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sábado, 4 de janeiro de 2014

[FEITO A MÃO] Melancólico e Metódico

Olá!
Quem disse que o amor não pode ser vingativo e perigoso?
Hoje vamos conhecer a história de Tina Citrinius e Klen Quartizi, um casal apaixonado que ia passar o Reveillón 2013-2014 em Copacabana, mas o destino tinha outros planos...
Inspirado no conto Venha Ver o Pôr-do-Sol, de Lygia Fagundes Telles.


Melancólico e Metódico
O plano era perfeito.
Estava tudo em sua mente: como, onde, quando e, principalmente, porquê. Mas o “quem” era a parte mais complexa do todo.
Descobriu, sim. Isso lhe corroía a alma e o espírito. Sabia que desta vez não se livraria da Roda das Encarnações, pois tinha a mais absoluta certeza de que na próxima... sim, voltaria como mendigo, deficiente e/ou sofreria de dores e dissabores tremendos por anos a fio.
Juro a vocês, ele ficou a ponto de desistir! Mas o orgulho ferido é a serpente do Paraíso à qual qualquer ser humano está sempre disposto a ouvir...
A cuja sobre quem maquinava? Chama-se Tina Citrinius. Foi busca-la à pé. Ela, por sinal, linda de viver naquela noite de Véspera de Ano-Novo. Vestido branco-pérola, bem cortado, feito sob medida para a ocasião da virada em Copacabana. Batom vermelho, comprado para o feriado de São Jorge alguns meses antes. O rímel, o blush e o rouge eram cem por cento novos.
Ela beijou-o de leve para que os dois não ficassem com as bocas borradas de vermelho-sangue.
— Dois mil e catorze será o nosso ano, Klen! — sorria um sorriso daqueles que iluminam um bairro inteiro e deixam meia quadra feliz só de olhar.
— Amanhã já é ano que vem — ele jogou uma piada pronta que só deixou-a mais animada. — Mas antes temos de ir a um lugar.
— Eu sei... — soltou-o e suspirou pesadamente.
Nenhum deles gostava de lembrar que Cassie Quartzi, mãe de Klen, morrera no 31 de Dezembro de 2008; à tarde.
— Estragou a virada de toda a família... — a tia velha de Cassie, solteira, virgem e amarga, que nunca sorria em festas populares e nem de gente grã-fina, comentou no meio do velório exatamente no segundo minuto de 2009.
Táquepareu — intercedeu um primo adolescente por entredentes.
Klen e Tina andaram por Botafogo até uma entrada secundária do velho São João Baptista. As redondezas do cemitério estavam vazias, mesmo sendo dia trinta e um. Alguém disse certa vez que dá azar passar perto de cemitério nessas datas.
As cruzes, anjos, santos e Cristos, todos de pedra, foram gelando espinha e alma de Tina. As árvores lembraram-lhe as harpias, velhas senhoras com asas podres e pernas de ave, que guardam os portões de Hades, por onde todos os mortos devem passar em algum momento, quando conseguem se livrar da dita Roda das Encarnações.
— Onde que tu quer me levar? Sabe muito bem que não gosto de cemitérios de noite, Klen. O túmulo da tua mãe é... Aqui! — surpreendeu-se.
— Sim, meu bem — sorriu, tal qual Jack antes de estripar suas vítimas.
Mas não dilaceraria Tina.
Ainda.
Pegou o molho de chaves no bolso e abriu o jazigo da quatrocentona família Quartzi. As dobradiças rasgaram o silêncio sepulcral como um machado pesado a um crânio. Quando a tocha foi acesa pelo fósforo de Klen, ela tapou a boca para o gritinho afetado de pavor não acordar os que estavam no sono eterno. Ele abriu uma pesada porta de ferro, revelando uma escada estreita. Inconfortável com a situação, desceu ao subsolo atrás do namorado.
Arrepiou-se inúmeras vezes desde que relacionou as árvores às harpias. Tina Citrinius estava de fato apavoradérrima.
O cheiro putrefato lhe preencheu as narinas. No meio do salão subterrâneo, um buraco retangular que ela logo reconheceu como a tumba do primeiro Quartzi que viveu no Rio de Janeiro. Ouviu a pesada porta de ferro fechar-se. Acendeu-se um archote da parede e ela gritou de insano desespero.
Sobre o corpo do visconde Quartzi: seu amante separado da cabeça.
— Eu vi — ele sussurrou quando a garganta dela secou de gritar. A voz de Klen ecoava nas paredes de mármore enegrecido. — Vocês dois na minha cama, com os meus lençóis espalhados pelo MEU QUARTO! Ele era o melhor amigo de uma vida inteira, Tina. E vocês dois gozavam de prazer e talvez rissem da minha cara. Tu não presta. Vagabunda.
Ela buscou forças e fôlego não sei onde, mas conseguiu encher os pulmões com um pouco de ar.
— Isso... Por quê?
— E tu ainda tem coragem de perguntar? Vocês estavam transando! Será que tu é tão burra assim que não consegue entender isso?! O meu melhor amigo e a minha namorada. Sabia que eu ia te pedir em casamento naquele dia?
— Nã... — foi o único som que o choro compulsivo permitiu que ela emitisse.
Klen Quartzi sorriu. Desta vez mais perto de dilacerá-la.
— Ele estava assim mesmo, ajoelhado aí, quando... — soltou a gargalhada nervosa. — Quando disse “eu perdi a cabeça por ela” — riu com mais vigor. — Nunca fale isso para o homem com a foice.
Bateu com a pedra repetidas vezes nela. O cadáver foi jogado separado das pernas, que sabiam dar uma chave de coxa, na tumba do visconde.
Fechou a sepultura, apagou o fogo do archote e foi para a praia.

~~x~~
Bem, é isso!
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