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domingo, 16 de dezembro de 2012

[CONTO DO FIM DO MUNDO] Ombrofobia

Faltam 5 dias para o fim do mundo...

Ela sofre de ombrofobia, que é o medo irracional da chuva. 

Durante uma tempestade, perde a razão e fica desesperada com a perspectiva de estar sendo caçada. O fato de ser dia 21 de dezembro faz com que tudo faça (um pouco de) sentido.

E eu recomendo enfaticamente que vocês leiam com essa página aberta, ajuda na ambientação :)


Gente, ficou meio longo. Desculpa. Sério, leiam, não é a melhor coisa que eu já escrevi, mas boatos de que vale a pena.




E CHOVIA. 

As gotas d’água batiam impiedosas no teto de telha da casa em um ritmo regular e insistente. 

Era como se elas pretendessem me atingir. Como se estivessem sendo magneticamente atraídas para baixo – e de certa forma estavam; como se toda a existência de cada uma delas se resumisse a martelar o teto, a chegar até mim, a me atacar. Sim, era exatamente isso, a chuva: um ataque.

Pela ampla janela, emoldurada pela cortina laranja, podia ver os coqueiros balançando e inúmeras folhas – de outras árvores – caídas no chão. Do lado de fora da casa, a piscina se encontrava completamente suja e haviam cadeiras, copos e boias de plástico espalhados pelo vento. 

Olhando ao longe, as mesmas gotas de chuva que pretendiam atravessar meu teto, perfuravam a areia da praia antes de serem absorvidas. Ondas enormes se formavam e corriam em minha direção antes de se desfazerem no litoral.

Granizo.                                     

O barulho ensurdecedor das pedrinhas de gelo despencando do céu me fez estremecer no sofá da sala inteira florida e decorada em cores frescas, para harmonizar com o clima tropical e ensolarado de sua localização. Eu não esperava que ele pudesse me encontrar aqui. Não em um lugar onde a chuva não era bem vinda. Não no Brasil, o país do sol e da festa! Em Ilha Bela! Na Praia do Sino!  Sua busca por mim, no entanto, era irrefreável, e eu seria sempre seguida. Perseguida.

Trovoadas.

Instantes depois um raio separou um céu em dois, caindo no mar. Pura sorte minha. Da próxima vez, ele não erraria o alvo. Ele nunca erra.

As luzes piscaram. Uma, duas vezes. Respirei fundo, tentando corrigir o ritmo de minha respiração: o fim estava próximo e eu sabia disso, mas era necessário que eu me controlasse para acabar com dignidade.

Encolhi-me, abraçando os joelhos e entre eles escondendo minha cabeça. Tudo bem... tudo bem... Todo mundo fala que não dói! Falam que é só um sustinho, que nem bebê que toma vacina, sabe? “É só uma picadinha, dá um sustinho e depois passa...” e como  passa.. não se sente mais nada, só uma paz praticamente sólida preenchendo seu interior e te elevando aos céus...

O granizo caia compulsivamente em cima da mim, e comecei a sentir o real medo de que as telhas – já não tão novas – não suportassem o impacto e me deixassem na mão. Não, essa casa iria me proteger. Aqui, eu estava segura e sabia disso. Sim, ele não pode me alcançar aqui. Ele pode me alcançar em qualquer lugar! Ele sempre me achará. Não tem para onde fugir!

Com um baque, uma das janelas de vidro cedeu à força do vento e se escancarou, trazendo água, granizo e folhas para dentro de casa. Não foi necessário um segundo para que a cortina que a emoldurava tentasse fugir de mim e de minha sina: colocou-se para fora, sendo guiada pelos ares para longe de mim. As argolas que a prendiam dentro de casa, no entanto não cederam, sempre fiéis.

O apocalipse era bonito.

Uma rajada de vento derrubou meu abajur, que caiu levando junto todos os porta-retratos da família feliz que antes habitara aquela casa. Alcancei uma tesoura dentro de uma gaveta e corri à janela aberta: lutando contra o granizo, cortei a parte da cortina que saia de minha casa, auxiliando-a na fuga. Não quero traidores. Fechei as janelas novamente, e pela primeira vez pude respirar fundo desde que a tempestade havia começado.

Corri até o abajur visando socorrê-lo, mas ele não havia se machucado. Os porta-retratos da família feliz, no entanto, haviam quebrado devido a queda. Com um aperto no coração limpei os cacos de vidro soltos dentro da moldura e pela primeira vez olhei com atenção à fotografia: um casal sorridente, composto por uma mulher loira e um homem grisalho - que devia beirar os cinquenta anos; uma menininha de cinco ou seis anos, loira como a mãe e com um ar divertido no rosto; e um adolescente, que era o pai em miniatura, com cabelo castanho escuro e covinhas. Lindo. Meu coração palpitou ao vê-lo e senti que já o conhecia há anos. Havia um brilho no seu olhar, que apesar de congelado na imagem, era nítido, como se ele sorrisse para mim.

No momento em que posicionei novamente o porta-retrato na mesinha onde estava, ouvi outra trovoada, desta vez muito mais alta e próxima.

Cada fibra do meu corpo tremia em desespero e esforço algum me faria retornar à sanidade. 

O fim era inevitável e eu precisava aceitar isso o mais rápido possível. Não podia permitir que outros corressem risco por mim.

Engoli seco ao abrir a porta de vidro que dava para a piscina, atravessá-la e trancá-la logo após, para que eu não corresse o risco de tentar retornar à segurança de casa.  O vento bagunçava meu cabelo e eu era incapaz de ouvir qualquer coisa. Um raio riscou o céu e caiu na praia, a uns cem metros de mim. Eu não precisaria esperar muito.

Andei mais dois ou três passos, pelo caminho da rendição. Era inútil fugir, procrastinar meu destino. Soltei o ar que estava preso em meus pulmões mais duas vezes, antes de iniciar uma corrida desenfreada até a praia. Não escorreguei nenhuma vez, mas cortei meu pé em uma garrafa de vidro quebrada quem que pisei. Era bom sentir dor. Distraia.

Meus pés logo tocaram a água, mas continuei andando em direção ao mar aberto. Depois de algum tempo, eu praticamente não encostava no chão. A chuva torrencial impedia minha visão e o granizo doía ao bater em minha cabeça.

Mergulhei e ao retornar à superfície, deparei-me com uma onde enorme que me fez afundar novamente e com o choque, bati a cabeça em algo duro. O latejar tampouco era desagradável.. Era bom parar de fugir, me entregar, morrer... Acabaria logo, com sorte... Faltava pouco... pouco... pouco...

A água, a chuva, o granizo, a areia, objetos perdidos em alto mar e eu.. em um turbilhão infinito fadado ao fim. O fim...

Desmaiei segundos antes de sentir algo me envolver.

- Ei! Menina! Acorda! Menina! – alguém gritava, ao longo, enquanto batia com a mão em meu rosto – Você é louca? Acorda! Mas que saco, viu? Você escolhe um dia desses para se matar? – o chão girava em minhas costas e eu sentia meus olhos se moverem, apesar de não conseguir abri-los – Bom, na verdade escolhe – meu salvador inoportuno completou, após segundos de reflexão – a probabilidade de você conseguir aumenta durante a maior tempestade da década. É, foi uma boa decisão. Escolher hoje, eu digo. – continuou, enquanto meu corpo apodrecia na praia – Ohmeudeus! Por que você não acorda? Eu não gosto de cadáveres e está chovendo muito. Você pode se matar, mas não tem o direito de me matar junto, saco.

Eu podia sentir cada célula do meu corpo, mas era incapaz de mandar qualquer tipo de informação para elas. Provavelmente isso que é o coma: estar e não estar ao mesmo tempo.

Logo um impulso me tirou do chão, e logo eu comecei a me mover, a trancos e barrancos, em direção a algum lugar. Ele estava me carregando. De volta para a casa. Não! Não!

Para o mar! Para o mar! Poucos instantes se passaram até que o fofo almofadado do sofá afundou em minhas costas. Só então consegui abrir os olhos e vi um velhinho - provavelmente um pescador da região - indo embora. 

- Espero que você fique bem, feliz fim do mundo - disse, despedindo-se, antes de sair. 

Joguei meu corpo contra o sofá novamente, e permaneci imóvel por alguns minutos, enquanto a tempestade parecia abrandar. 

Ouvi pés se arrastando em minha direção. Eu não estava sozinha. 

Quando finalmente foquei o olhar, percebi que  era um garoto que se aproximava. O mesmo da fotografia. Não pude deixar de sorrir.

Uma súbita paz invadiu meu corpo, mas poucos instantes depois uma trovoada me trouxe de volta para a realidade onde a morte se aproximava a cada segundo.

Levantei-me bruscamente, atordoada.

- Você precisa sair daqui – declarei, subitamente preocupada. – nunca deveria ter vindo, na verdade. – achei pertinente acrescentar.

O rapaz girou os olhos e bagunçou o cabelo, antes de trocar o peso de uma perna para a outra e suspirar, frustrado.

- Da minha própria casa? Você está doente? Eu deveria chamar a polícia, isso sim. Isso é invasão de propriedade, sua louca.

- Você vai morrer se ficar aqui!

Ele apertou os olhos, como se procurasse ao longe o sentido de minha fala. E eu não podia explicar. Não podia simplesmente dizer “a chuva quer me matar, Ele está atrás de mim e não poupará vidas para me atingir”. Ele acharia que enlouqueci e me levaria para um lugar com mais pessoas ainda, um sanatório, quem sabe, e haveria um número ainda maior de vítimas.

- Eu preciso que você vá embora! Vai embora!

Depois de revirar os olhos, o menino sorriu. Não, o sorriso dele não foi apaixonado ou simpático, foi aquele sorriso débil que se dá para velhinhos gagás, loucos e “entes queridos” em enterros. Aquele sorriso “aah... tadinha... o que eu faço com você?”

- Se eu for embora, a chuva vai voltar. – ele anunciou, solenemente. E então, parei para ouvir. 

E de fato, fazia algum tempo que eu não ouvia trovoadas. Ou o granizo batendo no telhado. 

Na realidade, ao olhar pela janela pude ver aquele principio que calmaria, que acontecia depois de terríveis tempestades.

Lentamente meus batimentos cardíacos abrandaram, e eu pude respirar, tranquila. Não estava mais chovendo. Ele havia ido embora. Eu tinha vencido. Eu havia fugido. Eu estava viva. A adrenalina lentamente parava de fazer efeito.

- Parou de chover! Eu fugi! Eu estou bem! – exclamei, eufórica. – Obrigada! Estou bem! Ficaremos bem!

Pulei nos braços do menino e passei meu pescoço por cima de seu ombro, sorridente. Seus braços me envolveram e eu não podia acreditar na minha sorte. E se eu tivesse morrido sem querer? Ah... talvez Ele nem ao menos existisse de verdade. Talvez fosse só coisa da minha cabeça...

Enquanto ele me abraçava, meus olhos caíram sob o porta retrato sem vidro que enfeitava a mesinha. Ele não estava lá. Na foto. Havia o casal e a menininha, mas ele havia desaparecido. Havia uma silhueta branca na região que ele costumava habitar.

Afastei-me, assombrada.

- Você... você... a foto... – balbuciei, sentindo-me subitamente ameaçada por sua presença.

Ele deu um sorriso torto, antes de cruzar as pernas e segurar minhas duas mãos com força.

- Eu precisei usar métodos... alternativos... para chegar aqui. - Se eu for embora, a chuva vai voltar. – ele anunciou, solenemente. E então, parei para ouvir. E de fato, fazia algum tempo que eu não ouvia trovoadas. Ou o granizo batendo no telhado. Na realidade, ao olhar pela janela pude ver aquele principio que calmaria, que acontecia depois de terríveis tempestades.

Lentamente meus batimentos cardíacos abrandaram, e eu pude respirar, tranquila. Não estava mais chovendo. Ele havia ido embora. Eu tinha vencido. Eu havia fugido. Eu estava viva. A adrenalina lentamente parava de fazer efeito.

Franzi as sobrancelhas.

- Sabe, Chiara, você em momento algum enlouqueceu. O que houve foi que você acordou e pode ver a realidade de um jeito muito mais claro que o das outras pessoas. Você entendeu.

- Entendi o quê?

- Que o fim do mundo é verdade e que não há motivo para se fugir. Que a morte é inevitável.

- Mas... a chuva passou.

-...porque eu cheguei. – ele disse, soltando uma de minhas mãos para colocar uma mecha de meu cabelo atrás de minha orelha, tocando suavemente meu maxilar com seu dedo indicador – eu sou a Chuva.

Meus olhos arregalaram e eu tentei fugir, mas ele era muito mais forte do que aparentava e bloqueou minha passagem com seu braço sem dificuldade alguma.

- Socorro! – gritei – Socorro!

Sua voz, no entanto, permanecia igualmente suave e tranquila:

- Shh... – sussurrou – não adianta fugir, Chiara, mas eu te garanto que não vai doer nada... o mais difícil já foi... Eu vim te buscar.

Eu me debatia contra seu corpo, inutilmente. Era verdade: eu jamais conseguiria fugir, estava fadada.

- Fica calma... – completou, antes de segurar meu rosto e encarar meus olhos e aproximar sua boca da minha.

No momento em que elas se encostaram, as luzes da casa começaram a piscar, e eu ouvi diversas trovoadas ao longe. Raios, dezenas de raios caíram, cortando o arco-íris que acabara de se formar no céu. A casa começou a tremer.

Firmei minhas mãos em seu peito, empurrando-o para longe num impulso inutil. Eu precisava fugir. Socorro.

Seu corpo não se afastava um centímetro, e sua mão direita envolvia com ainda mais força minha cintura. Seria bom, se não fosse a morte. Na verdade, era bom, apesar da morte.

E quando tudo ficou escuro e o chão abriu embaixo de meus pés, eu só me sentia feliz.

Acabara. 



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8 comentários:

  1. Respostas
    1. Owm, Clara, sua linda, obrigada!
      Eu juro que não achei tão bom, tava com medo que estivesse monótono e depressivo e chaaatooo. Nunca tinha escrito um conto mais pesado.

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  2. CADÊ MAIS COMENTÁRIOS NESSE CONTO AQUI? D: Caraca, eu acho que deveria haver mais comentários aqui :c Porquê ontem eu fui dar uma lida e achei o conto tão legal :C Sério, Mel, gostei bastante. Do seu e o da Clara. Gostei da sensibilidade ao escrever. Gostei das ações. Gostei da "Chuva". Gostei da visão que você nos trouxe do fim do mundo *O* E tadinha D: Haha. Mas realmente gostei <3

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    1. Sério, Lucie? Aaaaah, obrigada!
      Acredita que esse não é um conto que eu leria? Eu sei que eu que escrevi e tudo mais, mas sempre prefiro ler coisas leves&lindas, acho que de ruim já tem o mundo real.
      Enfim, muiito obrigada, eu realmente me esforcei muito para que ele desse certo e ficasse bem descritinho, hahaha.
      E tadinha mesmo. Louca de pedra, a menina.

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  3. No meio do conto eu rolei a pag ate o final so para saber quem tinha escrito a obra prima. Serio, Mel. Adorei. Vc conseguiu fazer com que eu sentisse o desespero q é ter uma fobia.

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    1. Wow. Chris. Nossa.
      Obrigada.
      "obra prima".. uau. Acho que ninguém nunca falou de obra prima para mim, em relação a qualquer coisa que eu tenha escrito. To pulando de alegria aqui, hahaha.
      E você jura? Eba! E olha que eu nem tenho fobias, hahha. Ou medo da chuva. Na verdade, eu AMO quando chove.

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  4. MEEEEEL, amei seu conto! Como a Chris, tbm adorei a visão que eu tive da fobia, o desespero e tudo mais. Você escreveu tudo isso muito bem *---*

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    1. owmmmmmmmmmmmmmmmm!
      Obrigada! Eu tentei descrever cada sensação/acontecimento ao máximo, para que isso acontecesse. Tanto que, no final, eu tava achando o conto longo monótono, mas obrigada, obrigada, obrigada!
      Eu me sinto muito bem quando vocês gostam.
      Fazia um ano que eu não escrevia uma história com começo, meio e fim. Tava/to completamente destreinada, hahaha

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