuidado para que ela não esteja próxima do assassino e que ele perceba que estou fazendo um movimento. “Mas quem, meu Deus, quem?”, pego meus cabelos e os puxo de leve, movendo meu corpo de frente pra trás como uma cadeira de balanço humana.

   “Não sei o que está acontecendo”, mordo meu lábio inferior, pegando em minha testa ao analisar. “Achei que essa pessoa fosse tão doce... Fiquei com ela por um bom longo tempo e ela nunca demonstrou aquele tipo de comportamento... Além disso, quando ele me lançou aquele olhar... Tive a impressão de ver um mons...”

   Meu olhar para na tela do telefone, próximo de meu pé, e isto me mostra um número. Devido minha paranoia com tudo, havia descartado o celular que uso desde o ano passado. Quebrei o chip, procurei nervosa entre a pilha velha de coisas que mantinha em uma caixa mofada e encontrei um celular bem antigo. Estou usando o chip agora, o qual testei nesta madrugada com um primo de outra cidade que não tinha contato com meus amigos.

   “É perfeito”, tento me tranquilizar com o plano. Nenhum dos meus amigos de escola tem esse número, pelo menos os quais tenho mais preocupação. Mas sei de algumas poucas pessoas com quem o assassino não fala por não gostar muito, então...    Encaro o despertador e espero sentada na minha cama, olhando minha estante de livros e mangás.

   Quando são nove e meia, sei que o sino havia tocado e as portas estão sendo abertas para os alunos lancharem. Sei que o assassino participa do meu grupo de amigos e imagino o quanto eles devem estar ligando para o celular que eu usava, não para este aqui. Nenhum dos meus colegas sabe do meu número de casa, então, estou salva, pelo menos, até a aula acabar.

   Por isso, minha vida – e provavelmente de mais gente – depende de uma única pessoa, a qual eu nunca pensaria que poderia contar até agora. Ela não lancha com os amigos que tenho agora, vai para um caminho separado e é o individuo que mais se enquadra em uma emergência dessas. O tal do mauricinho que chamam de...

― É você, sua metida a delinquente? – Ouço a voz cínica de Getúlio soar como música em meus ouvidos, embora eu ache que ele é um dos maiores palermas da Terra por enganar minha melhor amiga a namorar consigo para que ganhasse uma aposta ridícula. – Qual é de faltar aula justo hoje? Você não era assim...

   Mas honestamente, tenho tempo para reclamar? É talvez minha única chance...

― Oi, geleia de moleza. – Rolo meus olhos ao tentar manter minha voz baixa. – Tenta não falar alto. Preciso falar com você sobre um negócio sério e somente com você.

― O.K... Por que você está sussurrando? – Ele parece estar me estranhando. Ouço o barulho de várias vozes se distanciando de onde ele está. Getúlio está se deslocando. – Ou melhor, por que eu tenho que ficar sussurrando?

― Continue só a sussurrar. – Retruco seca, irritada por estar gastando minutos das minhas possíveis últimas horas de vida. Que escolha sacana! – Você tá vendo Henrique por aí? – Eu ia deixar essa pergunta e ver se Getúlio responderia, mas, no segundo seguinte, sinto um tapa de realização e corro para dizer. – Mas se ele estiver aí, não fique encarando ele... Encare normal... Como o seu “eu insensível” normal...

― Meu “eu insensível” normal? – O outro parece ultrajado. – Que conversa é essa?

― Responda e eu te dou dez pratas. – Saio das cobertas, finalmente sentindo energia circulando no meu cérebro quando encostei-me à parede perto da porta.

― Dez pratas... É pouco, mas é dinheiro. Então, tá valendo... – Escuto o garoto bufar, como não tivesse outra opção. Sorrio grata a mim mesma pela negociação. – Eu vejo sim. Mas, fala aí, o que você quer? Vocês eram tão ‘pombinhos’ há pouco tempo. Ele fez alguma coisa? Sempre achei que não fosse tão santinho...

   Respiro fundo. Ainda estamos próximos de meu ex-namorado de duas semanas atrás e o cara ainda fica falando algo assim? Vai ver se o Henrique não é um gênio do mal?

― Espere que ele vá para o andar térreo do nosso prédio. Fique aonde você está. – Digo a ele com seriedade. Mesmo não gostando muito de Getúlio, quero ele vivo. – E, ah, continue sussurrando... Não quero que o pessoal daí nos entenda...

― Por que isso? – Sinto a inquietação dele. – O que foi que aconteceu entre vocês?

― Getúlio... Você pode não acreditar em mim, mas... – Fechei meus olhos, concentrando apreensão em minha voz depois de suspirar. – Eu vi Henrique matando um cara. Eu quero que você me ouça e fique completamente calmo.

FIM?
QUER PARTICIPAR DO FEITO A MÃO? TEM ESPAÇO PRA VOCÊ! ENVIE SEU CONTO PARA CONTATONRA@GMAIL.COM OU PUBLIQUE SEU DESENHO/POEMA NO NOSSO TUMBLR! QUEM SABE NA PRÓXIMA SEMANA NÃO É VOCÊ RECEBENDO OS COMENTÁRIOS!

 

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