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domingo, 6 de abril de 2014

[AUTOR CONVIDADO] O PRESENTE DO SENHOR ONOFRE - Camila B. Monteiro

Na nossa coluna de hoje temos um conto da querida Camila B. Monteiro, blogueira do Vida Complicada, que mora em São José do Rio Preto, no interior do estado de São Paulo e lançou recentemente um livro por conta própria, o Acumulador de Troféus. Camila mandou um exemplar pra gente resenhar e sortear, então muito em breve tem resenha, promoção, além de entrevista, fiquem de olho!

Por hoje, divulgamos o conto: O Presente do Senhor Onofre. Lá no site da Camila tem outros contos para baixar e comprar, além do seu livro! Confiram: http://camilabmonteiro.com/

 

O PRESENTE DO SENHOR ONOFRE 
E lá vinha senhor Onofre pela rua, saltitando e trazendo na boca mais um presente.
Para os desavisados ou novos no bairro, senhor Onofre era o gato doméstico que vivia no apartamento 301 do prédio velho da Vila Onofre. Daí o nome do bichano!
Era um gato velho, preto como ele só, daqueles que  de noite só se viam os olhos verdes e assim como todo felino doméstico, senhor Onofre pertencia ao apartamento e não
ao morador.
A primeira moradora do  301 foi a Dona Clô, uma senhora muito gorda e  muito amável que ganhou senhor Onofre de presente de aniversário de um dos filhos. Ele não passava de uma bola de pelos negra com dois enormesolhos verdes. Agora já estava tão gordo quanto Dona Clô e tão esperto como... Como um gato preto deve ser!
Ainda  bem  novinho  e  muito  mimado,  Onofre  viu  sua  dona  ficar  doente  e  um pouco  depressiva,  então  o  bichano  tentou  de  tudo,  ronronava  próximo  ao  seu ouvido, lambia  seus  dedos  dos  pés,  passava  o  rabo  gentilmente  em  suas  pernas  trançando  seus passos toda vez que ela levantava, mas nada a animava!
Chateado,  saiu  para  um  passeio  pelas  ruas  escuras  que  frequentava  e  foi  quando teve  a  melhor  de  suas  ideias:  levaria  um  pequeno  banquete  para  sua  pesada  Clô;  com certeza ela se animaria com um belo beija-flor gordo e colorido e foi isso que fez. Caçou o mais  rápido  dos  pássaros  e  tomou  cuidado  para  não  deixar  nenhuma  pena  para  trás, só faltou embrulhar para presente e ao chegar em casa  colocou o bicho morto no meio do tapete da sala e esperou sua Clô levantar.
Quando a mulher apareceu, levou o maior susto, mas  não durou nem um minuto sequer,  a  senhora  lembrou-se  de  imediato  de  um  livro  que  havia  lido  logo  que ganhou Onofre e que dizia que felinos "presenteavam" seus donos com o que eles mais gostavam.
Isso,  querendo  ou  não,  era  um  grande  gesto  de  carinho.  Então  Dona  Clô,  com toda dificuldade do mundo, se ajoelhou perto do beija-flor e fez festa.
- Mas veja só o que belo banquete eu ganhei. Muito  obrigada meu querido amigo - falou afagando o bichano que ronronava mais do que  nunca de felicidade. Sua ideia havia dado  certo!  Nem  preciso  dizer  que  outros  vieram  depois  desse  e  o  efeito  era sempre  o mesmo.
Mas infelizmente Dona Clô veio a falecer e Onofre se viu sozinho na casa onde havia crescido. Os filhos da mulher o levaram para outra casa, mas esta não tinha o mesmo cheiro de lar que ele estava acostumado, então ele resolveu voltar.
Andou quase metade da cidade e conseguiu voltar, e com muito custo entrou onde antes era a sala que ele havia deixado tantos presentes para Sua Dona Clô e que agora não tinha nem móveis mais. Onofre enrolou-se no chão e  lá ficou esperando que ela voltasse: ele não conhecia a morte e não sabia o que significava.
Dias depois alguém abriu a porta da casa, mas não era a Dona Clô.
-  Olha,  mãe, a  casa  já  vem  com  um  gato!  –  gritou  uma  criança  loira,  que ao  ver
Onofre correu e o pegou no colo.
O bichano assustado tentou se desvencilhar da criança que o apertava, mas nada
funcionou. Ela era bem maior que ele.
- Posso ficar com ele, mãe?! Por favoooooor!
- Ah, Bia, gatos dão trabalho...
- Eu cuido dele, mãe! Por favoooor! – implorava a criança.
Se Onofre soubesse, teria arranhado aquela criança  ali mesmo e lhe arrancado os
olhos, porque foi o que ela quase fez a ele dias depois.
O bichano era torturado pela criança e a sua mãe parecia não ver, então em um dia cheio de fúria ele resolveu que assim como havia animado a sua Dona Clô um dia daria um jeito de afastar essa criança de perto dele.
Daquele  dia  em  diante  Onofre  se  tornou  o  pior  dos  inimigos  que  essas  duas  já haviam  conhecido  na  vida.  O  felino,  antes  indefeso, começou  a  fazer  xixi  em todos os cômodos da casa, mas principalmente nas camas e no  sofá, e também começou a comer tudo que encontrava fora do lugar, arranhou os móveis, fez cocô no tapete e a gota d´agua: trouxe amigos para casa! Onofre virou um delinquente e graças a Deus que Dona Clô não estava ali para ver.
Um dia o bichano foi mandado embora! Mas como, se aquela casa era dele? Onofre ficou ainda mais irritado e arranhava a porta a noite toda. Miava alto do lado de fora do prédio, fazia xixi no tapete da porta, avançava nasduas quando elas saiam do apartamento e não facilitava a entrada.
A  guerra  não  durou  muito  tempo.  Bia  começou  a  ficar com  medo  de  sair ou  de entrar  em  casa  e  por  mais  que  tentassem  nunca  mais  conseguiram  pegar  Onofre, nem mesmo os responsáveis pelo Centro de Zoonoses que foram tantas vezes chamados para socorrer  as  mulheres  que  estavam  presas  do  lado de  fora  ou  de  dentro  do apartamento, acuadas pelo Onofre raivoso. Finalmente mudaram-se! O gato agora podia esperar sua Clô em paz e tinha seu lar de volta.
Mas um dia a porta foi aberta novamente e Onofre, que já era o senhor Onofre com seus doze anos de idade, não viu Sua Dona Clô,  mas não se surpreendeu, pois não lembrava mais de seu rosto, somente seu cheiro lhe ficara na memória e não, aquele não era o cheiro dela.
- O apartamento é bom, eu gostei daqui – falou um homem com a voz bem rouca e andando até a janela. – A vista é boa. Ficarei com o lugar!
- Senhor, devo lhe dizer que este gato que o senhor vê aqui mora neste apartamento
há muitos anos e não há o que possamos fazer para ele sair.
Foi a primeira vez que senhor Valter olhou para o senhor Onofre que retribuiu o olhar sorrindo como só um gato sabe fazer.
– Deixe ele aí, acho que podemos nos acomodar não é, senhor....
- Onofre!
- O que disse? – perguntou senhor Valter ao dono doapartamento.
- Senhor Onofre é o nome dele. Era assim que Dona Clô o chamava... Dona Clô foi a moradora que ganhou esse gato anos atrás, depois disso nunca mais conseguimos tirá-lo daqui.
- Senhor Onofre, né? Gostei do nome...
Os dois se tornaram bons amigos! O novo humano de senhor Onofre, assim como sua Clô, comprou alguns livros para entender melhoro animal que vivia com ele naquele pequeno  apartamento  e  não  se  assustou  quando  um  dia chegou  em  sua  casa  e  viu  o bichano ao lado de um rato morto e perfeitamente arrumado no meio da sala: ele sabia que era presente.
Às vezes senhor Onofre trazia algumas baratas da rua, mas essas ele não dava para ninguém, era seu brinquedo preferido, mas ratos o senhor Valter ganhou aos montes. Mas
nunca mais ninguém ganhou um beija-flor do senhor Onofre. Inconscientemente ele tinha medo que esse bichinho que ele adorava comer fizesse seus humanos desaparecer!
Mesmo depois que os dois senhores daquela casa haviam ido embora do mundo dos vivos, beija-flores apareciam na sala e na porta da frente. Ninguém conseguia explicar porque tantos pássaros apareciam mortos daquela maneira e só no apartamento 301, mas
os moradores mais velhos do prédio sabiam e sorriam a cada presente que o senhor Onofre deixava por lá! 

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