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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Trilogia Jogos Vorazes: o futuro não tão distante

Com a estréia de Em Chamas as discussões sobre a Trilogia Jogos Vorazes voltam à tona.
Os livros são tão bem escritos, os filmes tão bem adaptados, que nos levam a perguntar: mas e se essa fosse a nossa realidade?
Ou melhor: o que ali realmente foi retirado da nossa realidade atual??
Vem com a gente porque nós (MR e Chris Salles) vamos mostrar que talvez o mundo distópico dos Jogos não esteja tão distante assim do nosso mundo.

E que a sorte esteja sempre à seu favor.

(Nós sabemos que ela nunca está.)






Para os que não estão familiarizados com a história:
No futuro o planeta passa por mudanças climáticas. Nessas mudanças parte dos Estados Unidos é inundada e o restante da população se reúne em um governo chamado Panem, com um "presidente" ditador. O país é dividido em 13 distritos e cada distrito é responsável por fornecer algum bem para a capital, chamada Capitol, onde fica a sede do governo.
Mas é claro que a população fica descontente com isso depois de alguns anos, então ocorre uma revolta liderada pelo Distrito 13, o mais distante da Capitol. Porém, a população, com menos recursos bélicos, acaba perdendo e o Distrito 13 é eliminado completamente com armas nucleares.
Para lembrar a população da revolta fracassada nascem os Jogos Vorazes: uma vez por ano ocorre o maior evento entre os distritos, onde um casal de adolescentes de cada região é sorteado para se enfrentarem em uma arena até a morte.
É aí que conhecemos Katniss Everdeen, 16 anos. Ela mora no Distrito 12, o mais distante e pobre dos distritos. Faz 74 anos que os jogos acontecem. E essa é a primeira vez que sua irmã mais nova, Primrose, vai ter seu nome inserido para a Colheita.
O Distrito 12 é responsável por fornecer carvão, ou seja, a maioria da população masculina trabalha nas minas. O pai da Katniss era um mineiro, até que uma explosão na mina em que trabalhava faz com que ela fique orfã aos 12 anos. Com a mãe em depressão após a morte do pai, ela é quem tem que prover alimento e cuidar da família.
E como Fortuna nunca favorece os que necessitam dela, é claro que quem é chamada para os 74º Jogo Voraz é justamente Prim. Então Katniss se voluntaria para ir no lugar dela.
Mas na arena Katniss descobre que tudo o que ela conhece pode não ser tão certo assim.

Sim, pode conter spoilers sobre os livros e os filmes.

E se preparem porque esse post ficou grande.


Reality shows


O primeiro elo entre nossa realidade e Jogos Vorazes em que pensamos ao falar sobre a saga é reality shows. Justamente pelos Jogos serem transmitidos para todos os distritos e todo mundo assistir e torcer pelos tributos favoritos. É realmente como os reality shows de "sobrevivência" funcionam hoje em dia (do tipo Survivor ou Big Brother).

Não é tão difícil assim imaginar um programa em que crianças tem que sobreviver a um ambiente hostil para ganharem algo. Temos MasterChef Junior, que já coloca a competitividade entre crianças em voga, embora para cozinhar. E mesmo não tendo ninguém gritando para os participantes que eles são ridículos como em MasterChef, ainda sim é um ambiente estressante. O mesmo ocorre em competições mirins de beleza.
A crueldade dos Jogos é muito maior, mas a ideia de uma competição entre adolescentes já está enraizada em nossa sociedade. Inclusive se formos analisar os sistemas de avaliação escolar e provas para entrar em faculdades.
Lembrando também que em alguns distritos há os adolescentes "carreiristas", que treinam a vida toda apenas para aquele momento. Para eles é uma honra ir para os Jogos, assim como para algumas crianças/adolescentes é uma honra ganhar concursos e reality shows. Não vamos nem falar do mérito de entrar em uma boa universidade.
[MR]


Manipulação Midiática



"Cinna has turned me into a Mockingjay."
[Cinna me transformou em um tordo.]
A manipulação da mídia em Jogos Vorazes é vista bastante em Em Chamas e A Esperança, embora também apareça no primeiro livro, de forma tão enraizada na cultura de Panem que é difícil detectá-la. No filme, com uma visão mais ampla desse universo distópico é possível ter uma ideia da manipulação exercida pela mídia nos cidadãos de Panem.
E caso você não saiba, a mídia também nos manipula. É claro que você não pode pensar muito nisso, ou vai acabar como alguém que vê Teoria da Conspiração em tudo. Porém, sim, a mídia, principalmente as grandes emissoras de televisão, sutilmente nos manipulam. Colocam presidentes no poder, para derrubá-los alguns anos depois (no Brasil temos o caso do Collor, colocado no poder basicamente pela campanha maciça da Rede Globo). Transformam países multi-raciais em hegemonicamente brancos. E nos passam ideias erronicas de como é a vida em lugares que não temos contato (a violência das grandes cidades, a pobreza da África), nos prendendo a esterótipos.
No Brasil a Rede Globo é a emissora mais fluente do país. Isso não é de agora. Tanto que em 1993 o Channel 4 da Inglaterra exibiu um documentário sobre a manipulação pública, comparando o que a emissora faz ao filme Cidadão Kane.
No segundo livro/filme da trilogia temos a manipulação dos cidadãos através do romance fabricado de Peeta e Kaniss, usando-o como uma distração para os reais problemas que estão acontecendo nos distritos. Há também a grande propaganda em volta dos Jogos, sendo apresentada principalmente na Capitol, que tira o foco do porquê ganhadores dos Jogos voltarão à arena.Em A Esperança, a mídia ajuda na propaganda de guerra com um documentário seguindo Katniss em sua campanha de libertação dos distritos. Isso faz com que ela seja transformada em uma espécie de heroína do povo, a salvação de todas aquelas pessoas oprimidas. Um símbolo de uma revolução.
Ela É o tordo. Ela É a esperança.
Mesmo que não tenha intenção de ser. A mídia simplesmente a constrói.
Mas no fim vemos que Katniss não é realmente manipulada por ela.
[MR]

A Guerra


O que eu mais gosto nos livros da tia Suzanne é como ela não pinta a guerra com cores menos fortes só porque ela escreveu um livro para adolescentes. Se em Jogos vorazes e Em Chamas tudo ainda fica na esfera da competição, em Mockingjay (A esperança) a realidade salta das páginas com uma boa dose de sangue, dor e morte, justamente como uma verdadeira guerra é.

Tenho certeza que muitos assuntos não deveriam ser tocados em livros para adolescentes, mas Suzanne faz isso de forma magistral e, além do mais, é importante que os adolescentes conheçam as tristezas da guerra mesmo que seja através de uma obra ficcional. É um modo de lembrar a eles que o mundo, independente de seus dilemas de classe média do tipo "que roupa vou usar hoje?", continua girando e sendo constantemente ameaçados por Guerras que afetarão o estilo de vida de todos. É só você pensar nos problemas que os Estados Unidos tem com a Coréia e demais países do oriente e você vai perceber que não estamos muito longe de um bombardeio.
[Chris]
A Suzanne dá um trato para a guerra tão contemporâneo que nos pegamos achando que a qualquer momento um soldado vai meter o pé na nossa porta e apontar uma arma pra nossa cabeça. Normalmente quando falamos em guerra vem em nossa mente as Grandes Guerras Mundiais, principalmente nós brasileiros que somos um povo pacífico por natureza e não temos um histórico de engajamento em guerras (digo isso de forma geral). Assim, a guerra urbana não passa muito pela nossa cabeça, e para nós guerra é mais algo que ocorre em um local específico, como a 1ª Guerra Mundial e suas trincheiras.
Porém, essa é uma ideia já há tempos ultrapassada. A maioria das guerras atuais ocorrem no que se chamam "Zonas de Conflito": em centros urbanos ou em meios rurais onde pessoas vivem suas vidas. Pessoas que não tem nada a ver com tiros e bombardeios. Essas pessoas tem que ser deslocadas de suas casas para uma aldeia de refugiados, onde estarão "seguras".
Algumas Zonas de Conflito famosas atualmente são: Oriente Médio (Faixa de Gaza e Colinas de Golã) e alguns locais na África (Nigéria, República Centro-Africana).
Em A Esperança, a Capitol é claramente uma zona de conflito onde ninguém é poupado. Se bobear, leva uma flecha no peito. Não há misericórdia, você sabendo ou não o que está acontecendo.
[MR]

Os fins justificam os meios?


Se Gale Hawthorne tivesse vivido no século 16 com certeza ele seria fanboy de Maquiavel. E por que? Bem, você com certeza já ouvi essa frase "os fins justificam os meios" que foi dita por este último e a qual Gale praticamente a segue como um mantra na trilogia por acreditar piamente nisso. Para o personagem, que nutre um ódio quase irracional pela Capital, qualquer atitude que levasse a libertação de Panem das garras de seu centro de poder seria válida. Mesmo se isso significasse a perda de vidas humanas em ambos os lados.

E é justamente nesse ponto que Gale perdeu toda minha admiração. Se eu o respeitava no começo como um sobrevivente bravo e justo, nos livros seguintes ele caiu muito no meu conceito e é por isso que prefiro Peeta a ele. Entendam, não estou me referindo aqui ao triângulo ( se vc acha que vai ter um team Gale X Team Peeta aqui só por causa da Katniss, pode esquecer), mas sim sobre os personagens psicologicamente falando. Enquanto Gale é um caçador por excelência, motivado pelo ódio, Peeta é aquele motivado pela compaixão que leva a multidão pelas palavras e que imagina a revolução como algo pacífico. 
Não seria justo comparar este último à Gandhi, mas é basicamente isso que Peeta com sua fala mansa e solidariedade incondicional me leva a pensar: transformação não violenta mediante desobediência civil.
É claro que um inimigo com poderio bélico tão forte como o da Capital não se renderia só porque seus liderados estão fazendo greve de fome (Aloooou. O nome da trilogia é Jogos Vorazes e eles já estão morrendo de desnutrição!), mas acho que assim como Gale fez, usar a morte de pessoas como uma forma de manobra não só é cruel e antiético, como acaba o rebaixando ao nível do inimigo, no caso de JV, ao patamar do presidente Snow.
E como já disseram os vários cartazes antiguerra que vocês podem ver pela internet, a lógica dessa fala de Maquiavel (e do Gale) não podia ser mais errada. No entanto, somos humanos e humanos cometem os erros mais idiotas. Mesmo!
[Chris]

Bombardear pela paz é como transar pela virgindade!


Alienação

A sorte nunca está a nosso favor.
O mundo distópico criado por Suzanne Collins é um lugar muito segregado. Os distritos não tem nenhuma forma de contato entre si e eles só sabem que ainda existem outros distritos pelos Jogos. Também não há contato entre os distritos e a Capitol, e, de novo, os cidadãos da Capitol só tomam conhecimentos dos distritos pelos Jogos.
Os itens providos pelos distritos chegam à Capitol via ferroviária, por um trem que passa por túneis que são trancados (isso é bem mostrado no filme Em Chamas). Isso ocorre claramente sob o controle da Capitol, justamente para evitar mais um revolta. Assim, os distritos e a Capitol desenvolveram suas próprias culturas e suas próprias ideologias (principalmente a Capitol), usando até estilos de roupas diferentes.
Já no nosso mundo, a alienação entre as classes sociais não é tão aparente, tão a mostra. A internet faz com que acreditemos que somos todos iguais, mas o problema é que nem todos tem acesso a ela. A periferia das grandes cidades não são palco de grandes feitos ou prêmios, e o que vem de lá não é visto com bons olhos. Podemos citar os estilos de música que nasceram nesses locais: o samba inicialmente era visto como som de pessoas "sujas", o hip hop cantado apenas por pessoas de "baixo calão", e o funk é som de "favelado".
Aliás, assim como em Panem, onde se mora é algo muito importante na nossa sociedade: os participantes do Distrito 12 eram praticamente vistos como "café com leite" nos Jogos, assim como os moradores da periferia são vistos desse modo pela sociedade.
A alienação dos distritos em relação a Capitol pode ser comparada a alienação entre classes sociais na sociedade atual. Só se olha para as classes mais "baixas" quando se precisa de algo delas.
[MR]




Romance


Já dizia Camões que "amor é fogo que arde sem ver", e é basicamente isso que acontece em Jogos Vorazes, com o perdão da referência flamejante. Tirando claro o trope inicial, digo, o já mais do que batido triângulo amoroso, JV é a única trilogia que eu vi em toda a minha vida ser capaz de agradar ao mesmo tempo tanto as feministas de plantão quanto as garotinhas que gostam de um romance mais açucarado. 
Porque sim, mesmo com a Katniss negando o tempo todo seu amor por Peeta, ou pirando só de imaginar ter de casar com ele, Suzanne Collins nos proporciona vários momentos de suspiros e batidas de corações aceleradas. E todo eles basicamente ocorrem com o garoto do pão que, quando abre a boca, parece simplesmente acentuar cada palavra com um pouco de mel.
Pra mim é até difícil escolher qual a melhor frase do Peeta porque elas estão por toda a trilogia e cada uma tem seu valor dentro do contexto. Mas o que mais posso dizer a favor dele é seu amor incondicional pela Katniss sem pedir nada em troca. Isso fica explícito no começo de Em Chamas quando ele finge que eles continuam tremendamente apaixonados sendo que, na verdade, a Katniss nem olha para o pobre direito. Pois o que Peeta quer, nada mais é, do que vê-la feliz mesmo que isso signifique ter que aguentar a visão de sua amada nos braços de outro. 
Uma lição de altruísmo e amor verdadeiro para os que acham que "ter" a pessoa amada como se esta fosse uma coisa é o máximo de uma relação amorosa.


Eu queria poder congelar este momento bem aqui e agora, e viver nele para sempre.

[pausa para um suspiro.....obrigada]



Outro detalhe que mencionei acima e que não pode faltar sobre a análise do romance é que a Katniss não tem aquele ideal romântico, o que é completamente compreensível quando se tem uma família pra alimentar e uma dura realidade para se viver. 
Toda a energia da personagem é voltada para subsistência de sua mãe e de Prim, então acho legítimo que no começo ela seja um pouco arredia com Peeta e duvide do que realmente é o amor, chegando ao extremo de nunca pensar em se casar. Afinal, tudo o que ela havia sentido até aquele momento era ódio, medo e fome. E vamos ser sinceras, são sentimentos que falam mais alto no contexto do Distrito 12. Ou você acha que seria fácil enfrentar todo dia a possibilidade de seu marido morrer em uma explosão nas minas e por um bom par de anos sofrer por seu filho quando é chegada a época da colheita?
[Chris]


Muitos outros aspectos poderiam ser analisados: a tortura psicológica, o stress-pós traumático, o consumismo, a indústria da moda (que pode ser observada na campanha de marketing do filme), e a máxima de "quem é seu verdadeiro inimigo", mas o post já está gigante. Mas o que foi falado já dá pra ter uma ideia do quão próximo de nós está o mundo "distópico" criado por Suzanne Collins.

É só abrirmos os olhos que encontramos pequenos fragmentos de Jogos Vorazes em todo lugar.
E você, já encontrou algo que pensou "nossa, isso é muito Panem"? Deixe nos comentários!


Links sobre os assuntos comentados e outras curiosidades:


Trailer de MasterChef Junior US 2013 (em inglês)

Wikipedia sobre conflito nas Colinas de Golã
Wikipedia sobre a Faixa de Gaza
Wikipedia sobre conflitos religiosos na Nigéria
Wikipedia sobre os conflitos na República Centro-Africana
Site de notícias sobre Zonas de Conflito ao redor do mundo
Wikipedia sobre o papel da Rede Globo na eleição de 1989
Entrevista da Time Magazine com Suzanne Collins e Francis Lawrence (diretor de CF) 1/2/3/4/5 (em inglês)
Post do Conversa Cult sobre Malala Yousafzai, a Katniss da vida real
Resenha da Larissa Siriani sobre a adaptação cinematográfica de Em Chamas (aqui no blog)
Post do Conversa Cult sobre Suzanne Collins e suas inspirações

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4 comentários:

  1. Eu não li os livros. Mas, confesso que os filmes me atraem demais!!!
    A temática é bem atrativa e o post ficou hiper interessante!
    Se pararmos para pensar em tudo que envolve o filme realmente há a manipulação da mídia, a alienação e o grande poder autoritário.
    Foi o melhor post sobre o filme que já vi!!!

    Bjos

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  2. Caramba, que post maravilhoso!

    Vejo muitas pessoas criticando os livros ou os filmes, e isso me deixa possessa. Eu tenho a impressão que certas pessoas só veem o superficial, ou seja, se o filme/livro tem bastante ação ou romance(dependendo da expectativa de cada um), e não o enxergam como um todo. Não percebem a filosofia, e até mesmo o eufemismo que ele possui.
    Em certas partes de Em Chamas, eu não conseguia deixar de pensar no Big Brother Brasil. O país inteiro para pra assistir um programa, que convenhamos, não tem NADA pra acrescentar em nossa vida. No dia seguinte as pessoas ainda discutem sobre o que aconteceu nele, quem foi o anjo, líder, quem saiu... E é aí que eu me pergunto: que mentalidade é essa que estamos passando para as nossas crianças?

    Enfim, meu comentário já está enorme, então vou parar por aqui.
    Amei mesmo o post e acho que deveria ter uma Parte 2, abordando aqueles outros tópicos que vocês falaram no final.

    Estão de parabéns. :)

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  3. Quero casar com esse post. \
    Tipo isso.

    Nem vou comentar enormemente, mas eu nunca tinha pensado nessas coisas e estou de queixo caído.
    Sério.

    Amei.

    E super concordo com a Aylana: preciso de uma parte II abordando os outros temas!!

    (mas acho MasterChef Junior super legal, tá? E fico me sentindo hiper humilhada porque sei fazer nem metade do que eles fazem, hahahahaah)

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  4. Nossa, sua analise ficou muito bom. Eu que ainda não li os livros ou vi os filmes consegui entender bem o que você quis passar. Não sabia que dava para tirar tanta coisa dessa estória, fiquei morrendo de vontade de ler. kkkkkkk

    Bjs, @dnisin
    www.seja-cult.com

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