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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

[CONTO DO FIM DO MUNDO] O Natal no Fim do Mundo


É hoje! Corram para as montanhas!




Aconteceu: o mundo acabou em uma grande catástrofe. Ou, pelo menos, o mundo como conhecíamos. Alguns (poucos) sobreviventes tentam levar a vida como podem. E, talvez, até encontrar um pouco de paz para celebrar o Natal. 





O Natal no Fim do Mundo


Eu me lembro...
                  
Eu me lembro das luzes. Lembro que elas eram muito brilhantes e que, espalhadas por toda a cidade, cintilavam as ruas tão lindamente que pareciam parte de um sonho. Eu me lembro da música. Os corais e bandas se apresentando nas esquinas. Suas canções outrora me soavam todas parecidas e irritantes, mas agora, eu daria qualquer coisa para ouvi-las outra vez. Eu me lembro dos sorrisos, do cheiro de bolos recém-assados, dos abraços, dos presentes.

Eu me lembro dos meus amigos... Da minha família... Das pequenas coisas que faziam o Natal minha época preferida do ano.

Corro os dedos pela foto em minhas mãos.

Foi tirada há exatamente quatro anos, no último Natal que eu comemorei de verdade. Todas as pessoas que eu amo e já amei estão nela. Eu, meus pais, minha irmã mais nova Piper, minha melhor amiga Bonnie, meus vizinhos, os gêmeos Hugo e Hunter, e meu namorado James. Estamos todos sorrindo, na frente do enorme pinheiro decorado que eles montavam todo ano em nossa cidadezinha, todos alegres e despreocupados.

Tanta coisa desde então mudou...

Pouco menos de um ano após tirarmos aquela foto, no dia vinte e um de dezembro de dois mil e doze, a Grande Catástrofe se iniciou. Um meteoro inesperado acertou a Terra. O chão tremeu, os mares se abriram, as cidades foram destruídas, uma poeira espessa encobriu metade dos continentes.

Meus pais se foram. Bonnie e os gêmeos desapareceram quando tentávamos fugir de um terremoto. Sobramos apenas eu, Piper e James, refugiados, supostamente, num dos últimos lugares seguros do mundo.

Mas, ainda assim, a cada instante persevera o medo de que a qualquer momento algo possa acontecer. Os desastres nunca cessam. Uma amargura não-natural me domina desde que chegamos aqui.

- Piper, pare de espiar pela janela! – eu grito para minha irmã, que está de na ponta dos pés observando a rua pela janela do nosso barraco.

Ela recua e me olha emburrada.

- Por que James está demorando tanto? Ele disse que voltava em uma hora! – reclama.

- Eu não sei – tento parecer despreocupada, mas não posso esconder uma pequena preocupação com meu namorado.

James sai todas as sextas para buscar mantimentos no centro de doações da cidade. Tudo que consumimos agora é controlado e distribuído pelo governo. Mas algumas pessoas adquiriram a terrível mania de matar os outros para ganhar seus suprimentos.

- Será que ele vai trazer presentes?

- Eu não... – a porta da frente se abre antes que eu possa terminar a sentença. James adentra o barraco, segurando suas sacolas com um enorme sorriso no rosto.

- Meninas, cheguei! – ele anuncia.

Eu apenas sorrio, mas Piper corre até ele e puxa a barra de sua blusa.

- James, você trouxe presentes? – ela pergunta.

Ele se ajoelha, ficando mais ou menos da altura dela, e afaga os cabelos dela.

- Trouxe – diz. – E acho que vai gostar.

James enfia a mão em uma das sacolas, tira um pacote de jujubas e o entrega a minha irmã. O rosto de Piper se ilumina ao ver o presente. Até mesmo eu não consigo evitar um pequeno sorriso.

- Uau, eu não vejo um desses há anos – digo, realmente impressionada. Depois que a Grande Catástrofe começou, coisas supérfluas como pararam de ser produzidas e mesmo as essenciais são difíceis de conseguir.  – Como você arrumou isso?

- Tenho meus meios – ele dá ombros. - Eu trouxe um presente pra você também – James diz. – Mas você vai ter que fechar os olhos – ele tira um pedaço de pano da sacola e se dirige para trás de mim. Eu fecho os olhos e o deixo me vendar. – Agora, vem cá – ele me guia e me ajuda a me sentar no sofá encardido que temos no meio da sala/cozinha/quarto/tudo. – Fica sentadinha aí.

- Tá bem – eu respondo com um sorriso e me ajeito numa posição confortável no sofá.

Ouço James pedir a Piper que me vigie para que eu não espie nada e tento deduzir o que está acontecendo através dos sons.

Passos, passos. Portas se abrindo. Algo cai no chão. Mais passos. Papel amassado. Outra coisa cai. James diz um palavrão. Passos em minha direção. Ele toca meu ombro.

- Pode abrir os olhos agora, Marla.

Eu me levanto e desfaço o nó de minha venda. Abro os olhos, e continuo não enxergando nada. A sala está completamente escura.

- Ahn... James... – começo a reclamar, e então uma luz ofuscante invade meus olhos.

Não.

Não apenas uma. Centenas de luzinhas brilhantes minúsculas. Luzes de Natal!

- Uau, James – eu me viro para agradecê-lo e meus joelhos bambeiam.

Ele não está sozinho. Atrás dele, duas figuras conhecidas acenam para mim.

- B... Bonnie? – gaguejo, com a voz subitamente fraquejando. Lágrimas ameaçam escorrer de meus olhos. Eu mal posso acreditar no que estou vendo. – Hugo?

Os dois correm até mim e me abraçam com força. Ouço Bonnie soluçar e eu mesma paro de conter as lágrimas.

- C... Como? – eu pergunto a eles. – Como? – solto o abraço e me dirijo a James.

- Nós estávamos refugiados em uma cidade próxima, mas alguns suprimentos estavam em falta lá – Bonnie explica. – Viemos aqui semana passada buscar umas coisas e...  Acho que foi destino encontrarmos ele logo que chegamos.

- É – concordo, com um sorriso gigantesco em meu rosto. E então olho para Hugo. – E o Hunter, onde está?

Hugo fica sério. Ele apenas abaixa os olhos e balança a cabeça negativamente. Aquele olhar diz tudo: está morto.

Mas ainda assim eu não consigo parar de sorrir.

- Ah... Vocês! – eu puxo todos para outro abraço em grupo: Bonnie, Hugo, James e Piper. Nos soltamos após um longo tempo e eu olho para James. – E você...

Ele sorri e toma minhas mãos entre as dele.

- Feliz Natal, Marla – ele diz.

E me dá um beijo rápido nos lábios.

- Você é o melhor, sabia? – digo. – Foi o melhor presente de todos.

- Bem, foi um presente pra todos nós.

E abraçados, observamos nossos amigos desembrulharem o jantar das sacolas. Não há muita comida, mas ninguém se importa. Dividimos o pouco que tempos com prazer.

Nós estamos juntos nessa.



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4 comentários:

  1. Caramba, essa questão do racionamento me lembrou das histórias que a minha vó contava sobre a alimentação dela na segunda guerra.Ficou muito real a situação para mim por causa disso.
    Gostei, Ray. De fato são coisas pequenas que nos fazem felizes.
    PS; Piper é o nome da personagem principal do meu manuscrito. :)

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  2. UAU! Que conto foi esse? não conhecia seu blog mas vim conehcer eme deparei com esse cont de fim de mundo! Me lembrou muito um dos últimos livros que eu li, "A luz através da janela", parabéns, viu? Eu fiquei agoniada em algumas partes rsrs
    U mgrande abraço!
    Pâm
    http://interruptedreamer.blogspot.com.br/

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  3. Que conto legal Ray!
    Consegui imaginar muito bem toda a situação e até me senti triste.
    Mas gostei do final. Quando tudo parece perdido sempre pode haver um pouco mais de esperança.

    Beijo!

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  4. Que graça! Meio Jogos Vorazes, meio Armagedon, meio tudo e totalmente diferente mesmo assim!

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